segunda-feira, 6 de maio de 2013

O quê o Sr. Maílson da Nóbrega entende por Federalismo?


O ex-ministro Maílson da Nóbrega considera a federação mais brasileira  como uma das mais descentralizadas  do mundo. Você concorda?
Por Klauber Cristofen Pires


“A federação brasileira é uma das mais descentralizadas no mundo”. Assim começa o artigo do economista e ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, à pág. 31 da Veja º 2319, de 1º de maio de 2013.

Em tempo, esta edição merece outros comentários à parte, com destaque para a entrevista nas páginas amarelas com Wendy Kopp, “Uma missionária da educação”, às pág. 19 a 23), que fundou uma formidável rede de ensino formada por voluntários cooptados entre os melhores alunos das faculdades de cada país, com retumbante sucesso no mundo todo....exceto no Brasil, em que o projeto está temporariamente suspenso por conta da burocracia trabalhista. 

Outra reportagem que merece atenção é a da capa, “A República Bolivariana do Brasil”, às pág. 64 a 73, em que a revista denuncia corretamente as repetidas investidas do PT contra a democracia, o estado de direito e as liberdades individuais, mas inexplicavelmente os atribui a uma imaginada “ala radical” do partido, bem como isenta completamente a presidente Dilma Roussef.

Por fim, ainda aconselharia oportunamente os leitores a lerem a matéria “Sacudida no Brasil arcaico”, às pág. 74 a 76 na qual a revista considera como um avanço um projeto do governo de unificação das alíquotas do ICMS, sendo que, de minha opinião, em princípio, tal lei seria inconstitucional, por avançar sobre a autonomia dos estados, ferindo ainda mais o regime federativo que o Dr. Maílson, o idealizador da política “feijão com arroz”, considera como um dos mais descentralizados do mundo.

Voltemos então à questão suscitada: Será o nosso federalismo realmente um dos mais descentralizados?

Segundo o ex-ministro, as queixas sobre excessivo centralismo nas mãos da União são infundadas, haja vista que, considerando o atual regime constitucional de repartição das receitas tributárias, cabe à União 58%, um percentual compatível com as suas obrigações, enquanto que restam 42% aos estados e municípios. Ressalta ainda que tomando por fato que estes entes federados engajaram-se adrede em campanhas pela majoração das transferências, a União teve de lançar mão das contribuições sociais, sobre cuja receita detém o monopólio de uso exclusivo, como forma de atender aos progressivos aumentos de despesas, entre as quais, principalmente, com o INSS, de tal forma que isto fez subir a carga tributária de 21% para 36%.

Os leitores devem perceber aqui uma espécie de desvirtuamento do debate para que este pudesse alcançar os fins colimados por seu autor.

Por primeiro, uma divisão constitucional de receitas não reforça um sistema federalista, mas ao contrário, sufoca-o, na medida em que neutraliza os esforços dos respectivos estados em manterem-se austeros e proporcionarem aos seus cidadãos meios efetivos de prosperarem. O que se tem aqui é o efeito barzinho: quando todos repartem a conta, uns beberão mais às custas dos outros, e a conta sairá mais alta do que se cada um solicitasse  a sua comanda individualmente.

Além disso, outros desvirtuamentos têm lugar: com relação às transferências de receitas voluntárias da União para estados e municípios, para execução de programas sob convênios e parcerias, a União tem a prerrogativa de fiscalizar a aplicação dos recursos por meio de sua Controladoria-Geral (CGU) e aqui vale relembrar um fato muito grave, mas que, infelizmente, não ganhou o destaque na mídia tradicional, que foi a denúncia de que a CGU estaria viciando o sorteio dos municípios a serem sorteados, com fortes suspeitas de beneficiarem prefeituras governadas pelo PT, que estariam sendo excluídas.

Ademais, o serviço da dívida pública federal também não serve de justificativa, porquanto ela própria é decorrente dos vícios do centralismo. Por fim, considerados os casos mais que notáveis de desperdícios e má aplicação de recursos públicos federais, não há que se falar de carência de receitas, mas de um avanço considerável do poder da União frente às entidades que governam as instâncias locais e regionais e em última instância, aos cidadãos, num claro movimento contrário ao princípio da subsidiariedade.  

Mas, avaliemos com mais curiosidade: cumpre-nos avaliar sob o aspecto histórico o desenvolvimento dos regimes federais dos Estados Unidos e do Brasil: naquele país, várias colônias com diferentes religiões, culturas e economias uniram-se para formar a União, sendo que para tal consignaram a esta algumas tarefas e poderes legislativos essenciais, de modo que, tudo o mais restante permanecesse sob a competência originária dos estados. No Brasil, ao contrário, herdamos uma tradição unitarista imperial, com alguma autonomia municipal. Consoante, até a nossa atual constituição em vigor prevê aos municípios um peculiar, pra não dizer bizarro, status de unidade federativa.

Quanto aos estados, a nossa constituição chegou a ser irônica: num átimo de formalmente imitar a tradição norte-americana, que teria inspirado o golpe republicanista, foi consagrado no §1º do Art. 25 – “São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição”. Não obstante, antes, tratou de assegurar à União praticamente todas as competências legislativas, além de reservar para si a competência para legislar sobre normas gerais em competências concorrentes.

Em 1999, diversos estados, inclusive o Pará, tinham em suas respectivas constituições a proibição expressa da reeleição para o cargo de governador, o que suscitou várias ações diretas de inconstitucionalidade estadual para aquele ano; no entanto, a Emenda Complementar nº 16 de 04/06/1997 veio a inovar as regras com ampla invasão das autonomias estadual e municipal, ao estatuir no § 5º do Art. 14 que “O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subsequente”. Qualquer pessoa versada minimamente em lógica percebe que o verbo “poder” traduz uma potência, e que coerentemente harmonizada com o Art. 60, § 4º, I – “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: a forma federativa de Estado” se não fulminasse tal emenda complementar já enquanto proposta, ao menos conduziria a uma interpretação que facultasse aos estados e municípios aceitar a candidatura aos cargos de governador e prefeitos para uma segunda vez segundo suas próprias constituições estaduais e leis orgânicas municipais, respectivamente. Contudo, não foi tal a conclusão da parte dos doutos em Direito, para os quais há uma comistão entre dever e poder tal que assim descrevem: “o poder-dever”.  

A Constituição federal de 1988, a esquizofrênica, é pródiga em enunciar um valor jurídico qualquer e neutralizá-lo nos parágrafos e incisos seguintes, e a questão do federalismo é uma das mais hilárias: por exemplo, limita o quantitativo e os salários dos deputados estatuais e vereadores, emite normas gerais sobre organização das polícias militares, civis e corpos de bombeiros, bem como sobre licitações e vários assuntos de interesse mais regional do que nacional.  Recentemente, o estado de Santa Catarina mantinha um sistema privatizado de defensores públicos, que eram contratados em meio a advogados particulares, sendo que por conta da “Carta Magna” viu-se obrigado a constituir uma dispendiosa Defensoria Pública com defensores concursados.

No plano tributário, as autonomias estaduais viram letra morta ao sujeitarem-se a um órgão tanto inconstitucional quanto anti-federalista: o Conselho Nacional de Política Fazendária – Confaz. 

Concluindo: a verdade é que, fora nomes de ruas e placas de proibido fumar, estados e municípios não têm autonomia para quase mais nada. Como, pois, chamar isto de federalismo? 

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