sexta-feira, 3 de abril de 2015

Propriedade e liberdade entre os antigos

Autor

Asd
Há um sofisticado e difícil ramo da história que estuda as origens e os desdobramentos da propriedade fundiária, ou seja, da senhoria sobre o solo. Por incrível que pareça, poucos historiadores investigam, hoje, o sistema de limitação do solo criado pelos romanos já desde a fundação. Têm ocupado a imaginação histórica, atualmente, apenas os dados seguros das fontes documentais escritas do Império (usualmente a partir da ditadura de Julio Cesar circa 44 d.C), transmitidos pelos escritos dos agrimensores romanos compilados por Lachmann (Gromatici veteres, 1848). Questões mais genéticas, ou seja, sobre a origem da demarcação de terras em Roma, costumam afugentar os historiadores em razão da escassez de fontes diretas.
E que dirá da história que precede a fundação de Roma, em 753 a.C, segundo a tradição? A arqueologia tem confirmado, quase que ponto por ponto, algumas lendas sobre essa fundação no séc. VIII a.C.. Roma parece mesmo ter se constituído como civitas nesse século, embora apenas gradualmente; restos da chamada muralha de Rômulo, que teria traçado um sulco a fim de demarcar os limites da cidade, entretanto, nos levam a pensar em algum tipo de ato fundacional. Antes disso, o território romano estava ocupado pelos ancestrais dos cidadãos romanos que, futuramente, comporiam o populus romanus (arc. poplos), uma espécie de estado em formação. Eram aglomerações de povos itálicos – latinos, sabinos, samnitas, umbros, oscos… – que se estabeleceram de modo permanente ali, nos montes Palatino e Capitolino, na colina Quirinal, junto ao Tibre, sempre em contato com seus vizinhos etruscos e gregos.
Já Tito Lívio dizia que, à época da fundação, as gentes originariae, em número de cem, estavam distribuídas em três tribus, Ramnes, Tities e Luceres (Ab urbe condita I, 13); e muitos autores respeitados sustentam que esses povos itálicos pré-fundacionais, organizados em famílias enormes (as gentes), já organizavam juridicamente o uso do solo.
O poder de distribuição da terra era difuso: ao invés de um senhor, imperava a comunidade de homens livres. Dado importante, para nós, é que todo homem livre – segundo as investigações genéticas de Max Weber, Auguste Meitzen e outros – tinha direito a uma medida de terra. As gentes exerciam a soberania em conjunto, comunitariamente, mas cada pai de família exercitava esse domínio cultivando o solo, seja pela agricultura, seja pelo pastoreio. À parte da porção de terra exclusiva, cujos sucessores herdavam, conquistavam espaços livres no campo e da cultura do solo tiravam o seu sustento.
Importante nesse modelo é o significado original do vocábulo latino fundus, que no português serve de origem, por exemplo, para o adjetivo fundiário e do substantivo latifúndio. Segundo Weber, fundus (que penso, segundo a ortografia que recua ao século V-VI a.C, proceder de fvndosfvndoi) não era, inicialmente, uma porção concreta de terra, e muito menos uma medida ou unidade de mensuração fundiária; era, ao inverso, um direito de participação na comunidade agrária (fundus > Genossenrecht) ao qual cada cidadão tinha direito em virtude apenas da sua condição livre.
Weber e Meitzen inspiraram-se no modelo de soberania e de afirmação da condição de liberdade civil das antigas comunidades germânicas. Mas temos também dados documentais inafastáveis do direito antigo. As leis mais vetustas do País de Gales previam que cada cidadão, simplesmente por fazer parte da nação livre, tinha como direitos alienáveis a liberdade – o de não ser feito escravo – e a propriedade. Além da possibilidade de herdar e receber terras por outros meios – inclusive como pagamento por atos de bravura e serviços prestados em benefício da nação –, era-lhe garantido uma porção de 5 erws (um erw equivalia aproximadamente a 6.561 pés quadrados segundo os costumes do sul do país) de terra arável nos territórios nacionais. Se estivesse desprovido de terra, o cidadão recorria ao senhor da terra e declarava sua condição de homem livre e de sangue galês; provada a sua condição, era investido na posse da porção correspondente e a demarcava conforme os usus e costumes da região.
Esse breve comentário sobre antiquíssimos sistemas jurídicos e modelos de "apropriação" da terra são exemplos curiosos – e pouco estudados – da forte relação entre liberdade e propriedade.
 Matéria extraída do website do Instituto Ordem Livre

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