Sociedade de Trincheiras:
Associação Nacional do Livro repudia liberdade de mercado e propõe medidas para
proteger livrarias da concorrência com o livro eletrônico. Uma pergunta:
"proteger" de quem? Respondo: De você, consumidor.
Já há algum bom tempo que os
livros eletrônicos não são novidade no Brasil, muito embora o mercado tenha se
mantido relativamente restrito devido à dificuldade de aquisição de aparelhos
adequados, como o Kindle, o Nook, ou mesmo o IPAD e os Tablets, por conta da
nossa protecionista legislação tributária.
Portanto, não há que se
afirmar sem ser flagrado por sua irresponsabilidade que a recente chegada de
distribuidoras de peso de e-books como a Amazon e o Google pudesse surpreender
o mercado livreiro. Houve o tempo mais que suficiente para a adaptação, com
possibilidade até mesmo de aproveitar este lapso para estar à frente quando os
grandes concorrentes internacionais chegassem.
No entanto, poucos são os
empresários que merecem esta designação. Como bem cunhado pelo filósofo Olavo
de Carvalho, aqui o que abundam são os "metacapitalistas", meras
criaturas híbridas e como tais, inférteis, no caso, da criatividade e indústria
dos autênticos empreendedores. A mentalidade dessa gente não é nem nunca foi
buscar meios de melhor servir os consumidores, mas sim os de melhor se servir
deles, especialmente mancomunando-se com o estado. Por eles, as Capitanias
Hereditárias ainda vigeriam.
A Carta Aberta da ANL sobre o Livro Digital
no Brasil,
assinada pelo presidente desta Instituição, o Sr. Ednilson
Xavier, enfatiza ostensivamente e sem pejos, o caráter guildesco desta instituição
e revela que a mentalidade anticapitalista do empresariado brasileiro ainda é
hegemônica e apegada obsessivamente à ideia de proteção estatal:
Diferentemente do que ocorre no campo
dos meios de comunicação, em que existem leis que disciplinam o mercado,
regulando e limitando a participação de empresas multinacionais, no
mercado livreiro e editorial brasileiro predomina quase que exclusivamente
a livre iniciativa, com um claro déficit de proteção para a produção
nacional.
Nenhum mercado goza do privilégio
fiscal concedido à principal matéria-prima do livro, que é a imunidade
tributária constitucional concedida ao papel destinado à sua impressão. Alie-se
a este fato que a jurisprudência do STF tem entendido que não é somente o papel
que merece tão distinta exceção tributária, mas também qualquer mídia ou
tecnologia que lhe faça as vezes, como por exemplo, os discos magnéticos, CD’s
e DVD’s. Ainda assim, curiosamente, comprar um livro qualquer constitui, não
raro, um verdadeiro luxo.
Além disso, conquanto se reconheça uma
predominância da livre iniciativa neste setor, vale ressaltar que estamos a
falar do mercado em que paradoxalmente se verifica – a saltar aos olhos - a
maior uniformidade de preços praticados no varejo. Perceba o leitor como flutua
ao sabor das conveniências o discurso protecionista: no momento mesmo em que
fala em defesa contra a concorrência predatória representada pela chegada do
concorrente externo, a quem supostamente se atribui o perigoso poder de em
pouco tempo dominar o mercado, pratica-se tal alinhamento de preços como não se
vê em nenhum outro setor, o que bem poderia ser interpretado objetivamente pelo
Cade – Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o superórgão do governo
encarregado de fiscalizar e aplicar a chamada legislação antitruste, como uma
prática desleal de comércio.
Adiante, na mesma missiva, prossegue o
presidente da ANL, segundo sua peculiar lógica mercantilista:
Quem tem poder maior de compra dita as
regras, sem levar em conta a necessidade de preservação da bibliodiversidade,
nem a importância de manter o vigor dos distintos canais de comercialização.
Alguém pode explicar que raios vem a
significar “bibliodiversidade” ou por que motivo os canais obsoletos de
comercialização deveriam ser preservados? Será que o texto está a acusar as
distribuidoras de e-books de reduzir o lançamento de novos livros àqueles que
considerarem como convenientes para o mercado?
Senão, reflitamos: durante décadas
inúmeros escritores tiveram imensa dificuldade de terem suas obras publicadas,
porque antes de partir para as prensas as editoras necessitavam munir-se de uma
capacidade de previsão mercadológica para antever o possível sucesso dos
títulos, já que arcariam com os custos irrevogáveis para a fabricação. Em
alguns casos, outras dificuldades exsurgiriam, como por exemplo, obras que
promovessem denúncias contra os homens poderosos de um lugar ou contra um
pensamento dominante sobre qualquer área. Todavia, todos estes problemas
acabaram com o advento do e-book. A
não ser por algum trabalho de edição em meio eletrônico, os custos com a
veiculação de mídias passam a ser inexistentes ou irrisórios, e a capacidade da
oferta alça-se ao infinito por um mero comando.
Os e-mails e chats vieram para
substituir as cartas e os telegramas. Graças a estes recursos, diariamente
bilhões ou trilhões de informações são prestadas e decisões são tomadas em
tempo praticamente real, e a um custo incrivelmente irrisório, o que tem
resultado em um incomensurável ganho de eficiência para a economia mundial, que
assim se capacitou a gerar muito mais empregos para milhões de pessoas nos mais
diversos setores. Será que ainda deveríamos continuar pagando o elevado preço
por cada caractere transmitido pelo telegrama somente para contentar os
interesses de pessoas como o Sr Ednilson Xavier?
Agora, atenção, prezado leitor: você
será colocado de frente com uma joia do pensamento coletivista brasileiro: o
apelo ao bem comum e ao interesse público:
Sofremos hoje com baixíssimos índices
de leitura e pequena presença de livrarias espalhadas pelo país. Segundo dados
do IBGE, menos de um terço dos municípios brasileiros possui ao menos uma
livraria. Este número, que por si é preocupante, vem diminuindo ao longo dos
anos, tendo havido aumento da concentração nas regiões Sul e Sudeste e maior
peso de grandes empresas varejistas.
Trata-se de um verdadeiro discurso
oblíquo, carregado até o talo de tanto cinismo! Desconfie sempre, sempre e
sempre daqueles que vêm falar em nome do bem ou do interesse público, ou que
estão agindo preocupadíssimos para a defesa do seu bem ou interesse e não dos
deles próprios. Olhem aí o gato escondido com o rabinho balançando do lado de
fora! Do que estamos falando? Do acesso à leitura ou da preservação de
livrarias? Então, se o público consumidor consagrar a aquisição de e-books por ser este método de comercialização
mais prático e mais barato, porque motivo deveríamos pensar que haveria um
decréscimo do nível de leitura por parte da população?
Houve um tempo em que as geladeiras não
passavam de caixas térmicas, e os cidadãos adquiriam barras de gelo dos
caminhões que as traziam das fábricas. Os modernos refrigeradores acabaram com
esta atividade ou reduziram-na a um mínimo. Porém, mais pessoas hoje têm destes
equipamentos em casa – e são muito mais eficientes na tarefa de preservar os
alimentos e mantê-los em baixas temperaturas – do que as poucas abastadas do
início do século passado que podiam se dar ao luxo de adquirirem gelo
diariamente.
A cada parágrafo, uma facada na
sociedade aberta: a curta manifestação do Sr Ednilson Xavier, presidente logo
de quê - de uma associação de vendedores de ideias (!), em um país que ainda
mantém alguns resquícios do ideal de ser livre, é tão ao seu modo profunda e carregada
de significado que me obriga a comentar cada parágrafo, quase levando-me ao
choro por abdicar de uma frase aqui ou ali em prol da economicidade deste
artigo e da paciência dos que me leem. Alegrem-se, contudo, porque estamos
quase no fim. Acompanhem a seguinte obscenidade:
Preocupada com essas questões, e
mirando-se na experiência acumulada pela indústria cinematográfica que soube
preservar, apesar de todas as turbulências e transformações recentes, sua
cadeia de distribuição, a ANL, principal entidade em defesa dos livreiros
brasileiros, através de sua diretoria, se manifesta e compartilha as seguintes
orientações: (...)
Aí estão os ídolos do presidente da
ANL: os chupa-cabras estatais da Ancine. Ele tem razão: não é por pouco que
merecem ser alvo de toda admiração e inveja.
Seus feitos recentes foram fabulosos: criaram por meio de uma lei um
imposto que expropria todo cidadão que adquirir um ingresso para assistir a um
filme estrangeiro, cuja arrecadação destinar-se-á ao financiamento da produção
bundalelê nacional com o selo da Ancine, e mais outra que obriga os cidadãos
contratantes de tv’s pagas a sustentarem – assistam ou não – e em horário nobre
- a exibição de uma cota intragável de filmes nacionais. Levada tal medida a
todo o mercado, dia virá em que as padarias serão aquinhoadas com outorgas de
monopólio em cada bairro e dotadas da prerrogativa de determinar que tipo e
quantidade do pão que deveremos consumir.
Por fim, o autor sugere aos livreiros
algumas medidas que ao meu ver ferem cabalmente a atual legislação antitruste –
conquanto eu mesmo a condene por completo, mas que registro aqui, somente para
registrar o hipócrita paradoxo. Reputo-as, por conseguinte, como legítimas, no
tanto em que visam proteger os interesses dos proprietários de livrarias,
segundo a visão que têm sobre o assunto, muito embora lamentáveis, porque
seguem na direção oposta dos interesses dos consumidores. Não aposto um centavo no sucesso de tal
ajuste.
Em tempo: alguém até o presente momento
se lembrou da enorme contribuição do e-book
para a preservação das florestas? Mais uma solução eficiente e pacífica do
capitalismo para a ecologia, gente!
Esta carta é representativamente
simbólica de nosso triste tempo, em que cada setor empresarial faz de tudo para
evitar a competição, quase sempre valendo-se da mão pesada do estado para
prejudicar seus concorrentes e principalmente, os consumidores, porquanto
merece ser lembrada em todos os livros (ou e-livros) de economia e direito em
um futuro no qual sejamos nós ou nossos netos realmente livres, por termos
aprendido a defender a liberdade tanto para nós quanto para nossos semelhantes.
Moro na Inglaterra ha quase 10 anos. Tenho um iPad, e mais de 200 livros nele, a maioria comprada na Amazon. Custam as vezes 3 vezes menos que os impressos, voce os baixa imediatamente e comeca a ler. E as grandes obras da literatura (Shakespeare, Milton, Dickens, ensaios sobre literatura, lendas populates, etc) normalmente sao GRATUITOS. Alem disso, existe um site maravilhoso chamado Internet Archive que disponibiliza livros raros, escaneados de bibliotecas, que podem ser baixados (gratuitamente) no Kindle ou outros formatos.
ResponderExcluirTenho o iPad ha dois anos, e mais de 200 livros, e comprei o iPad porque nao tinha mais lugar para colocar livros em casa - desde que mudei pra ca, adquiri mais de 300 livros impressos, a maioria de segunda mao, mas ate mesmo algumas primeiros edicoes, todos a precos extremamente convenientes, e nao carissimos como no Brasil.
Nao espero que o Brasil tenha a abundancia literaria daqui. Considero o acesso ao livro e a educacao a melhor coisa daqui, e me entristece muito ver que associacoes que deveriam aplaudir tecnologias que permitem o acesso ao livros e a promocao e divulgacao de novos autores (Tenho um amigo que publicou seu
livro na Amazon, que o vende a um preco muito barato, mas recebe algo por ele - tudo via ebook).
Essa atitude contra o ebook e lamentavel e DEFINITIVAMENTE autoritaria, medieval e antidemocratica.