Provavelmente você já deve ter lido ou assistido pela tv notícias, depoimentos e comentários sobre o que comumente tem sido chamado de “guerra fiscal”, isto é, melhor dizendo, o combate a ela.
Decerto, tanto quanto eu mesmo, também jamais ouviu de um “especialista” econômico ou político uma palavrinha, digamos assim, em prol deste “fenômeno”, mas sempre, sempre e sempre, que todos eles se pronunciaram ao lado dos governantes e dos seus interesses em manter a carga tributária dos seus respectivos estados a salvo do direito de escolher pelos cidadãos: “- devemos combater a guerra fiscal!”
Pare um pouco para contemplar o termo “guerra fiscal” e então perceba como esta expressão, não por acaso, favorece o fim almejado pelos políticos. Claro, foi por eles cunhada, justamente para atingir o propósito de se fazer passar por algo repugnante e ao mesmo tempo dotá-la de um alto poder conclamatório para conquistar a adesão da população à causa deles.
Todavia, o que é uma guerra? Ora, é uma campanha de destruição do inimigo, e mesmo que no campo metafórico, significaria mais propriamente a aplicação de sanções, quarentenas, retaliações, impedimentos do ingresso de produtos vindos de outros estados por meio de cotas ou majoração de tributos (o que é, por acaso, proibido pela CF/88), operações “tartaruga” nos postos de fronteira para manter os caminhões em fila de espera durante dias ou semanas, e assim por diante, o que não é o caso.
E quanto ao termo “fiscal”? Usado de forma igualmente inapropriada, este vocábulo se liga mais diretamente à atividade de arrecadação pelos órgãos de fiscalização e auditoria – as secretarias de estado da fazenda. Ora, tal atividade é plenamente vinculada, isto é, tem os seus procedimentos completamente sujeitos à lei, e portanto em nada se relaciona com a determinação de alíquotas dos impostos. (Salvo em casos que a legislação delega ao poder executivo uma faixa de alíquotas, mas mesmo assim este poder discricionário é de natureza política, e não técnica).
Que expressão poderia ser então mais corretamente aplicada ao caso? Eu sugeriria “competição tributária”. Pronto! Agora sim desmistificamos o fato e o apresentamos mais claro ao cidadão leigo. E veja como as coisas mudaram! Quem não acredita no poder benfazejo da “competição”? E quem não quer ver a carga tributária reduzida?
Pode-se então compreender a verdadeira natureza do litígio entre os governos estaduais: trata-se do mais puro cartelismo estatal, pelo qual os governos acertam entre si de igualar as alíquotas dos tributos estaduais e interestaduais! Aliás, e que me seja permitido adicionar: muito pior, porque o cartel privado, dentro de uma sociedade onde vigore a livre competição, é de natureza precária e não se sustenta por muito tempo, mas o estatal se reveste de natureza monopolística e permanente.
Portanto, se estamos mais acertadamente a falar de uma competição tributária do que de algo tão equivocado quanto “guerra fiscal”, é de se perguntar: que mal poderia haver em uma saudável competição entre os estados da federação, de modo a permitir que emerjam aqueles que demonstrem exercer governos mais enxutos e mais eficientes, ou sucintamente, aqueles que podem fazer mais por menos? O que incomoda os opositores de tal idéia? Que os cidadãos se dêem ao justo direito de votar com os pés?
De fato, uma renúncia tributária tão arrojada que venha acompanhada da falta de investimentos e da manutenção dos serviços típicos do estado há de ser tão desencorajada pela opinião pública quanto um regime de vorazes impostos que tornem inviáveis os empreendimentos produtivos privados ou que se revelem o sorvedouro dos salários nababescos e da corrupção desenfreada. Haverá, portanto, necessariamente um ponto de equilíbrio, e os entes federativos que se destacarem pela melhor gestão servirão como o exemplo para todos os demais.
Atente-se ainda para o fato de que a guerra fiscal, ou melhor, competição tributária, mesmo cartelizada, não impede os estados de procurarem burlar seus acordos por meio de reprováveis concessões de privilégios tributários a grandes empreendimentos industriais e comerciais, com o pior resultado de deturparem gravemente o natural mecanismo de investimentos que o mercado por si só proporcionaria de modo mais racional, e com a pior das injustiças face ao primado constitucional de garantir a isonomia jurídica de todos os cidadãos perante a lei. Ora, por que razão justificável deve o grande industrial pagar menos imposto do que padeiro da esquina?
Há quem sustente que os estados mais afastados e mais pobres não teriam como fazer frente aos mais ricos em um cenário de competição tributária, mas isto já se revelou completamente falacioso, pois basta olharmos para o Pólo Industrial de Manaus, instalado no meio da selva amazônica, e que hoje detém a maior renda per capita de todos os estados. No fim das contas, cada um possui vantagens e desvantagens geográficas, logísticas e de capital humano, e o que importa é como fazer o melhor uso delas.
Certamente, tal proposta há de se tornar tão mais desafiadora para os políticos populistas e esquerdistas em geral, já que estes propugnam por uma carga tributária crescente como necessária para promover o desenvolvimento de seus respectivos entes federados; entretanto, a solução do cartel estatal mais oculta do que revela a verdade de suas proposições: afinal, se tudo há de vir para melhor, como afirmam, então investir em locais assim deve ser lucrativo e proveitoso, mesmo que a longo prazo, e portanto, os empreendedores sentir-se-ão, em tese, animados para lá fixarem seus negócios. Ou não...?
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