quinta-feira, 23 de maio de 2013

Epitáfio de um general

Por Alexandre Garcia
Colunista da  agência “Alô  Comunicação”
Colunista da agência “Alô Comunicação”

Morreu na prisão o general Jorge Rafael Videla, condenado na Argentina a duas prisões perpétuas. Cumpriu só uma, pois não tem duas vidas. Se ainda tivesse, creio que faria tudo de novo. Morreu com a consciência tranquila de quem cumpre com o dever. Foi condenado porque assumiu tudo que se atribuiu ao Exército durante a guerra em que foram derrotadas duas organizações que pretendiam estabelecer no país um regime igual ao de Cuba. Desde a morte dele, não li nos jornais nada que não fosse a história escrita pelos derrotados. Testemunhei parte da história real quando eu era correspondente do “Jornal do Brasil” em países do Cone Sul.

O que vou contar está no livro que escrevi e que a Editora Globo lançou em 1990 e teve 12 edições, inclusive com várias semanas na lista dos mais vendidos. Nenhuma revelação de agora, portanto. Conheci o general Videla numa recepção na embaixada do Brasil, em 1975. Era general-de-brigada, sem comando, e, na conversa, disse que Brasil e Argentina desperdiçavam energias com a rivalidade, já que o verdadeiro inimigo estava dentro da Argentina, matando o povo para aterrorizá-lo e tomar o poder, aproveitando-se do governo fraco da viúva de Perón. Católico praticante, ia à missa com comunhão todos os dias. Foi “carola” até nos filhos: nove. Alto e magro, tinha o apelido de Pantera-cor-de-rosa.
Reencontrei-o um ano depois, quando eu cobria o encontro de Exércitos das Américas, em Montevidéu. Ele já era comandante do Exército. E me confidenciou: “Olhe, hoje há uma guerra interna na Argentina. Mas uma guerra estranha, em que apenas um lado está lutando: o lado da guerrilha e dos terroristas do ERP e dos Montoneros. Em breve, eles dominarão a Argentina e o Cone Sul, se não houver uma reação. Vai ser preciso entrarmos nessa guerra. Vai correr muito sangue. Pode ser o meu sangue ou de alguns de meus nove filhos. Mas será preciso correr sangue, ou não teremos paz”.
Em 24 de março de 1976, ele tirou a presidente fraca sob o aplauso da nação, entrou na guerra e venceu. Ameaçado, dez dias antes eu me mudara para Brasília, depois de ter sido sequestrado pelos Montoneros – a extrema esquerda – e perseguido de morte pela Triple A, a extrema direita. A partir de então, deixei de testemunhar os acontecimentos na Argentina.
Agora leio as notícias da morte de Videla. Dizem que morreu de hemorragia causada por uma queda na prisão. E todas as notícias o responsabilizam por conduzir uma “guerra suja”. Ora, a “guerra suja” já existia. Uma bomba posta na lanchonete perto de meu escritório na Florida obrigou os bombeiros a lavar com mangueiras o sangue na rua. Metralhavam filas de ônibus para que o povo os respeitasse pelo terror. Tinham metralhadoras antiaéreas tchecas no território liberado de Tucuman; sequestravam e torturavam até a morte as suas vítimas. Mantinham tribunais revolucionários com execuções em seguida. Videla, então, entrou nessa “guerra suja”.
E venceu. Não o perdoam por ter impedido um regime totalitário marxista na Argentina. Quanto à “guerra suja”, pergunto: que guerra não é suja? Nem mesmo as dos exércitos do papa. O lado aliado, na II Guerra, não relata a sujeira porque a história é escrita pelos vencedores. Menos por estas bandas.

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