O ex-ministro Maílson da Nóbrega considera a federação mais brasileira como uma das mais descentralizadas do mundo. Você concorda?
Por Klauber Cristofen Pires
Em tempo, esta edição merece
outros comentários à parte, com destaque para a entrevista nas páginas amarelas
com Wendy Kopp, “Uma missionária da educação”, às pág. 19 a 23), que fundou uma
formidável rede de ensino formada por voluntários cooptados entre os melhores
alunos das faculdades de cada país, com retumbante sucesso no mundo
todo....exceto no Brasil, em que o projeto está temporariamente suspenso por
conta da burocracia trabalhista.
Outra reportagem que merece
atenção é a da capa, “A República Bolivariana do Brasil”, às pág. 64 a 73, em
que a revista denuncia corretamente as repetidas investidas do PT contra a
democracia, o estado de direito e as liberdades individuais, mas
inexplicavelmente os atribui a uma imaginada “ala radical” do partido, bem como
isenta completamente a presidente Dilma Roussef.
Por fim, ainda aconselharia oportunamente
os leitores a lerem a matéria “Sacudida no Brasil arcaico”, às pág. 74 a 76 na
qual a revista considera como um avanço um projeto do governo de unificação das
alíquotas do ICMS, sendo que, de minha opinião, em princípio, tal lei seria
inconstitucional, por avançar sobre a autonomia dos estados, ferindo ainda mais
o regime federativo que o Dr. Maílson, o idealizador da política “feijão com
arroz”, considera como um dos mais descentralizados do mundo.
Voltemos então à questão
suscitada: Será o nosso federalismo realmente um dos mais descentralizados?
Segundo o ex-ministro, as
queixas sobre excessivo centralismo nas mãos da União são infundadas, haja
vista que, considerando o atual regime constitucional de repartição das
receitas tributárias, cabe à União 58%, um percentual compatível com as suas
obrigações, enquanto que restam 42% aos estados e municípios. Ressalta ainda
que tomando por fato que estes entes federados engajaram-se adrede em campanhas
pela majoração das transferências, a União teve de lançar mão das contribuições
sociais, sobre cuja receita detém o monopólio de uso exclusivo, como forma de
atender aos progressivos aumentos de despesas, entre as quais, principalmente,
com o INSS, de tal forma que isto fez subir a carga tributária de 21% para 36%.
Os leitores devem perceber
aqui uma espécie de desvirtuamento do debate para que este pudesse alcançar os
fins colimados por seu autor.
Por primeiro, uma divisão
constitucional de receitas não reforça um sistema federalista, mas ao contrário,
sufoca-o, na medida em que neutraliza os esforços dos respectivos estados em
manterem-se austeros e proporcionarem aos seus cidadãos meios efetivos de
prosperarem. O que se tem aqui é o efeito barzinho: quando todos repartem a
conta, uns beberão mais às custas dos outros, e a conta sairá mais alta do que
se cada um solicitasse a sua comanda individualmente.
Além disso, outros desvirtuamentos
têm lugar: com relação às transferências de receitas voluntárias da União para
estados e municípios, para execução de programas sob convênios e parcerias, a
União tem a prerrogativa de fiscalizar a aplicação dos recursos por meio de sua
Controladoria-Geral (CGU) e aqui vale relembrar um fato muito grave, mas que,
infelizmente, não ganhou o destaque na mídia tradicional, que foi a denúncia de
que a CGU estaria viciando o sorteio dos municípios a serem sorteados, com
fortes suspeitas de beneficiarem prefeituras governadas pelo PT, que estariam
sendo excluídas.
Ademais, o serviço da dívida
pública federal também não serve de justificativa, porquanto ela própria é
decorrente dos vícios do centralismo. Por fim, considerados os casos mais que
notáveis de desperdícios e má aplicação de recursos públicos federais, não há
que se falar de carência de receitas, mas de um avanço considerável do poder da
União frente às entidades que governam as instâncias locais e regionais e em
última instância, aos cidadãos, num claro movimento contrário ao princípio da
subsidiariedade.
Mas, avaliemos com mais
curiosidade: cumpre-nos avaliar sob o aspecto histórico o desenvolvimento dos
regimes federais dos Estados Unidos e do Brasil: naquele país, várias colônias
com diferentes religiões, culturas e economias uniram-se para formar a União,
sendo que para tal consignaram a esta algumas tarefas e poderes legislativos essenciais,
de modo que, tudo o mais restante permanecesse sob a competência originária dos
estados. No Brasil, ao contrário, herdamos uma tradição unitarista imperial,
com alguma autonomia municipal. Consoante, até a nossa atual constituição em
vigor prevê aos municípios um peculiar, pra não dizer bizarro, status de unidade federativa.
Quanto aos estados, a nossa
constituição chegou a ser irônica: num átimo de formalmente imitar a tradição
norte-americana, que teria inspirado o golpe republicanista, foi consagrado no §1º do Art. 25 – “São reservadas aos Estados as
competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição”. Não obstante,
antes, tratou de assegurar à União praticamente todas as competências
legislativas, além de reservar para si a competência para legislar sobre normas
gerais em competências concorrentes.
Em 1999, diversos estados,
inclusive o Pará, tinham em suas respectivas constituições a proibição expressa
da reeleição para o cargo de governador, o que suscitou várias ações diretas de
inconstitucionalidade estadual para aquele ano; no entanto, a Emenda
Complementar nº 16 de 04/06/1997 veio a inovar as regras com ampla invasão das
autonomias estadual e municipal, ao estatuir no § 5º do Art. 14 que “O
Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os
Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos
poderão ser reeleitos para um único período subsequente”. Qualquer pessoa
versada minimamente em lógica percebe que o verbo “poder” traduz uma potência, e
que coerentemente harmonizada com o Art. 60, § 4º, I – “Não será objeto de
deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: a
forma federativa de Estado” se não fulminasse tal emenda complementar já
enquanto proposta, ao menos conduziria a uma interpretação que facultasse aos
estados e municípios aceitar a candidatura aos cargos de governador e prefeitos
para uma segunda vez segundo suas próprias constituições estaduais e leis
orgânicas municipais, respectivamente. Contudo, não foi tal a conclusão da
parte dos doutos em Direito, para os quais há uma comistão entre dever e poder
tal que assim descrevem: “o poder-dever”.
No plano tributário, as
autonomias estaduais viram letra morta ao sujeitarem-se a um órgão tanto
inconstitucional quanto anti-federalista: o Conselho Nacional de Política
Fazendária – Confaz.
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