Um veleiro pretende conclamar a navegação comercial ao retorno da vela como meio de propulsão ecologicamente correta. Será viável? Será mesmo ecologicamente mais eficiente do que os navios mercantes movidos a combustíveis fósseis?
Por Klauber Cristofen Pires
Nesta virada de ano aportou em Belém o veleiro holandês "Tres Hombres", que alega ser o único navio cargueiro a vela no mundo em operação.
A centenária embarcação partiu da Holanda no dia 18 de outubro, com destino ao Brasil, tendo antes embarcado bacalhau na Noruega, e atracou no cais de Belém no dia 28 de dezembro de 2013, onde permaneceu até o dia 04 de janeiro de 2014.
Eu aproveitei para conhecer a embarcação, tirar algumas fotos e conhecer a sua história, que ora transmito aos meus diletos leitores, com meus comentários.
Segundo seus armadores, sua missão é agir como uma embaixada para a navegação sustentável, promovendo o retorno à navegação comercial à vela, livre de emissão de gases estufa.
Os leitores do LIBERTATUM sabem do meu apreço por embarcações, tanto que o blog é todo decorado com a temática náutica, ostentando principalmente no cabeçalho um lindo veleiro clipper.
Isto tem um motivo simbólico: remete-me à minha história pessoal, porque sou formado como oficial mercante, tendo navegado por cerca de oito anos, e também porque navios simbolizam o comércio, que é a manifestação mais representativa da liberdade, da civilidade, da paz e da colaboração entre os povos para a prosperidade mútua.
Guardo especial carinho com os navios a vela, pois estes lembram a prevalecente atmosfera liberal que o mundo respirou entre os séculos XVIII e XIX, quando este era o meio de propulsão até então mais usado, por mais eficiente.
Mas aí é que os ventos mudam: o tempo passou, e naturalmente os meios de propulsão a carvão, alimentando as máquinas alternativas ou turbinas dos navios a vapor, e posteriormente a óleo combustível, impulsionando os pistões de motores de combustão interna, substituíram completamente a navegação comercial.
Agora vejamos o caso do veleiro Três Hombres: este barco possui uma capacidade de carga de meras 35 toneladas e é operado por 18 tripulantes, sendo que 11 deles pagaram o equivalente a R$ 24.000,00 para participar da viagem!
Oras, os mais modernos navios mercantes do mundo têm capacidade para mais de 100 mil toneladas e são operados em média por não mais que 12 a 15 tripulantes, sendo que em alguns a dotação não passa de 6 a 8.
Da mesma forma, o método de carga e descarga dos modernos navios mercantes envolve equipamentos de carga e descarga de granéis ou de containers capazes de enchê-los ou esvaziá-los em poucas horas, enquanto que no Tres Hombres é carga é estocada de uma forma artesanal, isto é, sob o assoalho do convés, demandando muito tempo e operação manual, bem como sujeitando-a à condições indesejáveis de insalubridade.
Por exemplo, o Tres Hombres anunciou que desejava comprar café e chocolate durante sua estadia aqui no Brasil. O Brasil exporta chocolate, que é mantido em exatos 14º Celsius em containers climatizados controlados por computador nos navios mercantes. Como chegará ao destino o chocolate trazido a bordo do Tres Hombres depois de passar por calor e água da chuva e do mar?
Vamos supor que o veleiro embaixador da navegação sustentável livre de emissão de gases consiga lograr o seu intento de chamar a navegação comercial do mundo ao retorno dos navios veleiros, de modo que que uma empresa qualquer tenha armado um veleiro com uma capacidade de carga dez vezes maior, isto é, de 350 toneladas, ao invés de 35, mantendo os atuais 18 tripulantes. Aqui informo aos leitores que seria praticamente impossível construir navios com a capacidade de carga dos navios mercantes atuais, porque há um limite para a instalação do velame capaz de locomover tanto peso.
Se o compararmos com um pequeno navio mercante movido a óleo combustível de apenas 35.000 toneladas, também com 18 tripulantes, e aqui chamo a atenção que navios deste tamanho já estão em desuso, porque são economicamente pouco rentáveis, na verdade praticamente inviáveis, teríamos de concluir que seriam necessários 100 navios veleiros para fazer o seu serviço, guarnecidos por 1800 tripulantes!
Agora vamos ver mesmo se este navio seria tão mais ecologicamente correto que o seu concorrente movido a combustão interna: estamos aqui falando de mais material, porque 100 navios veleiros de 350 toneladas de carga certamente consumiriam mais aço, tecido para as velas e outros materiais do que um único navio de 35.000 toneladas de carga. Certamente, o esforço em produzir mais material e mais embarcações sugere um consumo maior de energia.
Porém, muito mais do que isto, imagine que 100 veleiros necessitam sustentar a vida não apenas de 18 tripulantes e suas respectivas famílias, mas então de 1.800 tripulantes e suas famílias! Quanto isto custará em termos de consumo?
Vale ainda lembrar que os modernos navios mercantes possuem sistemas de tratamento antiséptico e de dejetos. O Tres Hombres, possuindo apenas dois pequenos painéis solares e dois também pequenos geradores eólicos instalados na popa, certamente não possui energia para mover tais equipamentos, restringindo seu uso a alguma iluminação e aos equipamentos de orientação e navegação. Então, será que os marinheiros estão jogando seus cocôs e o lixo - pelo menos o lixo orgânico - na água?
Vale ainda lembrar que os modernos navios mercantes possuem sistemas de tratamento antiséptico e de dejetos. O Tres Hombres, possuindo apenas dois pequenos painéis solares e dois também pequenos geradores eólicos instalados na popa, certamente não possui energia para mover tais equipamentos, restringindo seu uso a alguma iluminação e aos equipamentos de orientação e navegação. Então, será que os marinheiros estão jogando seus cocôs e o lixo - pelo menos o lixo orgânico - na água?
Concluindo: a proposta do Tres Hombres não passa de uma nefasta utopia, porque faz demagogia pretensamente ecologicamente correta desconsiderando o cálculo econômico! Sua viabilidade reside no fato de que a maior parte da população paga um bom dinheiro para participar da viagem. Se os marinheiros fossem todos assalariados, por mais baixos que fossem os salários, não haveria possibilidade nem mesmo de desamarrar os cabos lá na Holanda.
Algumas experiências conceituais têm sido desenvolvidas, incluindo o uso de kites (espécie de parapentes), que ajudam a economizar combustível, ou com painéis solares. Talvez no futuro a tecnologia permita que utilizemos fontes de energia mais limpas, incluindo, quem sabe, a força dos ventos, mas para que venham a ser implementadas faz-se necessário que se tornem economicamente viáveis.
Como tenho dito, se alguém quiser ser realmente ecologicamente correto, deve prioritariamente pensar em ser economicamente correto. O próprio conceito de economia consiste justamente em produzir cada vez mais com o dispêndio cada vez menor de insumos. O óleo combustível é extremamente pesado e poluente, mas consegue carregar uma capacidade de carga que torna a sua emissão de gases menos prejudicial do que o consumo de energia requerido para a navegação a vela tal como foi praticada no passado, e esta foi simplesmente a razão pela qual tomou seu lugar, ou o comércio mundial ainda permaneceria sendo transportado por veleiros.
Alguns links interessantes sobre o veleiro Tres Hombres:
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