sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Verdade que incomoda

“Eu entrei no governo com um objetivo: transformar o país, de uma sociedade dependente em uma sociedade autoconfiante, de uma nação dê-para-mim em uma nação faça-você-mesmo.”
(Margaret Thatcher)

                “Senhores, é nisso que nós acreditamos”, exclamou a recém-eleita líder da oposição britânica, enquanto batia com um livro sobre a sua mesa. O livro que ela tinha em mãos era Os Fundamentos da Liberdade, de F. A. Hayek. Margaret Thatcher ocupava o posto de líder do Partido Conservador há apenas alguns meses, e enquanto alguns membros do seu gabinete insistiam na adoção de propostas pragmáticas enquanto o partido estivesse na oposição, ela usou o livro de Hayek para demonstrar que pretendia um rompimento completo com as ideias socialistas que dominavam o governo britânico desde a Segunda Guerra.

                Na administração de Margaret Thatcher a Inglaterra se transformou e saiu do “buraco”. De Theodore Dalrymple, no seu livro “A Vida na Sarjeta”: “O primeiro dever do intelectual moderno, escreveu George Orwell, é afirmar o óbvio, invalidar ponto a ponto, as ‘pequenas ortodoxias duvidosas... que agora brigam por nossas almas’”. Orwell entendia por doutrina totalitárias aquelas que hipnotizavam os intelectuais de seu tempo e impediam-lhes aceitar as verdades óbvias e evidentes a respeito de si próprios e de outras sociedades; entretanto, a advertência ainda é verdadeira, mesmo quando o fascismo e o comunismo estão mortos e os seus restos operam na sombra, na lama pútrida. O fim do totalitarismo não levou a uma avaliação mais franca e honesta da realidade, mas simplesmente a uma proliferação das lentes de distorção através das quais as pessoas escolhem olhar para o mundo. Se a humanidade, como expôs T.S. Eliot, não pode tolerar muita realidade, parece que pode suportar qualquer quantidade de irrealidade. A luta do intelectual para negar o óbvio sempre é mais desesperada quando a realidade é desagradável, está em desacordo com suas preconcepções e quando o pleno reconhecimento dela destruiria os fundamentos de sua visão de mundo intelectual. Dada à história social da Inglaterra nos últimos quarenta anos, pouco surpreende que a negação coletiva seja uma das características mais proeminentes da vida intelectual.

                O Estado do Bem-Estar Social moderno filho da esquerda destruiu a moral e a capacidade de trabalho na Inglaterra e na França. Nas últimas décadas uma psicologia peculiar surgiu na Inglaterra com o Estado do Bem-Estar Social. Há muito, segundo Dalrymple, se foram à civilidade, a independência firme e o admirável estoicismo que conduziram os ingleses ao longo dos anos de guerra e alegações especiais. O colapso do caráter britânico foi rápido e completo, assim como o colapso do poderio da Grã-Bretanha. O que aconteceu na Inglaterra e França serve de exemplo para alertar os brasileiros dos riscos que atravessam com a administração pífia e corrupta do PT, muito pior do que aconteceu na Inglaterra, França e outros países europeus que adotaram o modelo do Estado do Bem-Estar Social, com destaque no Brasil das políticas ambientais nocivas na Amazônia, veneno para o desenvolvimento.

                As ideologias políticas não parecem propensas a visar um objetivo definido com clareza, mas reformas esparsas. É da maior importância uma compreensão plena do processo mediante o qual certas medidas podem destruir as bases de uma economia de mercado, e asfixiar gradualmente o poder criador de uma civilização livre. Só compreendendo por que e como certo tipo de controle econômico tende a paralisar as forças propulsoras de uma sociedade livre, e que espécie de medidas são em particular perigosas nesse campo.

                O verdadeiro liberalismo distingue-se do conservantismo e é perigoso confundi-los. Embora elemento necessário em toda sociedade estável, o conservantismo não constitui, contudo, um programa social; em suas tendências paternalistas, nacionalistas, de adoração ao poder, ele com frequência se revela mais próximo do socialismo que do verdadeiro liberalismo; e, com suas propensões tradicionalistas, anti-intelectuais e frequentemente místicas, ele nunca, a não ser em curtos períodos de desilusão, desperta simpatia nos jovens e em todos os demais que julgam desejáveis algumas mudanças para que este mundo se torne melhor. Por sua própria natureza, um movimento conservador tende a defender os privilégios já instituídos e a apoiar-se no poder governamental para protegê-los. A essência da posição liberal, pelo contrário, está na negação de todo privilégio, se este é entendido em seu sentido próprio e original, de direitos que o estado concede e garante a alguns, e que não são acessíveis em iguais condições a outros.

A mais importante transformação que um controle governamental amplo produz é de ordem psicológica, é uma alteração no caráter do povo. Isso constitui um processo necessariamente lento, que se estende não apenas por alguns anos, mas talvez por uma ou duas gerações. O importante é notar que os ideais políticos de um povo e sua atitude em face da autoridade tanto são efeitos quanto causas das instituições políticas sob as quais ele vive. O que significa, entre outras coisas, que mesmo uma vigorosa tradição de liberdade política não constitui garantia suficiente, quando o perigo consiste precisamente em novas instituições e novas orientações políticas que ameaçam corroer e destruir pouco a pouco aquele espírito. Sem dúvida, as consequências poderão ser evitadas se o mesmo espírito se reafirmar a tempo, e se o povo não apenas puser abaixo o partido que o vinha conduzindo para cada vez mais longe do caminho perigoso, mas também reconhecer a natureza da ameaça e mudar resolutamente de orientação.

 Tocqueville previu sobre um “novo tipo de servidão”, que apareceria quando, depois de ter subjugado sucessivamente cada membro da sociedade, modelando-lhe o espírito segundo sua vontade, o estado estende então seus braços sobre toda a comunidade. Cobre o corpo social com uma rede de pequenas regras complicadas, minuciosas e uniformes, rede que as mentes mais originais e os caracteres mais fortes não conseguem penetrar para elevar-se acima da multidão. A vontade do homem não é destruída, mas amolecida, dobrada e guiada; ele raramente é obrigado a agir, mas é com frequência proibido de agir. Tal poder não destrói a existência, mas a torna impossível; não tiraniza, mas comprime, enerva, sufoca e entorpece um povo, até que cada nação seja reduzida a nada mais que um rebanho de tímidos animais industriais, cujo pastor é o governo.  Uma servidão metódica, pacata e suave, pode ser combinada, com mais facilidade do que em geral se pensa, com alguma forma aparente de liberdade, e que poderia mesmo estabelecer-se. O que de Tocqueville não considerou foi por quanto tempo tal governo permaneceria nas mãos de déspotas benevolentes, quando seria tão mais fácil para qualquer grupo de rufiões conservar-se indefinidamente no poder, desprezando todo o decoro tradicional da vida política.

                As lições deixadas por Hayek, F. A., que orientou a política de Margaret Tatcher, e levantou e incentivou a economia inglesa, mostra o quanto estamos fora de rota no Brasil.

Armando Soares – economista


Armando Soares é articulista de LIBERTATUM.

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