Antonio Contente
O repetido dito de que a vida imita a arte acabou adquirindo, com o tempo, certos ares de anexim. E pode ser aplicado em qualquer daquelas que, antigamente, se chamavam de “manifestações do espírito”: literatura, poesia, pintura, escultura etc. O título desta crônica, por exemplo, refere-se a conhecido samba canção gravado pela primeira vez em 1959, e que permanece com grande audiência. Certamente porque sua letra, acompanhada de belíssima melodia, traça retrato esplêndido das relações de amor conflituosas em que as figuras da amante e da esposa buscam, cada uma a seu modo, lugar nos corações e nas mentes dos envolvidos. Que ao fim e ao cabo, pelo menos na peça em questão, faz com que o homem se saia bem no modo de amar que queria. Sobrenadou sobre os conflitos.
Na verdade essa música guarda, nas suas entranhas, alguns halos de lenda, a começar pelo equívoco sobre sua autoria, nascido assim que caiu no gosto popular. É que, como um dos grandes compositores das ditas “dores de cotovelo” (olha ai a vida imitando a arte) na época era o gaúcho Lupiscínio Rodrigues, autor de tantos clássicos, imediatamente a ele se atribuiu a criação do lindo “Matriz e Filial”. Engano que, de resto, permanece. Dia desses, na nossa mesa matinal no Café Regina, o empresário do setor imobiliário Pedro Porto, musicólogo de respeito, corrigiu alguém que se referiu à composição badaladíssima como sendo do criador de “esses moços, pobres moços, ah se soubessem que eu sei”...
Apenas para mais uma vez colocar as coisas no seu devido lugar sem, naturalmente, querer me comparar ao cronista, poeta e compositor Zeza Amaral e ao jornalista Edmilson Siqueira, mestres no quesito música popular, vou repisar que o samba canção agora colocado neste espaço é de autoria, letra e música, do santista Lúcio Cardin (1932-1982), criador também, lembre-se, de outras 250 composições, entre as quais pelo menos 90 foram gravadas. O sucesso maior, porém, restou por ser “Matriz e Filial”, que, entre tantos méritos, tornou-se uma espécie de marca registrada do cantor Jamelão (1913-2008). O hit segue a rolar por aí, com imensas audiências, nas vozes, entre outras, de Ângela Maria, Simone, Cauby Peixoto, Núbia Lafayette (maravilhosa!) e, como não poderia deixar de ser, Nelson Gonçalves.
Apenas para dar mais cor a este texto, e para repor na cabeça de quem não escuta há tempos o grande sucesso de Cardin, transcrevo trecho da letra que começa com uma espécie de lamento do apaixonado:
“Quem sou eu/ Pra ter direitos exclusivos sobre ela/ Se eu não posso sustentar os sonhos dela/ Se nada tenho/ E cada um/ Vale o que tem”...
Bom, para mais uma vez bater na velha história de que a vida realmente imita a arte, só eu, nas andanças de jornalista por ambientes os mais diversificados, de zonas de meretrício a igrejas, mansões de milionários a favelas, poderia adaptar o que o compositor colocou no papel a pelo menos duas dezenas de situações reais; vividas por pessoas com as quais, como se diz hoje, interagi.
Vejam agora que coisa interessante: a criação de Cardin insere-se, pelo menos em minha cabeça, num certo acontecimento que paira nos jornais e revistas sobre as esquisitíssimas entranhas da vida política nacional. Pois eis que, segundo li, as autoridades do Judiciário implementam levantamentos mais profundos sobre os gastos e mordomias de dona Marisa Letícia, a esposa do ex-(é mesmo ex?) presidente Lula. Tudo a partir das ações da sempre muda senhora em um escritório que manteve, não se sabe para que, em pleno Palácio do Planalto, ao lado do local em que trabalhava (?) o marido. Os investigadores levantaram o seguinte: muito do dinheiro valeriano repassado para o segurança lulista Freud Godoy, além de servir para pagar contas do mandatário de plantão também serviria para os luxos da primeira dama. Que, segundo garantem os responsáveis pela investigação, gastaria, de quebra, bela grana com cartões corporativos. Bom, alguém pode estar a perguntar: onde o samba canção de Lúcio Cardin entra na história? Entra, claro, no quesito da vida a imitar a arte. Pois se já está confirmado que dona Rosemary Noronha, a filial, gozava de fabulosas regalias (só viagens ao exterior no Aerolula foram 32), vocês já pensaram a matriz?...
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