Quem disse que a Era Vargas já acabou?
MARIO GUERREIRO*
Tenho constantemente feito acerbas críticas aos artiguetes publicados pelo jornaleco da ADUFRJ [Associação dos Do(c)entes da UFRJ] quase sempre inspirados por um esquerdismo de botequim. Mas eis que finalmente deparo-me com um artigo do professor Marcelo Badaró [Dept. de História da UFF] intitulado “Estrutura sindical brasileira continua baseada no modelo fascista” que mais parece um estranho no ninho, uma vez que diz algumas coisas extremamente sensatas sobre um entulho autoritário da Era Vargas – a era que já era, porém ainda não acabou – embora eu não possa dizer o mesmo das conclusões a que ele chega após sua crítica do modelo fascista.
De acordo com o referido professor, a principal especificidade da estrutura sindical brasileira é que ela é uma estrutura de sindicalismo oficial, ou seja: na linguagem dos cientistas políticos, trata-se de um corporativismo oficial, mas em um sentido diferente daquele geralmente emprestado a “corporativismo” que é o de “defesa dos interesses de um determinado grupo contra os interesses da maioria da sociedade”.
À primeira vista, tudo indica que Badaró está equivocado neste particular, pois o que está em jogo é realmente o sentido usual de “corporativismo”, uma vez que o sindicalismo brasileiro atende tão-somente ao interesse dos pelegos – e obviamente daqueles que os têm mantido – em detrimento do dos trabalhadores e dos da sociedade em geral. Apesar disto, vejamos o que Badaró tem a nos dizer…
Ele chama a atenção para o fato que a atual estrutura sindical se formou a partir de uma peculiar conjuntura: o Estado Novo de Vargas, e não por mera coincidência já nasceu marcada por fortes traços autoritários como, por exemplo, a presença do Estado como o regulador das desavenças entre o capital e o trabalho. Criado na década de 30, como cópia servil da Carta del Lavoro de Benito Mussolini, o modelo sindical permanece o mesmo, inatingível pelas mudanças sociais ocorridas nos últimos 70 anos. Parece até o PRI (Partido Revolucionário Institucional) mexicano – uma contradição em termos! – que durante 70 anos não tinha perdido nenhuma eleição, até a recente eleição de Vicente Fox pertencente a outro partido.
Segundo Badaró, “os militantes das lutas sociais já naquela época denunciavam a regulamentação sindical do governo Vargas como uma cópia da Carta del Lavoro do governo Mussolini”. [Jornal da AUFRJ, 3/11/2008]. Só não entendo por que faziam tal coisa, uma vez que a referida Carta foi a matriz dos atuais sindicatos como a CUT-PT – único sindicato-partido do mundo! – tão apreciados pelos movimentos sociais hodiernos, inclusive a ANDES (Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior) impenitentes ou arrependidos eleitores do PT-CUT e de Lulinha Paz e Amor, que não deveria ser eleito nem para Presidente do Corinthians ou síndico de edifício.
Badaró prossegue dizendo que, com a derrota do nazifascismo e após a Segunda Guerra, os modelos sindicais de corporativismo estatal foram dissolvidos na Europa, tanto na ditadura pró-fascista de Salazar em Portugal como na de Franco na Espanha. Porém, com o fim da ditadura Vargas no Brasil, em 1945, tudo ficou como dantes no quartel de Abrantes. A Constituição de 46 e a Constituição de 88, a Popozuda, não modificaram absolutamente nada no modelo sindicalista da Era Vargas. Êta país retrógrado e atrasado! Millôr Fernandes tem toda a razão: “Quando uma ideologia fica bem velhinha, carcomida e andando de bengala, faz as malas e vem para o Brasil”.
Criada também durante o Estado Novo de Vargas, a Justiça do Trabalho – coisa que só existe em Terra Brasilis! – “vai fazer valer o conceito de que o Estado era o árbitro dos interesses entre capital e trabalho, seja em conflitos individuais (entre um empregado e seu empregador, seja em conflitos coletivos (entre sindicatos que representam os trabalhadores e sindicatos que representam os patrões)”.
Segundo pensamos, tanto o Ministério do Trabalho como a Justiça do Trabalho são gorduras do Estado-Dinossauro, coisas perfeitamente dispensáveis. Litígios trabalhistas poderiam ser resolvidos pelas Justiças estaduais ou mesmo por juizados arbitrais, como o são no resto do mundo. Pensando bem: por que razão é preciso o Estado atuar como mediador em pendengas que não lhe dizem respeito? Será que empregadores e empregados carecem de entendimento e responsabilidade e têm de ser tutelados por uma instância estatal como se crianças ou débeis mentais fossem? Ah! aqui quem fala em defesa da Justiça do Trabalho é o velho e carcomido paternalismo sempre disposto a “proteger” os trabalhadores da “sanha do vil capitalista que os explora impiedosamente”. E é por isso que, na Justiça do Trabalho, o patrão nunca tem razão.
Apesar da Carta del Lavoro, isso não tem cheiro do fascismo de Mussolini e sim do marxismo de Karl Marx. Aliás, uma coisa difícil de compreender é como nossos intelectuais de esquerda, militantes e “companheiros de viagem” – ou seja: idiotas úteis – todos defendem ardorosamente coisas geradas – direta ou indiretamente – pelo fascismo, coisas tais como a Carta del Lavoro, sua cópia servil, as leis trabalhistas, a Justiça do Trabalho, Ministério do Trabalho, etc. Falta de coerência das idéias, ecletismo oportunista ou crassa ignorância? Quartum non datur.
Prosseguindo, Badaró aponta uma verdadeira excrescência jurídica de mentes governadas pela tentação totalitária: “Entre suas características, o sindicalismo de Estado tem o conceito de unicidade sindical pelo qual só pode existir um sindicato por categoria profissional em cada região. A esta idéia está acoplada a idéia de monopólio da representação”. Não é de surpreender tal coisa no país dos grandes monopólios estatais como o da Petrobras, Correios e Telégrafos, etc. E apesar da Constituição nos garantir o direito de livre associação, ninguém até hoje que eu saiba arguiu a constitucionalidade do sindicato único. Deve ser porque 99% dos brasileiros só pensam por associação livre de idéias ou então por escusos interesses: “Farinha pouca, meu pirão primeiro”. “Mateus, primeiro os teus”.
Pior do que isso somente o imposto sindical estendendo-se até aos trabalhadores não-sindicalizados. E isto unicamente para encher as barrigas dos líderes sindicais, verdadeiros pelegos que infestam este pobre país pobre desde Vargas até Lulla. E esta é uma das razões pelas quais insistimos em asseverar que a Era Vargas não acabou, uma vez que ainda persistem suas mais nefastas características: peleguismo, clientelismo, empreguismo, analfabetismo (total e funcional), culto da personalidade do líder carismático, autoritarismo, culto do Estado provedor, nacionalismo tupiniquim, protecionismo, deslavada corrupção, etc. É mesmo difícil apontar quais dessas coisas já não estavam presentes no Governo Geral de Tomé de Souza…
Como se sabe, o excesso de regulamentação desnecessária, assim como a carência de regulamentação necessária, são um dos mais poderosos entraves para a atividade empresarial no Brasil. Badaró mostra muito bem que também são não menos poderosos entraves para a atividade sindical:
“E o Estado também define como o sindicato deve funcionar, por um ‘estatuto-padrão’, pois todos os sindicatos devem seguir as mesmas regras: mesmo número de diretores, mesmo número de assembleias anuais, entre outros dispositivos: e ainda se garante ao Estado um poder de intervenção, se o Ministério do Trabalho achar que as regras não estejam sendo cumpridas, pode retirar diretorias eleitas e colocar interventores nos sindicatos”. Coisa que não é de causar espécie, uma vez que no Estado Novo de Vargas não havia governadores, mas sim interventores nomeados e exonerados pelo próprio Vargas, que devia ter uma grande admiração por Il Duce, Mussolini: “O Estado é tudo e nada há fora do Estado”.
Badaró defende uma idéia liberal quando afirma: “Pelo conceito de pluralismo sindical, podem existir tantos sindicatos numa empresa quanto os trabalhadores deliberem criar”, mas logo após defende outra tipicamente sindicalista: “Esse modelo também pode levar à fragmentação, se não houver a denominada “unidade sindical” dentro dessa liberdade”. Ora, da idéia de unidade à de unicidade, basta um passo. E ele foi dado quando da criação da CUT, que pretendeu de saída ser uma Central Única dos Trabalhadores, enquanto o PT fingia e finge ser a favor da pluralidade de partidos políticos por uma questão de estratégia gramsciana de hegemonia.
E para que não se pense que eu estou inspirado no wishful thinking do conspiracionismo, Badaró põe suas manguinhas de fora: “Na maior parte da Europa onde esse conceito [a saber: o de unidade sindical] ganhou força no pós-fascismo, o que se viu surgir foram centrais sindicais nacionais ou sindicatos nacionais organizados a partir de referências político-partidárias”. Ora, um sindicato só tem sua razão de ser como uma instituição voltada para os interesses de uma categoria profissional, ao passo que um partido político não deve se restringir a esse particularismo. Sindicato e partido político têm, portanto, finalidades incompatíveis. Lenin também pensava assim, embora por razões bastante diferentes das minhas. Para ele, os sindicatos não deviam estar defendendo os interesses de suas particulares categorias profissionais, mas sim o interesse único do proletariado em derrubar a ordem vigente e ser inteiramente subserviente ao novo “Czar”de todas as rússias: o Politburo do PCUS.
Mas Badaró completa seu pensamento dizendo: “Embora tivesse a indiscutível vantagem da liberdade de organização sindical, [o pluralismo sindical] mostrou-se um modelo frágil na medida em que seus sindicatos tenderam para a conformação com a ordem vigente”. O que queria ele? Centrais sindicais devidamente preparadas para mudar a ordem vigente por meio da revolução do proletariado ou tomar o poder por meio da greve contínua propugnada por George Sorel? Houve época em que o PT-CUT dedicou-se tanto ao grevismo que cheguei a pensar que era a idéia deste último que estava comandando sua estratégia anarco-sindicalista, mas hoje percebo que estava enganado, pois bastou Lulla ser eleito para o grevismo cessar. Era apenas uma tática para desestabilizar os governos de outros partidos.
Afirma Badaró que os movimentos dos trabalhadores sempre foram favoráveis às reformas sindicais. Suas principais reivindicações foram e são: (1) fim do controle do Estado sobre os sindicatos, (2) fim da unicidade, (3) fim do poder normativo da Justiça do Trabalho, (4) fim do imposto sindical e (5) a possibilidade de se organizarem em centrais sindicais.
Quanto a (1), estou disposto a concordar, desde que os sindicatos não façam nada contrário ao estabelecido pela lei, como também isto se estende a quaisquer outras pessoas jurídicas. Podem fazer greves de caráter estritamente reivindicatório, não greves de caráter político. Podem persuadir seus filiados a entrar em greve, mas não gozam do direito de impedir – mediante qualquer forma de coação – aqueles que não desejem aderir à greve e queiram trabalhar. Greve é um direito do trabalhador, mas piquete é e deve mesmo ser uma infração da lei, pois é um desrespeito ao direito de livre associação.
Quanto a (2) Sou inteiramente favorável, por entender que há um direito constitucional de livre associação estendendo-se a quaisquer indivíduos que venham a se associar com vistas a qualquer fim, desde que este mesmo fim não produza danos materiais e/ou morais para os demais indivíduos, como, por exemplo, a formação de uma quadrilha. Isto significa dizer que sou a favor de um irrestrito pluralismo sindical, desde que os sindicatos formados não recebam um só centavo do governo.
Quanto a (3), vou ainda mais longe: sou a favor da extinção da Justiça do Trabalho e do Ministério do Trabalho, entulhos autoritários do Estado Novo e da mentalidade fascista. Pendengas na relação capital/ trabalho devem ser resolvidas pelas partes litigantes que, caso concordem, podem escolher, de comum acordo, um árbitro de um juizado arbitral.
Quanto à (4) sou contra o imposto sindical. Um sindicato deve se manter com contribuições voluntárias de seus associados, do mesmo modo que um clube ou uma igreja. Acredito mesmo que a maioria dos trabalhadores deseja o fim desse imposto absurdo, que lhes retira uma quantia equivalente a um dia de trabalho. Todavia, quem não quer tal coisa são justamente os nababescos pelegos e suas cortes de parasitas, isto para não falar nos políticos sem os quais o peleguismo não teria sido inventado como massa de manobra dos trabalhadores.
Quanto a (5), as centrais sindicais como a Central “Única” dos Trabalhadores (CUT) durante muito tempo permaneceram na ilegalidade – uma associação que não é reconhecida como pessoa jurídica é uma entidade à margem da lei – como o MST até hoje permanece. Com a diferença de que a CUT sempre desejou se tornar uma pessoa jurídica, ao passo que o MST nunca desejou, por motivos escusos que não cabe enumerar aqui. Porém, recentemente, a CUT conseguiu ser legalmente reconhecida, o que significa um grande passo para o fim do pluralismo sindical e a preparação de um monopólio sindical nesta terra dos grandes monopólios estatais e privados.
Ora, já temos um antro de corrupção que é o SUS (Sistema Único de Saúde), criado pela mentalidade centralizadora. Por que não um único sindicatão, como sempre foi a aspiração do Sindicato Único dos Trabalhadores? Caso isto venha a ocorrer, teremos um Quarto Poder, para o desalento de Montesquieu – um Poder com o qual o Presidente da República terá que negociar muito sob constante ameaça de greve geral comandada pelos novos pelegos.
É por estas e outras que insistimos em dizer: a Era Vargas não acabou. Não por mero acaso Lulla certa vez disse que gostaria que seu governo fosse lembrado como o governo Vargas…
* Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Membro Fundador da Sociedade de Economia Personalista. Membro do Instituto Liberal do Rio de Janeiro e da Sociedade de Estudos Filosóficos e Interdisciplinares da UniverCidade.
Matéria originalmente publicada em 24.11. 08. no website do Instituto Liberal.
Edição de ilustração, LIBERTATUM
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