Uma das objeções mais comuns aos mercados livres é que eles ignoram considerações éticas. Seus críticos afirmam que há muitas coisas que nós “devíamos” fazer que, acreditam eles, melhorariam a vida das pessoas. Devíamos “redistribuir” renda para os pobres, dizem. Devíamos fazer do acesso à medicina um direito. Devíamos consertar a economia ajudando a indústria financeira.
O problema com todos esses “devia” é que em algum momento eles esbarram no princípio de que “dever implica poder”. Pode o fim desejado (melhorar a vida dos pobres, por exemplo) ser obtido pelos meios escolhidos (a “redistribuição” de renda)? Se não, qual o verdadeiro significado de “devia”? O “dever” sem “poder” — proclamações éticas desprovidas de considerações econômicas — tem grande chance de levar a políticas públicas desastrosas.
Ao explorar a relação entre economia e ética, podemos iniciar com duas definições que parecem relevantes aqui. Certa vez, o economista David Prychikto definiu a economia como “a arte de colocar parâmetros em utopias”. E, numa definição particularmente perspicaz, F. A. Hayek, ganhador do prêmio Nobel, escreveu que “a curiosa tarefa da economia é demonstrar aos homens o quão pouco eles realmente sabem a respeito daquilo que eles imaginam ser capazes de projetar”. O que as duas definições sugerem é que a economia trata do reino do possível e, assim, demarca os limites do que seria imaginável. Antes de dizer que “devemos” fazer algo, talvez devêssemos ter certeza de que podemos fazê-lo, no sentido de que a ação provavelmente terá os efeitos desejados. Dito de outro modo: dever implica poder.
Os eticistas podem conceber toda espécie de esquemas para remediar os males que percebem na sociedade, mas nenhum dos aspirantes a benfeitores podem ignorar a análise econômica. Ser capaz de sonhar com algo não garante que esse algo seja possível. Com demasiada freqüência as proclamações éticas têm um ar de hybris, pois o proclamador simplesmente presume que podemos fazer o que ele diz que devíamos fazer. Em contraste, a economia exige humildade. Sempre precisamos perguntar se é humanamente possível fazer o que os eticistas dizem que devíamos fazer. Dizer que devíamos fazer algo que não temos como fazer, no sentido de que o resultado desejado não será obtido, é um exercício inútil. Se não podemos fazer algo, dizer que devíamos fazê-lo é exigir o impossível.
Assim, ao contrário da reclamação que se ouve com freqüência, não é que os economistas ignorem questões éticas. Antes, tentamos descrever os resultados prováveis de colocar certas regras éticas em prática. Por exemplo, alguém pode afirmar que um salário mínimo é um imperativo ético, mas isso não muda a análise econômica das leis do salário mínimo. Esas leis causam desemprego e/ou levam a reduções de formas de compensação não-monetária para todos os trabalhadores desqualificados, mas sobretudo para os jovens, homens e não brancos. Não importa o quanto achemos que devíamos aprovar essas leis para que ajudem os pobres, permanece a realidade de que a economia demonstra que não podemos ajudá-los desse jeito. Aqueles que afirmam que devíamos ter uma lei assim podem aprová-la se quiserem, mas deveriam fazê-lo bem atentos ao fato de que ela não vai produzir o resultado que desejam, por mais que achem que devíamos aprová-la.
Talvez seja mais exato dizer que os eticistas ignoram a economia do que dizer que os economistas ignoram a ética. Na medida em que a boa economia mostra o que podemos e não podemos fazer com políticas sociais, ela se relaciona com a ética. Afinal, se a razão de dizer que devíamos fazer X é que achamos que obteríamos algum grupo de objetivos moralmente desejáveis, então saber se fazer X ou não vai realmente obter esse objetivo é, ou ao menos deveria ser, uma das partes principais da investigação moral. Uma das tarefas que os economistas deveriam estabelecer para si é participar desse tipo de diálogo com filósofos morais e outros que argumentam partindo do “dever”. Ethics as a Social Science [“A ética como ciência social”], livro recente do economista Leland Yeager, é um bom exemplo de como a economia podem informar as questões éticas.
Estudando o “dever”, ignorando o “poder”
A questão mais interessante é o grau em os filósofos morais se envolvem com a economia à medida em que desenvolvem suas teorias. Pode ser verdade que os cursos de introdução à economia não considerem questões morais tanto quanto poderiam, mas parece ao menos tão verdadeiro dizer que os cursos de ética e estudos religiosos igualmente não confrontam argumentos ou dados econômicos relacionados a seus assuntos. Explorar o “dever” sem tocar no “poder” não vai ajudar muito na hora de planejar políticas que produzam os resultados desejados. Uma exceção a essa negligência econômica é Is the Welfare State Justified? [“Justifica-se o Estado de bem-estar social?”], de Daniel Shapiro. Nesse livro, ele oferece diversos dados empíricos e muita teoria econômica ao tratar da questão de se o estado de bem-estar social pode fazer o que seus defensores dizem que pode. Do lado da filosofia, esse é o tipo de trabalho que é preciso fazer.
Poder não implica dever
Uma vez que percebamos o insight por trás de dever implica poder, podemos observar que o inverso também é verdade. Assim como não podemos fazer tudo que as pessoas dizem que devíamos, também não devíamos fazer tudo o que podemos. Vemos isso nos freqüentes clamores para que os atores políticos “façam algo” diante de uma crise. Há muitas coisas que os políticos podem realmente fazer uma crise, e fazê-las costuma ser bem fácil, especialmente se os políticos conseguem gerar um clima de medo para ajudar o “devíamos” a parecer mais urgente. Mas o fato de que eles podem fazer algo nem sempre significa que eles deviam. Mesmo que seja verdade que “sim, nós podemos”, entender as conseqüências invisíveis e impremeditadas daquilo que os políticos podem fazer nos ajudaria a decidir se eles deviam.
Ambas as maneiras de enxergar “dever implica poder” colocam os economistas na posição de jogar água fria nos planos e projetos dos engenheiros sociais de esquerda e direita. É isso que Prychikto e Hayek querem dizer. Por isso é que freqüentemente se enxerga os economistas como gente que só derruba as idéias alheias sem apresentar suas próprias soluções. Há alguma verdade nessa afirmação. É assim que os economistas passam boa parte do seu tempo. Mas essa função é importante: mostrar por que uma solução proposta só pioraria as coisas é uma contribuição valiosa para o processo mais amplo de resolução do problema.
No entanto, o mais relevante é que a economia nos ensina que as soluções se encontram com muito mais frequência nas ações dos indivíduos e das organizações que enfrentam as situações de modo empreendedor. A noção de uma solução de cima para baixo para qualquer problema social atrai a atenção crítica do economista. Em termos de “dever implica poder”, os economistas muitas vezes relutam em dizer o que todos deveriam fazer porque nenhuma pessoa ou grupo sabe o que as pessoas podem fazer. Se poder implica dever, e “poder” equivale a pessoas específicas em contextos específicos desenvolvendo soluções para seus problemas, então é difícil dizer o que todos deviam fazer, especialmente numa crise. É assim que as definições de Prychikto e de Hayek se concretizam no mundo real.
Todos os temas acima têm estado em evidência na atual crise econômica. O bailout do setor financeiro é um exemplo clássico de deixar o “dever” obscurecer o “poder” e de presumir que devíamos fazer aparentemente tudo que pode ser feito. A promessa original do bailout era de que o governo compraria os ativos podres das instituições financeiras encrencadas e depois revender os ativos, tornando o custo real bastante inferior a US$ 700 bilhões. Muitos críticos, entre os quais muitos economistas, sugeriram não apenas que esse plano era contraproducente — porque apenas aumentava a probabilidade de que outras empresas assumiriam riscos imprudentes no futuro — mas também que a disponibilidade desses fundos levaria a demandas de que o governo os usasse de outras maneiras igualmente improdutivas. Isso é mais ou menos o que aconteceu, com a expansão do bailout à propriedade parcial de bancos pelo governo e às demandas das montadoras e seguradoras por uma fatia do bolo. O plano mudou novamente quando o governo anunciou que não compraria os ativos problemáticos, mas injetaria diretamente dinheiro nos bancos e em outras empresas. Logo todos os “deveres” colidiam com os limites daquilo que se pode fazer por meio da intervenção governamental. Enquanto isso, a máquina do governo fez muitas coisas que pode fazer — tomar dinheiro emprestado e criá-lo, por exemplo — sem que os planejadores pensassem muito se deviam fazer alguma dessas coisas.
Os cientistas sociais que ignoram questões éticas abandonam um de seus papéis centrais na melhoria da condição humana, e os eticistas que ignoram a ciência social na formulação de suas prescrições morais são irresponsáveis, pois não se perguntam se suas soluções vão obter os resultados declarados. Apenas quando os dois grupos perceberem que dever implica poder teremos políticas públicas baseadas em uma compreensão precisa da interação humana.
O problema com todos esses “devia” é que em algum momento eles esbarram no princípio de que “dever implica poder”. Pode o fim desejado (melhorar a vida dos pobres, por exemplo) ser obtido pelos meios escolhidos (a “redistribuição” de renda)? Se não, qual o verdadeiro significado de “devia”? O “dever” sem “poder” — proclamações éticas desprovidas de considerações econômicas — tem grande chance de levar a políticas públicas desastrosas.
Ao explorar a relação entre economia e ética, podemos iniciar com duas definições que parecem relevantes aqui. Certa vez, o economista David Prychikto definiu a economia como “a arte de colocar parâmetros em utopias”. E, numa definição particularmente perspicaz, F. A. Hayek, ganhador do prêmio Nobel, escreveu que “a curiosa tarefa da economia é demonstrar aos homens o quão pouco eles realmente sabem a respeito daquilo que eles imaginam ser capazes de projetar”. O que as duas definições sugerem é que a economia trata do reino do possível e, assim, demarca os limites do que seria imaginável. Antes de dizer que “devemos” fazer algo, talvez devêssemos ter certeza de que podemos fazê-lo, no sentido de que a ação provavelmente terá os efeitos desejados. Dito de outro modo: dever implica poder.
Os eticistas podem conceber toda espécie de esquemas para remediar os males que percebem na sociedade, mas nenhum dos aspirantes a benfeitores podem ignorar a análise econômica. Ser capaz de sonhar com algo não garante que esse algo seja possível. Com demasiada freqüência as proclamações éticas têm um ar de hybris, pois o proclamador simplesmente presume que podemos fazer o que ele diz que devíamos fazer. Em contraste, a economia exige humildade. Sempre precisamos perguntar se é humanamente possível fazer o que os eticistas dizem que devíamos fazer. Dizer que devíamos fazer algo que não temos como fazer, no sentido de que o resultado desejado não será obtido, é um exercício inútil. Se não podemos fazer algo, dizer que devíamos fazê-lo é exigir o impossível.
Assim, ao contrário da reclamação que se ouve com freqüência, não é que os economistas ignorem questões éticas. Antes, tentamos descrever os resultados prováveis de colocar certas regras éticas em prática. Por exemplo, alguém pode afirmar que um salário mínimo é um imperativo ético, mas isso não muda a análise econômica das leis do salário mínimo. Esas leis causam desemprego e/ou levam a reduções de formas de compensação não-monetária para todos os trabalhadores desqualificados, mas sobretudo para os jovens, homens e não brancos. Não importa o quanto achemos que devíamos aprovar essas leis para que ajudem os pobres, permanece a realidade de que a economia demonstra que não podemos ajudá-los desse jeito. Aqueles que afirmam que devíamos ter uma lei assim podem aprová-la se quiserem, mas deveriam fazê-lo bem atentos ao fato de que ela não vai produzir o resultado que desejam, por mais que achem que devíamos aprová-la.
Talvez seja mais exato dizer que os eticistas ignoram a economia do que dizer que os economistas ignoram a ética. Na medida em que a boa economia mostra o que podemos e não podemos fazer com políticas sociais, ela se relaciona com a ética. Afinal, se a razão de dizer que devíamos fazer X é que achamos que obteríamos algum grupo de objetivos moralmente desejáveis, então saber se fazer X ou não vai realmente obter esse objetivo é, ou ao menos deveria ser, uma das partes principais da investigação moral. Uma das tarefas que os economistas deveriam estabelecer para si é participar desse tipo de diálogo com filósofos morais e outros que argumentam partindo do “dever”. Ethics as a Social Science [“A ética como ciência social”], livro recente do economista Leland Yeager, é um bom exemplo de como a economia podem informar as questões éticas.
Estudando o “dever”, ignorando o “poder”
A questão mais interessante é o grau em os filósofos morais se envolvem com a economia à medida em que desenvolvem suas teorias. Pode ser verdade que os cursos de introdução à economia não considerem questões morais tanto quanto poderiam, mas parece ao menos tão verdadeiro dizer que os cursos de ética e estudos religiosos igualmente não confrontam argumentos ou dados econômicos relacionados a seus assuntos. Explorar o “dever” sem tocar no “poder” não vai ajudar muito na hora de planejar políticas que produzam os resultados desejados. Uma exceção a essa negligência econômica é Is the Welfare State Justified? [“Justifica-se o Estado de bem-estar social?”], de Daniel Shapiro. Nesse livro, ele oferece diversos dados empíricos e muita teoria econômica ao tratar da questão de se o estado de bem-estar social pode fazer o que seus defensores dizem que pode. Do lado da filosofia, esse é o tipo de trabalho que é preciso fazer.
Poder não implica dever
Uma vez que percebamos o insight por trás de dever implica poder, podemos observar que o inverso também é verdade. Assim como não podemos fazer tudo que as pessoas dizem que devíamos, também não devíamos fazer tudo o que podemos. Vemos isso nos freqüentes clamores para que os atores políticos “façam algo” diante de uma crise. Há muitas coisas que os políticos podem realmente fazer uma crise, e fazê-las costuma ser bem fácil, especialmente se os políticos conseguem gerar um clima de medo para ajudar o “devíamos” a parecer mais urgente. Mas o fato de que eles podem fazer algo nem sempre significa que eles deviam. Mesmo que seja verdade que “sim, nós podemos”, entender as conseqüências invisíveis e impremeditadas daquilo que os políticos podem fazer nos ajudaria a decidir se eles deviam.
Ambas as maneiras de enxergar “dever implica poder” colocam os economistas na posição de jogar água fria nos planos e projetos dos engenheiros sociais de esquerda e direita. É isso que Prychikto e Hayek querem dizer. Por isso é que freqüentemente se enxerga os economistas como gente que só derruba as idéias alheias sem apresentar suas próprias soluções. Há alguma verdade nessa afirmação. É assim que os economistas passam boa parte do seu tempo. Mas essa função é importante: mostrar por que uma solução proposta só pioraria as coisas é uma contribuição valiosa para o processo mais amplo de resolução do problema.
No entanto, o mais relevante é que a economia nos ensina que as soluções se encontram com muito mais frequência nas ações dos indivíduos e das organizações que enfrentam as situações de modo empreendedor. A noção de uma solução de cima para baixo para qualquer problema social atrai a atenção crítica do economista. Em termos de “dever implica poder”, os economistas muitas vezes relutam em dizer o que todos deveriam fazer porque nenhuma pessoa ou grupo sabe o que as pessoas podem fazer. Se poder implica dever, e “poder” equivale a pessoas específicas em contextos específicos desenvolvendo soluções para seus problemas, então é difícil dizer o que todos deviam fazer, especialmente numa crise. É assim que as definições de Prychikto e de Hayek se concretizam no mundo real.
Todos os temas acima têm estado em evidência na atual crise econômica. O bailout do setor financeiro é um exemplo clássico de deixar o “dever” obscurecer o “poder” e de presumir que devíamos fazer aparentemente tudo que pode ser feito. A promessa original do bailout era de que o governo compraria os ativos podres das instituições financeiras encrencadas e depois revender os ativos, tornando o custo real bastante inferior a US$ 700 bilhões. Muitos críticos, entre os quais muitos economistas, sugeriram não apenas que esse plano era contraproducente — porque apenas aumentava a probabilidade de que outras empresas assumiriam riscos imprudentes no futuro — mas também que a disponibilidade desses fundos levaria a demandas de que o governo os usasse de outras maneiras igualmente improdutivas. Isso é mais ou menos o que aconteceu, com a expansão do bailout à propriedade parcial de bancos pelo governo e às demandas das montadoras e seguradoras por uma fatia do bolo. O plano mudou novamente quando o governo anunciou que não compraria os ativos problemáticos, mas injetaria diretamente dinheiro nos bancos e em outras empresas. Logo todos os “deveres” colidiam com os limites daquilo que se pode fazer por meio da intervenção governamental. Enquanto isso, a máquina do governo fez muitas coisas que pode fazer — tomar dinheiro emprestado e criá-lo, por exemplo — sem que os planejadores pensassem muito se deviam fazer alguma dessas coisas.
Os cientistas sociais que ignoram questões éticas abandonam um de seus papéis centrais na melhoria da condição humana, e os eticistas que ignoram a ciência social na formulação de suas prescrições morais são irresponsáveis, pois não se perguntam se suas soluções vão obter os resultados declarados. Apenas quando os dois grupos perceberem que dever implica poder teremos políticas públicas baseadas em uma compreensão precisa da interação humana.
Matéria originalmente publicada no website do Instituto Ordem Livre.
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