segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Depois que a casa cai, lá vem o Crea...

Por Klauber Cristofen Pires

Ainda na semana passada, o presidente do Crea/PA concedeu uma entrevista no programa Bom Dia Pará, exibido pela Tv Liberal, afiliada da Rede Globo, para comentar sobre o caso de uma casa cujas paredes estavam se inclinando, tendo obrigado os seus moradores a evacuarem-se da moradia, conforme a ação da defesa civil.

Segundo o próprio, o Crea/PA tem dificuldades para vistoriar todas as construções, alegadamente por falta de fiscais. Não me surpreendo com tal afirmativa, vez que é a desculpa-chave mais comum que se ouve falar da boca de um administrador público, mas o que me espanta é a passividade com que a população, e em especial, os jornalistas a aceitam sem um pingo de senso crítico. Reflitamos que vivemos em um estado que consome quarenta por cento de toda a produção nacional, só para cumprir as funções que atribui a si mesmo justamente a pretexto de cada vez arrecadar mais com tributos. Vamos mais longe: as receitas destas entidades, os conselhos de classe e as ordens profissionais, exclusivas para os fins a que se destinam, chegam a ser maiores do que muitos estados e municípios!

Eu gostaria de perguntar àquele distinto senhor bem como a todo gestor público que se vale do argumento da falta de fiscais para cumprir com a sua missão se a sua instituição pensou nisto no momento em editar regulamentações “a rodo”, não raro para seqüestrar atribuições para si com caráter monopolista.

A atividade pública que se realiza no Brasil, não obstante todas as regras que impõem, comumente são aplicadas não à população em geral, mas a um público seleto, não por coincidência os maiores cumpridores da lei. Assim, só por exemplo - as autoridades sanitárias não adentram nos bairros mais distantes - e reputados como perigosos - mas os jornais são pródigos em anunciar que os fiscais multaram o restaurante do shopping center por manter uma lixeira sem tampa.

Infelizmente, nem mesmo isto parece ter ocorrido com o CREA/PA. No dia de sábado, 29/01/2011, um edifício em construção com 32 andares já erguidos de um total de 35, veio ao chão em cerca de 15 segundos, sem que aparentemente nada de extraordinário tenha concorrido, a não ser o usual volume das chuvas que é mais do que natural em Belém. Por sorte ou pela ação da Divina Providência, os mortos incluem, salvo engano, apenas dois ou três operários e uma senhora que passava perto do local. Imaginem este prédio já incorporado, ou que tivesse desmoronado poucas horas antes, a colher as vidas de muitos mais funcionários?

O mesmo representante desta entidade esteve presente junto aos destroços para informar à tv que procederá a uma minuciosa perícia com a finalidade de levantar as causas do desastre, emulando assim a aparência de rigor com que esta gente sempre fala depois que - literalmente – a casa cai.

Será que por acaso um prédio certificado e acompanhado por uma entidade privada, nos moldes das sociedades classificadoras, não haveria de cair? Sim, isto é possível, porém há diferenças que temos de considerar:

Primeiramente, há de se falar em um patrimônio importantíssimo para qualquer instituição privada mas que é por via de regra geral solenemente desprezado por órgãos públicos: a reputação.

Com efeito, uma repartição pública ou autarquia independe do juízo que a população faça dela, mas dos tributos que arrecada por meio do seu poder de império. Mesmo nos casos dos escândalos, o máximo esperado é que o representante da hora seja exonerado para que as coisas permaneçam o tanto quanto possível exatamente do mesmo jeito como sempre estiveram. Aliás, não raro as grandes tragédias são a oportunidade para manipular o medo entre a população e assim emplacar mais uma norma limitadora dos direitos individuais ou que crie novas obrigações ou tributos para os cidadãos. Às vezes, estes projetos estão mesmo prontos, só à espera de um oportuno momento de comoção social.

Uma entidade certificadora privada, tal como o Lloyd Register, entretanto, tem um nome a zelar, já que as empresas que optam por submeter-se às suas normas e inspeções, bem como as que dependem das suas atividades – notadamente, as companhias de seguro - o fazem de modo voluntário. Suas receitas, portanto, dependem de sua eficiência.

Eis, portanto, outro diferencial: em um ambiente de livre concorrência, as investigações em torno de um sinistro são realmente levadas a sério, e não como promessas vazias para um público que dará de ombros antes que venha ao ar o programa Big Brother. Alguém terá de ser necessariamente responsabilizado. Isto porque as conseqüências perdurarão para os envolvidos e para todo o mercado interessado em sua solução. Ademais, nada impede que tais investigações possam ser contratadas por entidades certificadoras ou empresas concorrentes, de modo a afastar ainda mais o caráter corporativista tão presente nos conselhos de classe brasileiros.

Por falarmos em corporativismo, trago outra do sistema Confea/Crea: em estudo sobre competências para emissão de laudos de quantificação de cargas de granéis por arqueação, por meio da Decisão Plenária de nº 0569/2008, este órgão delibera por “orientar os Creas no sentido de que as atividades de arqueação de embarcações e plataformas flutuantes, realizadas pelo processo “DRAFT-SURVEY”, ou seja, com base na leitura de marcas de calado, para determinar o volume ou o peso das mercadorias embarcadas ou desembarcadas, bem como as atividades de arqueação de granéis sólidos e líquidos mediante pesagem ou medidas diretas pelo espaço cheio do tanque ou pela medição do espaço vazio, deverão ser realizadas por profissionais de qualquer das áreas fiscalizadas pelo Sistema Confea/Crea, habilitados e registrados no respectivo Crea, nos seus diferentes níveis de formação”, (sublinhagens nossas) a contrariar os dispositivos de sua própria Resolução nº 218/73, que atribui apenas aos profissionais dotados de nível superior pleno (i.e., engenheiros) a competência para a emissão de laudos, e ainda assim dentro de suas respectivas áreas de formação, o que exclui os tecnólogos e técnicos.

Em outras palavras, salvo engano, a entidade, ao menos em aparência, decidiu abrir as portas para todo e qualquer profissional nela registrado, de qualquer nível de formação (por exemplo, imagine um técnico de mineração...) que paga sua taxa em dia, sem abrir os olhos para os requisitos técnicos necessários.

Quantos motivos ainda hei de apresentar para demonstrar que estas instituições sanguessugas, estas que legislam, fiscalizam, multam e fecham estabelecimentos sem um pingo de representatividade política, sejam absolutamente extirpadas do nosso ordenamento jurídico e da estrutura administrativa do nosso país?

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