quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

A ilusão do sistema extrativista artesanal em Marajó

Por Marcos Paulo G Miranda e Orlando Miranda - Editores da Voz do Marajó
Quem estuda a Amazônia a sério concorda que, para evitar que a região continue a ser explorada de forma predatória, é preciso desenvolver atividades econômicas que não destruam a floresta, promovam riquezas e assegurem emprego e renda à população.

Evidentemente que não nos cabe aqui questionar a atuação dos servidores que trabalham nas reservas. Temos conhecimento de que estes apenas exercem o seu papel como empregados sujeitos às ordens advindas dos escalões superiores e, ao menos no que lhes é permitido, tentam aliviar os efeitos da repressão da liberdade econômica deliberadamente aplicada sobre os nativos como forma encontrada pelo governo para anular a pressão exercida sobre a floresta pela crescente demanda por matéria-prima nas grandes madeireiras da região. Mas não há como desvincular a intervenção do governo, na forma como se deu, à falência dessas populações então levadas à condição penosa de absoluta miséria. Um ato administrativo baseado na receita de preservação do seringueiro Chico Mendes que podemos classificar como sendo inaplicável à realidade marajoara. Isso para não dizer que foi inconsequente, irracional e portanto inaceitável.

Para o leitor que não tem intimidade com o assunto, a referida receita do líder seringueiro Chico Mendes para a preservação da Amazônia era a seguinte: Ele acreditava que os povos da floresta só precisavam de um empurrãozinho do governo para trocar o desmatamento pelo extrativismo de subsistência. Em vez de venderem árvores para madeireiras e abrirem pastagens no meio da mata, passariam a extrair o leite da seringueira (látex) e frutos, caçar e pescar para consumo próprio. Como se sabe, foi assassinado em 1988, depois convertido em herói e sua doutrina, em herança. Dois anos depois de sua morte, o governo federal delimitou no Acre a primeira reserva extrativista do país: a Alto Juruá. Seus moradores receberam uma área de 5.000 quilômetros quadrados, da qual deveriam tirar seu sustento sem destruir a mata. A iniciativa deu 86 filhotes(até 2009), que, juntos, cobriam 8% da Floresta Amazônica e são habitados por mais de 300.000 pessoas.

Por uma ironia cruel, essa mesma reserva hoje se tornou num dos exemplos mais emblemáticos do fracasso do modelo idealizado por Chico Mendes. Era por lá que vivia o ribeirinho extrativista Bé, um pai de família que foi forçado pelas péssimas condições de vida a sair de sua colocação para viver em uma vila com mais de 150 casas dentro da reserva. Leia trecho do seu testemunho que mostra como era a vida dentro da reserva:

"Porque, tipo assim, a gente morar em centro a dificuldade é muito grande. Na época nós cortávamos seringa, eu cortava seringa, foi até na época que nós produzíamos couro vegetal. Nós negociávamos com uma empresária de Rio Branco, chamada Bia, não sei se você conhece. Ela era nossa patroa e nesse 2003 ela resolveu não comprar mais os produtos que a gente fabricava pra ela, que era o couro vegetal. E aí, nós decidimos sair porque borracha não tinha mais na época, ninguém cortava mais pra fazer borracha, já tinha acabado. E aí, nós decidimos ir pra Foz do Tejo pra ver se lá a gente plantava, criava pra vender com mais facilidade. Porque a gente morar em centro, plantar e criar, o transporte fica mais ruim, né?" Diz ele.

Veja aqui um estudo completo que mostra o colapso da reserva diante da inviabilidade de um sistema que só sobrevive se for continuamente subsidiado pelo paternalismo estatal (e mesmo assim com péssimos resultados sociais). Veja aqui mais um exemplo da triste dependência através de testemunho do Sindicato dos Trabalhadores Rurais da Região.

São muito raros os projetos de desenvolvimento sustentável que alcançaram a independência econômica. E em nenhum desses casos seu sucesso pode ser atribuído à atividade extrativista. Ao contrário, o êxito está sempre associado ou à adoção de uma agricultura profissional, ou a algum nível de industrialização, ou aos dois fatores juntos.

Quem estuda a Amazônia a sério concorda que, para evitar que a região continue a ser explorada de forma predatória, é preciso desenvolver atividades econômicas que não destruam a floresta, promovam riquezas e assegurem emprego e renda à população. A experiência mais bem-sucedida nesse sentido até agora é a da Zona Franca de Manaus, uma ilha de eficiência tecnológica bem no meio da Amazônia. Criada em 1967, como parte do plano do regime militar de integrar a Amazônia ao restante do país, essa região de livre-comércio compreende uma área de 10 mil quilômetros quadrados, incluindo a capital amazonense. Para viabilizar seu projeto, o governo federal passou a conceder incentivos fiscais (como o IPI principalmente) às empresas que se dispusessem a instalar fábricas no meio da selva.

Obrigada a importar mais da metade dos componentes que integram seus aparelhos celulares – já que o Brasil não dispõe de fábricas de semicondutores –, a finlandesa Nokia, por exemplo, vem investindo para que sua filial em Manaus se transforme em um centro de desenvolvimento de tecnologias para o setor. Para isso, patrocina uma escola profissionalizante de nível médio aberta à comunidade. Mantendo aulas em regime integral, em 2008 e 2009 a instituição ficou em primeiro lugar no ranking do MEC para a Região Norte. A Nokia mantém também um instituto de pesquisas onde 300 funcionários, entre os quais mestres e doutores, se dedicam exclusivamente a buscar inovações tecnológicas para seus produtos e processos. Foi de lá que saiu, por exemplo, o equipamento que testa a resistência de aparelhos celulares utilizado atualmente em todas as fábricas da multinacional ao redor do mundo. Várias tecnologias presentes nos aparelhos vendidos mundialmente pela Nokia também foram desenvolvidas lá, sobretudo na área de softwares.

Alexandre Rivas e José Machado são autores de um estudo intitulado Instrumentos Econômicos para Proteção da Amazônia que demonstra, de forma empírica, o impacto virtuoso que o polo industrial de Manaus exerce sobre a proteção da Floresta Amazônica. Os pesquisadores chegaram à conclusão de que a existência do complexo industrial atenuou em pelo menos 70% o desmatamento no estado do Amazonas. O trabalho conclui que a dinâmica econômica provocada pelas indústrias instaladas na Zona Franca contribuiu de forma decisiva para que o Amazonas tenha atualmente 98% de sua área de floresta preservada.

A criação de um polo semelhante ao de Manaus em Marajó transformaria a economia da região, inclusive de todo o entorno. Com investimentos maciços em estrutura de transporte e portos, educação e formação de mão de obra, se inibiria a economia do extrativismo predatório, fazendo a região se especializar em uma nova base econômica totalmente limpa para deslanchar como centro industrial capaz de desviar da floresta a atenção de seus habitantes. Um novo polo que alcançasse metade do sucesso da Zona Franca de Manaus seria suficiente para multiplicar por 10 ou mais o PIB da Ilha. E o que é melhor: preservando o meio ambiente sem degenerar a dignidade humana como se vem fazendo. Seria o desenvolvimento de costas para a floresta.

Assim, a pergunta que nos vem em mente é: O que falta, para um país que se diz rico e democrático, fazer para que se alcancem os resultados atingidos pelo regime de ditadura militar? O fato, e os estudos dos casos acima não nos deixam duvidar, é que o Marajó pode sim ter seu meio ambiente preservado sem que se condene sua população à humilhação da miséria tendo que depender das migalhas do estado para sobreviver. Podemos, e queremos, fazer parte dos centros geradores de riquezas para o Brasil. Basta apenas que o Brasil queira o mesmo.

Notas:


1. Celtas: A natureza era a companhia do homem primitivo. Ela fornecia abrigo e alimento e, em retorno, a humanidade a reverenciava (chegando a realizar sacrifícios humanos com um corte na garganta). Louvavam as pedras e montanhas, os campos e florestas, os rios e oceanos. A Voz da Floresta é uma ponte mítica entre o mundo dos deuses e o dos homens, entrelaçado com a veneração que os Celtas tinham pelas árvores. Qualquer semelhança com os ideais de Chico Mendes não é mera coincidência.

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