Por Ubiratan Iorio
A frase “está tudo como dantes no quartel d’Abrantes” remonta ao início do século
XIX, quando Napoleão invadiu a Península Ibérica e Portugal foi tomado pelas forças francesas.
Uma das primeiras cidades invadidas por Jean Androche Junot foi Abrantes, próxima a Lisboa,
em 1807. Lá, o general francês instalou seu quartel-general e se fez intitular duque d’Abrantes.
Como D. João VI e sua corte no Brasil, Portugal estava politicamente acéfalo, o que permitiu a
Junot se manter no poder sem resistências, gerando - a qualquer pergunta sobre como estavam as
coisas - a resposta irônica, que passou desde então a designar situações em que nada muda.
XIX, quando Napoleão invadiu a Península Ibérica e Portugal foi tomado pelas forças francesas.
Uma das primeiras cidades invadidas por Jean Androche Junot foi Abrantes, próxima a Lisboa,
em 1807. Lá, o general francês instalou seu quartel-general e se fez intitular duque d’Abrantes.
Como D. João VI e sua corte no Brasil, Portugal estava politicamente acéfalo, o que permitiu a
Junot se manter no poder sem resistências, gerando - a qualquer pergunta sobre como estavam as
coisas - a resposta irônica, que passou desde então a designar situações em que nada muda.
A verdade é que o Brasil vem se transformando visivelmente em um gigantesco
quartel de Abrantes, porém com uma diferença: a impressão que se tem é que, ao invés de tudo
estar como dantes, tudo parece estar cada vez pior. Não é pessimismo; é pura e irrefutável
constatação. Senão, vejamos rapidamente o que vem acontecendo na política, na economia, na
ética e no plano dos indivíduos.
Na política, a briga por cargos entre a chamada base aliada do governo, especialmente
entre o PT e o PMDB, é de causar indignação até a um inocente pardal pousado em um fio de
uma rua de um bairro da periferia de qualquer cidade, tamanha a desfaçatez com que as hienas,
abutres e corvos que se alimentam da carne do dinheiro público – vale dizer, dos “contribuintes”
- lançam-se sobre os despojos. A disputa - que nada tem de nova, uma vez que costuma
acontecer sempre que mudam governos -, está, sem meias palavras, atingindo as raias da
indecência, já que nos oito anos do governo Lula o estado brasileiro foi inchado, intumescido e
estufado por uma mistura de ideologia com ganância por cargos. Poderia escrever bem mais
sobre a deterioração política, mas deixo-o deliberadamente de fazer por razões de asco. Estado
limitado? Contenção de poder? A política brasileira está, sem dúvida, pior do que dantes.
Na economia, o dilema entre o regime fiscal irresponsavelmente deficitário e a
preocupação do Banco Central com a inflação vai certamente obrigar o último a aumentar
fortemente a taxa de juros básica, já que a bomba-relógio deixada por Lula, em sua ânsia de fazer
sua sucessora para poder voltar em 2014, terá que ser desarmada, sob pena de voltarmos a correr
um risco que não experimentamos desde 1994, quando o plano Real foi implantado: o risco da
inflação fora de controle e, no limite, o da hiperinflação. As reformas que vêm sendo proteladas
há anos – previdenciária, tributária, trabalhista e administrativa – não serão realizadas pelo
governo da companheira Rouseff, por motivos óbvios. Como o governo dos Estados Unidos vem
emitindo dólares de maneira leviana, o ingresso de capitais externos vem ocorrendo a um ritmo
prestissimo, o que está levando os heterodoxos do novo governo a estudarem medidas inócuas
para conter a valorização do real, como novos aumentos no IOF e a chamada quarentena, ou
seja, restrições ao ingresso de capitais externos. Se essas práticas são certamente inofensivas para
conter a queda do dólar, são bastante restritivas ao crescimento da economia, porque sem
investimentos externos, a economia brasileira não terá condições de crescer a taxas razoáveis! As
pessoas – e, entre elas, a maioria dos economistas, devido a defeitos crônicos em sua formação -,
ainda falam barbaridades como “o dólar está fora do lugar”, como se a taxa de câmbio não fosse
um preço que, sob o regime de flutuação, deve oscilar mesmo. Os lobbies do setor exportador
aumentarão suas pressões para que o dólar “volte para o seu lugar certo” que, certamente, pode
ser definido como aquele que lhes permitirá lucrar mais... A chamada “classe média baixa”, que
aparentemente melhorou em decorrência das políticas eleitoreiras de Lula, está endividada até o
pescoço, haja vista o aumento na taxa de inadimplência registrado pelas associações comerciais.
A carga tributária, que vem aumentando governo a governo desde os tempos do eterno-poderoso
Sarney (sendo que seu aumento nos oito anos de Lula superou todos os anteriores) deverá
continuar subindo. Também na economia tudo está, sem dúvida, pior do que dantes.
Sobre o plano ético e moral – que deve sustentar os dois anteriores (o político e o
econômico) – basta observarmos que, se aqueles estão tão mal, é porque os princípios éticos e
morais estão visivelmente deteriorados. Apenas para citar um exemplo, a atitude do expresidente
Lula, no último dia de seu mandato, apenas para proteger sua camarada Rouseff, de
negar, ao arrepio do direito internacional e da boa diplomacia, a extradição do terrorista Cesare
Battisti, condenado na Itália por diversos crimes comuns (decisão que vinha protelando há
muitos meses), foi de causar vergonha ao Brasil perante o mundo democrático e civilizado. Um
gesto imoral, sim senhor, porque reflete os pesos e medidas diferentes com que seu governo
sempre avaliou diferentes condenados, de acordo com suas ideologias: Battisti é quase um herói
sob o ponto de vista do Itamaraty de Lula, enquanto o cubano que fazia greve de fome e que
acabou morrendo sem que o nosso Grande Guia o defendesse diante do ditador Raúl Castro,
alegando o princípio da “autodeterminação dos povos”, seria um anti-herói. A ética e a moral do
Itamaraty do ex-presidente é estranha mesmo. Um bandido julgado em seu país, a Itália, uma
democracia, não é um bandido, é um “perseguido político”, enquanto um cubano contrário à
ditadura cinqüentenária dos Castro, julgado em seu país, uma ditadura, não é um perseguido
político, mas um bandido, um condenado comum. Este único exemplo – dentre tantos outros,
como o mensalão, o desrespeito de Lula em relação aos outros dois poderes e suas afrontas à
legislação eleitoral – são suficientes para concluirmos que, em termos de ética e moral, também
tudo parece estar pior do que dantes no quartel d’Abrantes.
Por fim, no plano individual, parece que a palavra de ordem é a velha “lei de murici”,
segundo a qual cada um deve cuidar de si, sem qualquer consideração para com os semelhantes.
Um exemplo recente ilustra isso: no final do ano, fiz uma viagem à região dos lagos fluminenses
e, obviamente, tive que enfrentar engarrafamentos, tanto na ida, no dia 29 de dezembro, quanto
na volta, no dia 4 de janeiro. Fiquei impressionado com a quantidade de veículos que trafegavam
pelos acostamentos, com o único propósito de passar a frente dos que se mantinham nas pistas
em que o tráfego é permitido. Senti-me como se aqueles sujeitos, de diversas classes sociais,
dirigindo desde fusquinhas 75 até carrões de última geração, estivessem todos gritando para
mim: “você é um otário, porque obedece a lei”. O pior é que não vi nenhum deles ser multado.
Pessoas com tamanho grau de egoísmo podem reclamar das roubalheiras de políticos? O que
fariam caso fossem, digamos, deputados e lhes surgisse uma oportunidade de burlar os
contribuintes para tirar proveito próprio? Pobre quartel de Abrantes!
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