domingo, 23 de dezembro de 2012

O perigo que representa o PL nº 4.364/2012

O precedente que trará a lume a aprovação do Pl 4.364/2012  representa grande perigo institucional para o país, desde que cada conselho ou ordem, a começar pelo Conselho Federal de Psicologia, passará a ter o poder de valer-se de sua autoridade pretensamente científica - porque instituída por lei esdrúxula - para favorecer interesses escusos e perseguir desafetos, bem como para implementar políticas sobre a população sob o argumento de autoridade.

Por Klauber Cristofen Pires

Tendo recebido de vários leitores a solicitação de melhores informações sobre o PL nº 4.364/2012, que propõe alterações regimentais no Conselho Federal de Psicologia, escrevi o artigo a seguir, como forma de explicar aos leitores o que está acontecendo.

O Brasil alberga no seu sistema jurídico um sistema de entidades corporativistas chamadas de "ordens" ou "conselhos", tendo como o caso mais notável o da OAB - Ordem dos Advogados do Brasil, caso único no mundo de uma associação de profissionais que por força do seu lobby fez insertar-se no texto original de uma Constituição - no caso nosso, a Carta de 1988.

Até hoje, não existe entre os juristas um consenso sobre a  natureza jurídica das ordens profissionais e conselhos de classe, de modo que  os mais resolutos afirmam, na falta de  uma caracterização mais apropriada, como uma forma anômala de autarquia.  Em verdade, não existe nenhuma característica típica aplicável porque estas bizarras entidades nada têm de jurídicas, mas sim, justamente, de antijurídicas, haja vista terem como berço as máfias da Roma Antiga. Ora, o que pode haver de jurídico nos acordos firmados por quadrilhas de ladrões?

Na espetacular série "Roma", produzida pela HBO, alguns capítulos reproduziram com um grau de fidedignidade louvável como funcionavam as gangues de comerciantes que já naquela época dividiam seus territórios, estabeleciam cotas entre si e não raro, simplesmente mandavam eliminar seus concorrentes. Uma comparação ilustrativa do modus operandi daqueles tempos com os dias atuais pode ser obtida com as associações de vans e taxistas que, tal como tem sido noticiado recentemente pelos telejornais,  "privatizam" seus pontos e ameaçam os colegas de profissão que estão de fora dos seus esquemas. 

No decorrer da Idade Média, esses arranjos evoluíram para instituições mais complexas, denominadas de guildas e corporações de ofícios, cujo marco, para as primeiras,  consiste em associarem-se a reis e nobres, garantindo assim os monopólios sob a chancela estatal, enquanto as segundas  desenvolvem exaustivas regulamentações de qualidade. O filósofo francês Alain Peyrefitte, em seu livro A Sociedade de Confiança, traça algumas informações sobre as corporações de ofícios, que vigoraram primeiro na França, mas também na Itália, Espanha e Portugal. Segundo o autor, tais corporações eram as responsáveis por fiscalizarem o controle de qualidade dos produtos sob sua jurisdição. Dentre estas, na França, as mais famosas eram as dos fabricantes de tecidos, as quais estabeleciam normas extremamente rígidas para a confecção dos mesmos, bem como para o funcionamento dos estabelecimentos. Asseverava o autor, todavia, que, embora deste arranjo se pudesse garantir, razoavelmente, que os tecidos tivessem alguma boa qualidade, na Hansa, na Holanda e Suíça fabricavam-se tecidos com qualidade inferior, mas que podiam ser utilizados para fins menos solenes, e que isto propiciava aos fabricantes grandes vendas, bem como aos consumidores um atendimento mais satisfatório de suas necessidades mais corriqueiras.

Entre os séculos XIX e XX, especialmente na Inglaterra, o modelo das guildas e corporações chegaram a ser propostos como uma forma alternativa de socialismo, sob a argumentação de que seria necessário, justo e produtivo garantir a autodeterminação de cada profissão. O filósofo austríaco Ludwig von Mises rebateu a falsidade desta doutrina com o argumento óbvio de que ninguém pode colocar-se acima da sociedade, sendo que esta se representa pelos cidadãos quando exercem o papel de consumidores. Assim ele se expõe:

"Entretanto, num sistema de cooperação social com base na divisão do trabalho, nada há que se identifique com o interesse exclusivo dos membros de algum estabelecimento, companhia ou setor industrial, e que não seja também de interesse dos demais membros da coletividade. Não existem questões internas de qualquer guilda ou corporazione cujas soluções não afetem a toda a nação. Um setor da atividade econômica não está a serviço apenas daqueles que nele trabalham; está a serviço de todos. Se, num setor da atividade econômica, houver ineficiência, desperdício dos fatores escassos de produção ou relutância em se adotarem os métodos de produção mais adequados, todos saem prejudicados. Não se pode deixar que os membros da guilda decidam sobre o método tecnológico a ser adotado, sobre a quantidade e qualidade dos produtos, sobre a jornada de trabalho e mil coisas mais, porque essas decisões afetam a toda a comunidade. Na economia de mercado, o empresário, ao tomar essas decisões, está incondicionalmente sujeito às leis do mercado; na realidade, são os consumidores que tomam as decisões. Se o empresário tentar desobedecê-los, sofrerá perdas e logo perderá sua posição empresarial. Por outro lado, as guildas monopolísticas não precisam temer a competição; gozam do direito inalienável de exclusividade no seu setor de produção. De servidores do consumidor transformam-se em senhores. Ficam livres para recorrer a práticas que favorecem seus membros às expensas do resto da população". (Mises, Ação Humana, p. 1115 a 1117).

Neste estágio de evolução é que os Conselhos de Classe e as Ordens se estabeleceram no Brasil, sob o governo fascista de Getúlio Vargas, tendo sido o primeiro caso a fundação da OAB - Ordem dos Advogados do Brasil.

Desde então, com a fundação de conselhos de classe para quase todas as profissões, uma após outra, o Brasil passou a sofrer um progressivo processo de legislação administrativa com finalidades ostensivamente corporativistas, cujos destinatários acabaram transbordando dos respectivos profissionais para a população em geral, especialmente os estabelecimentos empresariais - que passaram a ser obrigados ao pagamento de taxas, à contratação compulsória dos profissionais e à observância de suas determinações, sob pena de serem multados, ou até terem suas atividades suspensas ou proibidas: hotéis e clubes foram notificados a contratar químicos para a manutenção de piscinas; petshops a contratar veterinários; farmácias, farmacêuticos; empresas de terceirização de serviços e administradoras de condomínios, administradores; e até mesmo músicos e estabelecimentos tais como bares, restaurantes e casas de shows foram notificados a pagarem taxas para a Ordem dos Músicos do Brasil.  

Praticamente livres de qualquer tipo de controle externo bem como de representatividade política, os conselhos de classe e ordens profissionais foram aos poucos extrapolando suas funções estipuladas pela Constituição, pelas leis e pelos seus respectivos regimentos, para ensaiarem um estágio superior de existência, na qual assumiram para si um protagonismo eminentemente político, aproveitando a onda do onguismo mundial. Dentre os conselhos de classe e ordens profissionais, destaca-se notoriamente o Conselho Federal de Psicologia, que vem se colocando à frente do movimento homossexualista, defendendo a tese marxista de que a criminalidade é consequência do sistema capitalista e apoiando sem reservas o "controle social dos meios de comunicação", um mal-intencionado eufemismo para a instauração da censura, entre outras posições inegavelmente de caráter político-ideológico. 

O problema é que ONG's, assim como partidos políticos e institutos conhecidos como "think-tanks", são instituições especificamente criadas para empunharem determinadas bandeiras, sendo livre a participação dos seus associados. Como pode, entretanto, o Conselho Federal de Psicologia assumir um protagonismo político se o registro dos psicólogos é compulsório? A resposta é que tal atividade se reveste de ilegalidade, consistindo em grave usurpação dos direitos políticos dos profissionais inscritos.

Por exercer um ativismo político à revelia da vontade dos profissionais que representa, e por exorbitar de suas funções regimentais, tenho acusado o Conselho Federal de Psicologia dos crimes de prevaricação - valer-se do seu poder para atender a interesses próprios ou de terceiros, e de falsidade ideológica - por apresentar-se com a falsa aparência de legitimidade sobre atribuições que não possui.

Aqui temos chegado, portanto, com graves irregularidades sobre as quais ainda não tenho tido nenhum conhecimento de alguma atitude por parte do Ministério Público Federal ou de alguma instituição civil de defesa da cidadania ou mesmo de algum partido político. 

Vem a hora, finalmente, de nos localizarmos no tocante às propostas do PL 4.364/2012. O que esta lei há de nos trazer de preocupante? Bem, esta lei haverá de trazer ao estado da arte a prerrogativa do Conselho Federal de Psicologia de legislar em causa própria (ou em causa dos interesses dos seus dirigentes), com a incrível capacidade de ditar o que é ciência em matéria de Psicologia. 

Há uma caso histórico segundo o qual Adolph Hitler teria convocado mais de trezentos dos mais renomados cientistas da Alemanha Nazista para em conjunto refutarem as teses de um senhor conhecido como Albert Einstein,  consideradas por eles como fraudulentas porque produzidas por um judeu. A resposta do destinatário foi uma lição de honestidade intelectual: "por quê trezentos? Um só bastaria".

O fato é que no mundo civilizado, isto é, no mundo regido pela fórmula do estado democrático e de direito, absolutamente ninguém, sozinho ou em grupo, tem autoridade para estipular ou não como científica qualquer coisa que seja, muito menos a de restringir qualquer atividade lícita. 

O precedente que trará a lume a aprovação do Pl 4.364/2012  representa grande perigo institucional para o país, desde que cada conselho ou ordem, a começar pelo Conselho Federal de Psicologia, passará a ter o poder de valer-se de sua autoridade pretensamente científica - porque instituída por lei esdrúxula - para favorecer interesses escusos e perseguir desafetos, bem como para implementar políticas sobre a população sob o argumento de autoridade.

Quê dizer se o Conselho Federal de Psicologia vier a empurrar goela abaixo da nação que é fato científico comprovado que "casais" de duas mães lésbicas criam seus filhos melhor do que os casais heterossexuais tradicionais? Quê dizer se este Conselho vier a decretar como fato científico que o conceito de sexo é uma mera construção social, e que as crianças devem ser tratadas como de gênero neutro desde o nascimento, até que alcancem determinada idade, e então optem qual a função sexual que desejarão seguir?

Prezados leitores, estamos diante de um verdadeiro golpe institucional, e trata-se de um golpe que não diz respeito somente à classe dos psicólogos, como podem atestar pelo que escrevi, mas à vida de cada um de nós. Não deixemos que tudo fique tarde demais. Cada cidadão pode agir contra este projeto de lei infame. Faça a sua parte!

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