Por que privatizar a Petrobras.
Autor: Rodrigo Constantino
Rodrigo Constantino é economista pela PUC-Rio, com MBA de Finanças pelo IBMEC e trabalha no mercado financeiro desde 1997. É articulista e autor de diversos livros.
Nenhum outro setor da economia desperta tantas paixões e controvérsias
quanto o do petróleo. A Petrobras é motivo de orgulho para muitos brasileiros –
e pesquisas recentes mostram que quase 80% da população é contra a privatização
da estatal que explora nosso “ouro negro”. Em quase todos os debates, os
argumentos são os mesmos: é preciso proteger nossas riquezas naturais, o
governo precisa cuidar de um setor tão estratégico. “O petróleo é nosso”, dizem
os nacionalistas.
É claro que o petróleo é fundamental para a economia moderna. Ele é a energia que faz a roda da economia girar. Mas será que isso é suficiente para considerá-lo tão diferente assim dos demais produtos? Será que é uma justificativa para preservar uma estatal quase monopolista? Mais ainda: assumindo que o petróleo é mesmo especial e, portanto, estratégico, será que devemos manter um recurso tão importante sob os cuidados do Estado?
Ao contrário do que muita gente acredita, a privatização da Petrobras
não apenas não faria mal algum ao país, como tornaria um setor estratégico mais
eficiente e daria aos brasileiros o que eles merecem: a posse de suas riquezas
naturais. Não vamos esquecer o alerta do economista americano Milton Friedman
(1912-2006): “Se o governo assumisse a gestão do Deserto do Saara, em cinco
anos faltaria areia por lá”.
Nos Estados Unidos, o país mais rico do mundo, houve um crescimento
incrível do setor petrolífero a partir da competição de várias empresas
privadas, desde a primeira prospecção feita por Edwin Drake, na Pensilvânia, em
1859. A Standard Oil, criada por John D. Rockfeller, maior empresário do ramo,
era uma máquina de fazer dinheiro e gerar empregos. Seu grupo ficou tão grande
que o governo americano decidiu fatiá-lo em 1911. Assim, surgiram as empresas que
dominam até hoje essa área nos EUA. Elas concorrem em igualdade de condições
com empresas estrangeiras como British Petroleum, Shell, Lukoil, a própria
Petrobras e várias outras. O mercado funciona – e nenhum país considera o
petróleo mais estratégico que os EUA.
No Brasil, o Estado nunca deixou o setor de petróleo funcionar
livremente. Um dos pensadores brasileiros que mais lutaram contra o monopólio e
o controle estatal da Petrobras foi o economista e ex-ministro Roberto Campos
(1917-2001). Em sua autobiografia, A lanterna na popa, vemos sua
batalha inglória para trazer mais racionalidade para o debate, contra grupos de
interesse muito bem organizados e um nacionalismo ideológico mal calibrado.
Apelidado de Bob Fields por seus detratores, Campos nunca foi um
“entreguista”. Ao contrário. Queria apenas a adoção de um modelo de exploração
do petróleo que fosse mais vantajoso para os brasileiros. Para ele, deixar
empresas privadas, nacionais ou estrangeiras, competir no setor seria a melhor
forma de beneficiar o próprio povo brasileiro. “Mais importante que as riquezas
naturais são as riquezas artificiais da educação e da tecnologia”, afirmava.
Infelizmente, uma barreira ideológica impedia a escolha desse modelo. Como disse
Campos, “os esquerdistas, contumazes idólatras do fracasso, recusam-se a
admitir que as riquezas são criadas pela diligência dos indivíduos, e não pela
clarividência do Estado”.
No governo FHC, ocorreu uma profissionalização maior na Petrobras.
Infelizmente, isso acabou com a chegada do PT ao poder, em 2003. Em vez de o
governo manter um quadro mais técnico, políticos como José Dutra e Sérgio
Gabrielli assumiram a presidência.
A presidente Dilma reverteu isso em parte, empossando Graça Foster no
comando da estatal no início de 2012, mas os resultados ainda não se refletiram
nos números da empresa. O crescimento da produção total de óleo e gás da
Petrobras desde que o PT assumiu o governo, em 2003, foi medíocre. A empresa,
em seus planos estratégicos de cinco anos, costuma prometer aos analistas um
crescimento acima de 5% ao ano na produção. De janeiro de 2003 a janeiro de
2012, a produção cresceu somente 2,4% ao ano – um resultado lamentável. Só que,
para chegar a esse resultado ainda medíocre, ela teve de investir cerca de R$
100 bilhões apenas em exploração e produção. Alguém acha realmente que essa
montanha de recursos em mãos privadas teria levado a um resultado pior?
Para agravar a situação, boa parte desse programa de investimento teve
de ser financiada no mercado, aumentando o endividamento da empresa, pois a
geração própria de caixa não era suficiente para viabilizá-lo. A Petrobras, que
tinha R$ 26,7 bilhões de dívida líquida em 2007, acumulava um endividamento
líquido superior a R$ 130 bilhões no fim do primeiro semestre de 2012 – um
aumento de 400% em menos de cinco anos. Eis aí algo que cresce a taxas elevadas
na Petrobras, ao contrário da produção. Isso mesmo depois do enorme aumento de
capital que promoveu, de R$ 100 bilhões – uma operação no mínimo controversa,
que diluiu a participação dos acionistas minoritários, na qual o governo usou
até os ativos do pré-sal da União para reforçar sua fatia na empresa.
Se comparada a seus pares internacionais, a rentabilidade da Petrobras
nos últimos 12 meses está muito abaixo da média. Para ser mais exato, o retorno
sobre o patrimônio líquido da “nossa” estatal foi um terço da média global do
setor. E seu uso político custa cada vez mais aos milhões de investidores. No
segundo trimestre de 2012, a Petrobras divulgou o primeiro prejuízo em 13 anos.
Perdeu R$ 1,35 bilhão, fruto principalmente da enorme defasagem dos preços dos
combustíveis e da alta do dólar em relação ao real. O fato de o preço do
combustível não seguir as forças de mercado no Brasil representa enorme perda
de eficiência do setor.
Em 2011, os cerca de 80 mil funcionários da estatal custaram para a
empresa mais de R$ 18 bilhões. Isso dá uma média anual de custo acima de R$ 230
mil por empregado. Claro que há gente séria e qualificada ali, mas estes não
teriam nada a perder com uma gestão privada focada no lucro. Ao contrário: como
já cansamos de ver, os empregados mais eficientes que permanecem nas empresas
privatizadas costumam melhorar bastante de vida. Naturalmente, a turma
encostada e sem capacidade para ganhar o que ganha fica apavorada com a ideia
de privatizar e colocar um fim na vida mansa. São esses que fazem de tudo para
preservar o statu quo e a caixa-preta em torno da estatal.
Qualquer reformista encontrará enorme pressão dos grupos reacionários
interessados em preservar privilégios e mamatas na Petrobras. Boa parte do
próprio corpo de funcionários reagirá contra mudanças. O ex ministro Antônio
Dias Leite chegou a cunhar a expressão “República Independente da Petrobras”
para se referir à estatal. São muitos bilhões em jogo e muito poder para o
governo simplesmente focar na maior eficiência da empresa e nos interesses dos
consumidores. Parece natural a luta permanente pela captura da empresa por
feudos políticos.
A Petrossauro, como a chamava Roberto Campos, possui infindáveis tetas
para atrair vários grupos de interesse distintos. Como se costuma dizer, o
melhor negócio do mundo é uma empresa de petróleo bem administrada, e o segundo
melhor negócio do mundo é uma empresa de petróleo mal administrada. Mesmo
ineficiente e palco de abusos políticos, a Petrobras gera enorme quantidade de
caixa, despertando o olho grande de muita gente, que passa a defender sua
manutenção como estatal.
O fundo de pensão da Petrobras agradece, recebendo quantias relativas
aos dividendos dos acionistas jamais vistas na esfera privada. Os membros
poderosos dos sindicatos agradecem, protegendo seu emprego da livre
concorrência. Os empresários corruptos agradecem, podendo fechar ótimos
negócios com a estatal graças ao suborno, e não à eficiência de seus serviços e
produtos. Silvinho “Land Rover” Pereira e outros tantos como ele estão aí como
prova.
Artistas engajados que cedem à doutrinação ideológica comandada pelo
governo também agradecem, pois recebem verbas para o avanço da “cultura
nacional” sem qualquer critério de mercado, ou seja, de preferência dos
consumidores. De 2008 a 2011, a estatal destinou a bagatela de R$ 652 milhões a
patrocínios culturais. É uma montanha de dinheiro capaz de transformar o mais
liberal dos artistas num ferrenho defensor da estatização. Bastou a nova gestão
de Graça Foster dar sinais de que poderia cortar a verba cultural em 2012 que a
reação foi imediata e estridente.
Os políticos regozijam se também, podendo usar uma empresa gigantesca
para leilão de votos e cabide de emprego. Como fica claro, toda uma cadeia da
felicidade é alimentada pela Petrobras. No pôquer, há uma máxima que diz: “Se
você está no jogo há 30 minutos e ainda não sabe quem é o pato, então você é o
pato”. Se você, estimado leitor, não faz parte dessa farra toda que mama nas
tetas da Petrobras, pode estar certo de que faz parte do grupo dos que pagam a
conta. Bem-vindo ao clube.
O governo ainda usa a empresa como instrumento de política econômica,
mantendo os preços artificialmente baixos para não aumentar a inflação. Para
piorar, aplica cota nacionalista na compra de insumos importantes, na tentativa
de estimular a indústria nacional. O problema é que isso afeta o caixa da
empresa. Como o programa de investimentos é enorme, a rentabilidade mais baixa
destrói o valor da empresa, prejudicando seus milhões de acionistas. Numa nota
em sua coluna de 15 de julho de 2012, o jornalista Ancelmo Gois, de O
Globo, revelou: “Um ex diretor da Petrobras diz que os R$ 360 milhões
gastos com a P 59, na Bahia, dariam para comprar duas plataformas no exterior.
O ‘Bolsa Navio’ já tem dez anos. Ou seja, o tempo passa, o tempo voa, e nossa
indústria naval nunca fica competitiva”.
Resultado: a Petrobras foi o “patinho feio” da Bolsa nos últimos anos.
Segundo consta no próprio relatório anual de 2011 da empresa, as ações da
Petrobras tiveram queda de 15% nos últimos cinco anos, em comparação a uma alta
de quase 30% no Índice Bovespa, que reflete o desempenho das principais ações
negociadas nos pregões. A Petrobras chegou inclusive a perder por alguns dias o
posto de maior empresa latino-americana por valor de mercado para a colombiana
Ecopetrol, bem menor que a estatal brasileira. Detalhe: o patrimônio da
Ecopetrol é sete vezes menor que o da Petrobras. Como milhões de pequenos
investidores tornaram se acionistas da Petrobras por meio do FGTS no passado
recente, o descaso e a incompetência das últimas gestões trouxeram perdas
significativas para inúmeros brasileiros, inclusive de classes mais baixas, e
também para os investidores estrangeiros que apostaram na empresa.
O valor de mercado da Petrobras oscila bastante e caiu muito nos últimos
anos. Atualmente, ele está na faixa dos R$ 250 bilhões. A União é dona de quase
metade do capital total, sem contar o BNDES. Mesmo considerando a perda de
valor por causa da incompetência estatal, a Petrobras valeria uns R$ 120
bilhões para o povo brasileiro.
Isso daria quase R$ 10 mil para cada uma dos 13 milhões de famílias
assistidas pelo Bolsa Família, por exemplo. Que tal doar ações da Petrobras
para essa gente? Será que essas pessoas mais pobres preferem repetir que o
petróleo é nosso, ou receber um título ou um cheque desse valor para fazer o
que bem entender com os recursos?
Da próxima vez que o leitor escutar por aí que “o petróleo é nosso”,
talvez fique mais claro o que eles realmente querem dizer com isso. Sim, o
petróleo é mesmo deles, e não seu ou meu. Talvez devêssemos sair às ruas
gritando “o petróleo é vosso” e demandando nossa parte. Se o petróleo for de
fato nosso, do povo brasileiro, então é simples resolver a questão: basta o
Estado distribuir para cada brasileiro (ou para a faixa mais pobre) sua parte
da empresa, por meio de vales ou ações. Cada um poderá, então, sentir se
efetivamente dono de um pedaço da Petrobras e fazer com sua parte o que lhe
aprouver. Afinal, o petróleo é nosso ou não é?
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Publicado originalmente na Revista
Época. Extrato do livro Privatize Já, lançamento da Editora Leya.
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