quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Uma Revolução Sem Sangue

Por  Alexandre Seixas

Uma revolução pode ser entendida com um ato de revolver o que estava sereno, ou seja, uma ação ou efeito de sublevação, este entendido como um movimento súbito e generalizado, de caráter social e político, por meio do qual uma grande parte do povo procura conquistar, pela força, o governo do país, a fim de dar-lhe outra direção.
Assim tem-se que uma revolução é a mudança violenta nas instituições políticas de uma nação. Nos ensinamentos de Norberto Bobbio, revolução é a tentativa, acompanhada do uso da violência, de derrubar as autoridades políticas existentes e de as substituir, a fim de efetuar profundas mudanças nas relações políticas, no ordenamento jurídico-constitucional e na esfera sócio-econômica. Ressalta ainda o saudoso mestre italiano que, revolução se distancia do fenômeno social denominado golpe de estado, porque este se configura apenas como uma tentativa de substituição das autoridades políticas existentes dentro do quadro institucional, sem nada ou quase nada mudar dos mecanismos políticos e sócio-econômicos.

Buscar as origens do fenômeno revolução significa navegar em um oceano amplo, incerto e confuso. Seria como alimentar a quimera de desvendar a origem do universo. Porém, por ser o Homem um animal pensante, foi possível, nas palavras de Hobbes, desenvolver a mais nobre e útil de todas as invenções humanas: a linguagem. Esta consiste em nomes e em suas conexões, pelas quais os Homens registram seus pensamentos, os recordam depois de passarem, e também os usam entre si para a utilidade e conversa recíprocas, sem o que não haveria entre os homens nem Estado, nem sociedade, nem contrato, nem paz, tal como não existem entre os leões, os ursos e os lobos.

Desse modo, através de experiências pretéritas é possível, lupanariamente, encontrar algumas explicações para o fenômeno revolução.

Aristóteles põe a origem do espírito revolucionário de Homem no desejo de buscar a igualdade entre seus semelhantes. Mais tarde, no século 19, dois outros pensadores também se aventuram na persecução de entender o fenômeno revolução. Aléxis de Tocqueville e Karl Marx se norteiam, essencialmente, pelas causas estruturais e não psicológicas como Aristóteles. Em comum, Tocqueville e Marx, destacam as respostas ofertadas pelos responsáveis pela administração do Sistema às prementes necessidades da sociedade. A inexistência de contrapartida estatal para aquelas necessidades, funcionaria como razão mor para a insurreição popular. A distinguir, Tocqueville afirma que uma revolução está vinculada ao refreamento da opressão do Estado e uma sutil melhora nas condições de vida, porém sem atingir o âmago das reivindicações da sociedade.

Por outro lado, Marx centra seu pensar a revolução baseado no aumento do empobrecimento da classe operária, ressaltando que nem o temor pela própria vida, poderia ser suficiente para evitar a revolução dos trabalhadores.

O professor James C. Davies, do Departamento de Sociologia da Universidade Central da Carolina do Norte (EUA), buscando conciliar as teorias de Tocqueville e Marx, afirma que “o momento em que é mais provável que se verifique uma revolução é quando, a um longo período de crescente prosperidade e melhorias sociais, se segue uma repentina recessão”. Continua o professor Davies: “Espalha-se então o medo de que todas as vantagens adquiridas se percam de um lance. Assim, o fator crucial está no temor vago ou específico de que o terreno conquistado num longo período de tempo se venha a perder rapidamente”. Vê-se dessa maneira que a idéia de revolução está intimamente ligada a uma radical mudança da ordem institucional e constitucional de um Estado, variando apenas as justificativas teóricas para ocorrência de referido evento. Ademais a revolução guarda um si um conceito inapelável de violência. O próprio Bobbio afirma que uma revolução se faz acompanhar de uma ação violenta.

Entretanto, contradizendo a conceituação do que é uma revolução, pode-se afirmar que é possível realizar uma insurreição popular assentada em diretrizes diametralmente opostas do clássico conceito descrito, ou seja, um ato revolucionário desacompanhado da violência. E o Brasil é o maior exemplo. Nesse ponto, peço um pouco de paciência ao meu estimado leitor, pois logo chegaremos ao cerne da questão. Se revolução pode ser interpretada como mudança e esta se materializa mediante o emprego de ações violentas (vide as Revoluções Russa e Cubana), uma ação revolucionária de transformação político-social sem o emprego da mordacidade, conduz a conclusão de que devem existir outros “meios revolucionários”. E existem. Aqui passamos a tratar daquele que é o maior responsável pela revolução sem violência: Antonio Gramsci.

Gramsci nasceu na cidade italiana de Ales, na Sardenha em 1891 e faleceu em abril de 1937. Pode ser considerado a maior expressão do marxismo italiano. Foi fundador e dirigente do Partido Comunista Italiano, do qual teve participação ativa durante toda sua vida. Suas obras, fundamentalmente, tratam da história dos intelectuais e da cultura da Itália. Gramsci foi um fiel discípulo do marxismo-leninista, sem, entretanto, aderir a sua concepção do uso da violência como forma de tomada do poder. Inegavelmente, o comunista italiano trouxe novas formas de pensar o Estado e os meios de dominá-lo sem o uso da força.

O Manifesto do Partido Comunista, escrito em 1848, traçou os alicerces do marxismo. Escrito a quatro mãos, o Manifesto de Marx e Engels fazia algumas reflexões acerca do inevitável embate entre burguesia e proletariado. Afirma em um primeiro momento que, a história da humanidade foi a história da luta de classes. Sem esquecer o papel revolucionário da própria burguesia na derrocada do estado absolutista, a obra de Marx aponta que a própria burguesia havia criado uma força social que seria a responsável pelo seu desaparecimento: a classe proletária. O Manifesto declara que “o sistema burguês tornou-se demasiado estreito para conter as riquezas criadas em seu seio". E o mais importante, ele criou também a força social que há de destruí-lo, a classe dos trabalhadores assalariados modernos, o proletariado. "A burguesia - diz o Manifesto - produz, antes de mais nada, os seus próprios coveiros. Sua queda e o triunfo do proletariado são igualmente inevitáveis”. Porém, a despeito de toda a crença marxista no aniquilamento da classe burguesa e a vitória final do proletariado, as visões de Marx não se confirmaram. Somente na Rússia czarista, em 1917, as proféticas palavras de Marx tiveram materialização. A Revolução Russa, de fato, pôs em prática as teóricas observações do Manifesto, inclusive com o fuzilamento do Czar Nicolau II, sua esposa e filhos. Nos anos que se seguiram, as “profecias” marxistas causaram a morte de pelo menos 100 milhões de seres humanos, nos diversos e sucessivos Estados com seus “governos proletários”. Em tempo de paz, observe-se.

Assim, diante dos sucessivos fracassos da luta armada (inclusive no Brasil), Gramsci lança uma nova concepção de tomada do poder: “a guerra de posição”; nesta “guerra” nem uma gota de sangue deveria ser derramada e ainda assim, o Estado sairia de mãos burguesas para proletárias. O grande objetivo da “guerra de posição”, sua primordial finalidade era conquistar a hegemonia cultural, ou seja, o pensamento gramscista prega, como fundamental, a dominação inicial da sociedade civil e não mais tentar, pela força, a obtenção do poder. Como ensina o Dr. Sérgio Augusto Coutinho, a proposta gramscista era, “em outras palavras, disputar com a classe dominante a hegemonia sobre a sociedade civil e conquistá-la como prelúdio da conquista da sociedade política (o Estado) e do poder”. Vê-se, pois, um claro afastamento do pensamento marxista-leninista de assalto ao Estado.

O importante, segundo a teoria gramsciana é dominar a sociedade, e, posteriormente, o Estado. E Gramsci explica como tornar factível sua teoria. A observação de toda violência envolvida nos fatos ocorridos na Revolução Russa de 1917 e a posterior necessidade da institucionalização do terror como meio de manter a nova ordem institucional faz Antonio Gramsci perceber que, ao contrário do que Marx pregava, a relação entre burguesia e proletariado, vale dizer, a relação entre o capital e trabalho não era a essência do poder no Estado.

Conforme lição do professor potiguar João Costa a visão do comunista italiano em pauta, afirma que “para alcançar o poder, de acordo com a concepção de Gramsci, é preciso primeiro alcançar a hegemonia, fazer das instituições sociais meros mecanismos de propagação partidária, destruir a sociedade desde seu íntimo num lento e mortal ataque a todas as formas de resistência”.

E o que vem a ser hegemonia na visão de Gramsci? Em sua obra Maquiavel, a Política e o Estado Moderno, Gramsci afirma que “por Estado deve se entender, além do aparelho governamental, também o aparelho privado de hegemonia ou sociedade civil”. Desse modo, segundo o conceito gramsciano é imperioso que o povo perceba na figura do Estado, seu único e verdadeiro educador.

Aquele que lhe mostrará as melhores oportunidades de se alcançar à felicidade. E como transformar a abstrata figura do Estado em fonte ou meio de propagação de cultura? Gramsci não nos deixa sem resposta.

A arma mais importante de dominação do Estado, logo da sociedade, não se encontra em nenhuma espécie de guerra convencional. Para a dominação de uma coletividade não existe exército suficientemente competente para subjugá-la, afinal neste caso, os dominados tem a quem resistir.

O Gueto de Varsóvia, para ficar apenas em um único, porém histórico exemplo, comprova que havendo um inimigo físico é possível combatê-lo. Porém, sendo invisível o inimigo, difícil, quiçá impossível, detê-lo. Essa é a idéia de Gramsci: dominar sem ser percebido. Ressalte-se que Gramsci não difunde a idéia de subordinar a sociedade sob uma ótica ideológica, ou seja, forçá-la a aceitar uma ideologia como porto seguro das suas angústias. Gramsci é muito mais sutil. E seria contraditório, dentro de seu pensamento, tentar impor uma verdade ideológica quando ele mesmo defende a teoria da hegemonia, dominar sem ser notado, muito pelo contrário, dominar o inconsciente consentimento da sociedade. Nesse ponto, caros leitores, observando o que é o gramscismo, sinto Maquiavel um jovem inocente.

Logo, para que o ideário gramscista pudesse se materializar necessário seria que partes do Estado fossem conquistadas. Quais partes? Vamos buscar juntos a resposta.

Gramsci é contrário ao uso da força, ou seja, é contrário ao elemento humano lutando pelo poder, pela razão de que o próprio Gramsci observou a quase impossibilidade de sucesso de tomar o poder pela violência ou o dispendioso custo humano para manter a “vitoriosa” revolução comunista. Assim, se fisicamente não há a adesão do pensar gramsciano, resta o emocional, o espiritual, o psicológico. Macabro, mas verdadeiro. Gramsci defende a idéia de que, apenas pela dominação psicológica do indivíduo, será possível a dominação da sociedade. Deste modo, a conquista da hegemonia ocorreria independentemente da vontade do dominado. Para tanto, argumenta o pensador comunista italiano, que os meios de comunicação se constituem na melhor arma de dominação. Vale dizer de dominação silenciosa, imperceptível.

Assim a mídia é o primeiro veículo de conquista da hegemonia. Fatos reiteradamente veiculados pelos meios de comunicação acabam se transformando em “verdades inquestionáveis”. Sendo fatos verídicos ou não, a mídia desempenha um papel fundamental e estratégico na visão de Gramsci. Há a aposta na credulidade humana para incutir toda e qualquer forma de “verdade”. A grande vantagem da mídia é que ela atinge a milhões de “inocentes úteis”, esses entendidos como meras caixas de ressonância dos fatos midiáticos, ou seja, repetem qualquer besteira sem ter a menor noção do que estão falando.

Gramsci fala em dominação do psicológico. Educação. Eis o segundo veículo de conquista da hegemonia. Nesse sentido, afirma o comunista italiano: “(...) a sociedade civil, formada precisamente pelo conjunto das organizações responsáveis pela elaboração e/ou difusão das ideologias, compreendendo o sistema escolar, as igrejas, os partidos políticos, os sindicatos, as organizações profissionais, a organização material da cultura (revistas, jornais, editoras, meios de comunicação de massa), etc”. Nada escapa ao pensamento gramsciano. Sequer a educação. Neste ponto gostaria de recomendar a leitura de uma carta assinada pelo Sr. Miguel Nagib e endereçada ao professor de seu filho. Ali será possível verificar a materialização do pensamento gramsciano na educação. Tem-se assim a mídia e a educação como dois pólos de difusão do ideário comunista. Sim, porque Gramsci jamais se afastou do pensamento marxista. A diferença entre Marx e Gramsci situa-se precisamente no meio de dominação do poder. Assim é tranqüilo afirmar que Gramsci respirava marxismo, vivia marxismo, idolatrava marxismo, naquilo que Marx acreditava como insolúvel: a ditadura do proletariado. Deste apenas se afastava no modo de tomar o poder.

Dominadas a mídia e a educação falta localizar uma nova fonte de difusão de informação marxista. Apresentam-se as editoras. Estas são, possivelmente, as responsáveis pela maior profusão de informações dentro de uma sociedade. É suficiente que um determinado autor assuma, em sua obra, uma posição ideológica, para esta ser disseminada no seio de uma sociedade. Afinal, “a informação sempre representou a grande parte da força no desprezível jogo imposto pelo dominador ao dominado. O conhecimento foi e é procurado avidamente por aqueles que detêm o controle sobre situações diversas, numa eterna tentativa de manter-se no poder. Um gatilho para a ação, que significa controlar o alcance da informação, fazendo com que o outro seja mais facilmente dirigido. Quanto menos argumentos tiver, mais nula será a possibilidade de reação. Isso evidencia o fato de que houve um planejamento estabelecendo quando, como e o quê deveria e poderia ser permitido à massa”.

Assim está formado o tripé da revolução gramsciana. Mídia, educação e editoras. Os três meios mais eficientes de se divulgar qualquer idéia. Infelizmente, no caso do Brasil, a idéia socializante, igualitária.

Neste ponto é possível reconhecer algumas das características da revolução silenciosa. Procure se opor às famosas cotas nas universidades! Questione a origem ou a capacidade do atual presidente do Brasil! Comente superficialmente sobre os 40 ministérios lulistas! Se ao acaso você for de origem alemã ou sueca, por exemplo, use uma camiseta com a inscrição 100% branco! Questione a capacidade intelectivo-emocional da Sra. Benedita da Silva! Reclame da comissão de mortos e desaparecidos políticos que paga R$100 mil para ex-guerrilheiros! Elabore qualquer argumento positivo sobre os EUA! Diga que a ALCA pode, até ser, interessante ao Brasil! Critique Fidel! Critique Che! Critique o presidente do Brasil e espere as conseqüências.

Eis a revolução gramsciana. Que ela venceu, ou pelo menos está vencendo em terras tupiniquins, não há dúvida. Se você, meu paciente leitor, ficou incomodado ou está incomodado, eis uma prova da vitória de Gramsci. Não, não sou o dono da verdade. E quero estar muito longe deste título (título que todo comunista corre avidamente atrás). Apenas ofereço uma módica alternativa para se repensar o Brasil.

Enquanto os problemas nacionais forem discutidos em um nível ratinheiro, nada mais tenho a declarar. Havendo interesse de uma séria discussão dos problemas brasileiros estejam certos de encontrar nesse articulista um inquebrantável defensor das individualidades como forma de incremento do Estado. E deixemos Gramsci e seus crédulos fiéis putrefarem.

O Prof. Alexandre M. Seixas é formado em Direito pela PUC de Campinas, tendo realizado o curso de Aperfeiçoamento em Ciências Sociais, e Mestrado em Ciência Política na Unicamp. Realizou ainda os cursos de inglês, na Surrey Heath Adult Education Center, em Camberley, Inglaterra. É professor universitário com vinculação em Teoria Geral do Estado e Ciência Política.

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