por Bernardo Santoro
Nota do IMB
[Nota do IMB: A questão é simples: quanto maior a liberdade de contrato, melhor para o competente que quer fornecer sua mão-de-obra e pior para o encostado que quer a segurança dos vínculos empregaticios. Só isso.
O texto-base do projeto de lei que amplia a terceirização no Brasil, embora longe de ser o ideal, representa um avanço em termos de liberdade empreendedorial, trazendo uma extremamente necessária flexibilização da nossa atualmente rígida legislação trabalhista. No mínimo, ele poderá retirar milhões de trabalhadores que hoje têm de recorrer à informalidade, oferecendo-lhes salários maiores.
Atualmente, as empresas só podem terceirizar serviços considerados como atividades-meio — limpeza e segurança de edifícios, por exemplo. Já pela proposta aprovada ontem na Câmara (o projeto ainda tem de ser votado pelo Senado), a terceirização de atividades-fim também se torna permitida. Isso faria com que, por exemplo, um hospital possa contratar médicos de outra empresa privada, sem formar vínculo empregatício.
Embora não haja vínculo empregatício — o que representa uma considerável flexibilização da legislação trabalhista, deixando o Brasil um pouquinho mais perto dos países de primeiro mundo (como a Dinamarca, que, para espanto dos progressistas, tem a quinta legislação trabalhista mais liberal do mundo) —, a empresa que recorrer à terceirização continua sujeita às obrigações trabalhistas, tributárias e previdenciárias da contratação. E é sua obrigação fiscalizar o pagamento dessas obrigações. Se não o fizer, poderá ser responsabilizada conjuntamente com a companhia contratada.
Adicionalmente, se a empresa contratada não fizer os pagamentos acordados com os trabalhadores, a empresa contratante terá de segurar parte do pagamento mensal para assegurar o cumprimento desses direitos.
Por fim, o projeto de lei estabelece ainda que a empresa contratante não pode proibir nem impor condições para a contratação de empregados pela contratada. Se isso ocorrer, haverá multas para as duas.
Ou seja, o projeto está longe de ser perfeito, mas é um (pequeno) passo na direção correta. Um ponto curioso, aliás, é que o projeto prevê que o setor estatal possa contratar terceirizados sem ter de recorrer a concursos públicos. Isso está deixando os concurseiros profissionais em polvorosa...
Por último, um adendo para evitar confusão e perguntas desnecessárias: o jornalista Reinaldo Azevedo fez muito barulho ontem dizendo que o ministro da Fazenda Joaquim Levy resolveu fazer graça e inseriu várias "emendas confiscatórias" no projeto, as quais serão apreciadas na semana que vem. Em uma dessas emendas, o governo quer tributar em 15%, por meio do IRRF (Imposto de Renda Retido na Fonte), as empresas que trabalham sob o regime de lucro presumido. Embora seja lamentável, vale ressaltar que, ao contrário do que deu a entender o jornalista, todas as medidas citadas já existem hoje para empresas prestadoras de serviço conforme a Lei 10833/2003 e a RIR/1999. Ou seja, o PL 4330 não está criando nenhuma novidade nesse quesito. Está apenas mantendo algo ruim, que já existia há muito tempo. Deve ser criticado, é claro, mas não é correto dizer que a estrovenga confiscatória está sendo criada agora.
No texto a seguir, Bernardo Santoro aprofunda como as terceirizações, que implicam mais liberdade para a legislação trabalhista, significam necessariamente mais liberdade econômica.
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É particularmente assustador pensar que até hoje a terceirização é um assunto obscuro na nossa ultrapassada legislação trabalhista.
O projeto de lei 4330/2004 prevê a contratação de serviços terceirizados de empresas para qualquer atividade e não estabelece limites ao tipo de serviço que pode ser alvo de terceirização. Além disso, prevê a forma de contratação tanto para empresas privadas como públicas.
Houve quem entendesse que a terceirização irá quebrar o vínculo entre empregadores e empregados, e isso se transformou na grande reclamação das entidades sindicais. Mas não procede. A terceirização só é economicamente viável para o que se chama "atividade-meio" de uma empresa, e não sua "atividade-fim".
Exemplifico.
A atividade-fim da escola é o ensino. Portanto, seu material humano básico é o professor. Terceirizar os professores a princípio é economicamente inviável, pois se existisse uma empresa prestadora de serviço de professores, seria mais interessante para essa empresa que ela própria prestasse o serviço, já que ela é a possuidora do principal conhecimento.
Já atividades-meio da escola, como limpeza e segurança, que não são o cerne da atividade empresarial, mas que servem de apoio para o objeto principal, possuem viabilidade de terceirização.
A economia ensina que a especialização de mão-de-obra e o livre comércio entre agentes especializados aumentam a riqueza geral dos envolvidos e a produção social, pois cada agente especializado em um serviço produz muito mais do que produziria caso ele tivesse de fazer várias coisas diferentes ao mesmo tempo.
Portanto, se a escola fosse se especializar não somente em ensinar, mas também em serviços de limpeza, manutenção e segurança, seus custos seriam muito maiores. É aí que entra a terceirização de atividades-meio.
E essa terceirização acaba por beneficiar a todos, inclusive aos terceirizados, pois esses empregados também irão consumir produtos e serviços de empresas que terceirizaram suas atividades-meio e, consequentemente, baratearam seus produtos. (Nota do IMB: ou, na realidade brasileira, aumentaram seus preços com menos intensidade).
Outro argumento das entidades sindicais contra o projeto é a teoria de que a terceirização prejudicará a todos os brasileiros, pois irá acabar com direitos trabalhistas em benefício de empresários que terão custos baixos.
Em primeiro lugar, não é verdade que a terceirização irá realmente acabar com direitos trabalhistas. Isso é uma mentira. Os direitos trabalhistas serão todos mantidos, mas os empregados estarão vinculados à empresa prestadora de serviço (a terceirizada). O que ocorre hoje é que há uma disfunção no direito trabalhista que diz que empregados terceirizados podem cobrar seus créditos trabalhistas da empresa contratante do serviço.
Desnecessário dizer que a prática atual rompe com toda e qualquer lógica comercial. Como é que alguém pode ser obrigado a pagar por um débito trabalhista de um empregado que não é seu? E não é mesmo, pois, no caso do exemplo acima, se a escola vier a falir, o empregado continua vinculado ao prestador de serviço de limpeza, e será prontamente deslocado para outra empresa que vier a contratar o serviço junto ao seu patrão.
É uma lição básica e clássica do Direito o fato de que uma pessoa só pode ser obrigada a pagar por uma obrigação sua. Hoje em dia, infelizmente, esse novo Direito distorce isso, criando uma série de situações em que alguém é obrigado a pagar pelo prejuízo causado por outras pessoas.
E a realidade, aliás, é que o projeto de lei também é levemente intervencionista nesse caso, pois seu artigo 10 diz que, durante a prestação do serviço, a empresa contratante fica responsável, subsidiariamente, pelos créditos trabalhistas do empregado. Se o contratado, por exemplo, for um profissional da atividade-fim com empresa própria, ele pode requerer a equiparação com relação de trabalho na justiça. Ou seja, o projeto de regulamentação da terceirização é até tímido.
O mais curioso é que o estado, que se diz tão "socialmente justo e consciente", se auto-isenta dessa lei. De acordo com a lei de licitações (art. 71), o estado não responde por dívidas trabalhistas de empresas terceirizadas que lhe prestam serviços. Para o estado, a isenção; para o empresário, o rigor da lei. Por quê?
E deixemos bem claro a principal falha de argumentação das entidades contrárias à terceirização. De acordo com um folheto da CUT, a terceirização foi feita para "baratear a produção". Ora, se a produção de produtos e serviços está sendo barateada, então isso é bom para a sociedade e principalmente para os pobres. Serão mais produtos e serviços acessíveis para quem tem menos poder aquisitivo.
Por fim, nem merecia ser citado esse argumento, por tão absurdo que é, mas lá vai: a esquerda defende que a terceirização pode esconder uma relação de escravidão.
Mas o que garante que em serviços não-terceirizados não haja escravidão também? Isso simplesmente não é parâmetro válido de discussão, pois escravidão é ilegal em qualquer situação de trabalho, direta ou terceirizada. Está inclusive na constituição, a qual está acima de qualquer lei brasileira.
Em suma, esse projeto, embora não seja o ideal, é bom para o Brasil e para os brasileiros. De fato, é a melhor reforma de liberalização da legislação trabalhista já feita neste país. Se o Congresso aprovar esse projeto de lei, estará fazendo história e sedimentando uma real mudança de mentalidade do poder legislativo nacional.
Se tal liberdade de contrato será ruim para alguns? Certamente. Sempre há quem perde (os mais incompetentes) quando alguma forma de protecionismo é abolida. E sempre há quem ganha (normalmente, os mais competentes).
O empregado competente não será substituído por um terceirizado incompetente e inexperiente. Quem acredita que isso irá acontecer está, na prática, dizendo que empreendedores são ingênuos e gostam de tomar prejuízos (nada é mais prejudicial do que um funcionário ruim).
Funcionário que gera valor não é dispensado — por mais caro que ele seja — em troca de funcionário ruim e inexperiente. O real temor gerado por essa lei é que haverá bons profissionais querendo ofertar seus serviços sem vínculos empregatícios, e isso representará um risco para os ruins que usufruem esses vínculos.]
Bernardo Santoro é Mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UERJ), Mestrando em Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política das Faculdades de Direito da UERJ e da UFRJ. Advogado e Diretor-Executivo do Instituto Liberal.
Fonte:instituto Ludwig von Mises Brasil
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