Gustavo Miquelin Fernandes
A ratio essendi de toda crítica é estética, cultural e, sobretudo, moral, sempre amparada no mais absoluto juízo de sinceridade – tão necessário, tanto pelo lado do emissor que se pede livre, como do receptor, que reclama a neutralidade.
Há que cortar na pele, inclusive. De tão importante a auto-crítica, que no campo religioso chega a assumir condão de requisito fundamental para a ascese ou iluminação pessoal. Na secular mística, como exemplo para melhor ilustrar, a tradicional orientalidade já falava disso como passo necessário para, ainda em exemplo, no esquema hindu, atingir o “moksha” e desvencilhar-se da necessariedade da “roda de encarnações”.
Maria Ferreira dos Santos falava em “bárbaros intramuros” – em analogia pra lá de realista e que deposita a inépcia onde ela mesma está. E há muita carne pra cortar, sendo o corpo podre.
I. Kant que pregava a libertação da tirania (individual e coletiva) descreve a seguinte passagem:
“Iluminação é um homem liberto da auto-incorrida tutela. Tutela é a incapacidade de usar o seu próprio entendimento sem ser guiado por outro.” (What Is Enlightenment?)
O que aflige, e deve mesmo preocupar é que tal degradação moral anda de mão atada à práxis política, social e cultural – perfazendo um clima horrivelmente cínico, inculto, adulador e totalizante. Há sempre a comunicação desses vasos. E na ponta desses acontecimentos e processos, movimentos interessados, pessoas muitas vezes incônscias de sua atuação concreta e o espírito do mal mesmo, que se ontologicamente é dito que não existe, sendo apenas ausência do elemento “bem” – não saberia como explicar como ele anda por aí e destrói tanto, tendo positividade sobre a matéria.
A sociedade, que certamente não existe, é apenas um olhar mais amplo, do continente que são indivíduos, esses desgraçados, que se desgraçam uns aos outros.
Urge, assim a auto-crítica sincera (e não somente a crítica generalizada, que é unânime hoje em dia), seguida de ação produtiva.
Realidades ultra-complexas reclamam diagnósticos artificial e excessivamente simplórios, esquadrinhados de tal forma que a menor das mentalidades e todos receptores dessa anamnese reconheçam, incontinente, o status quo, a penúria do meio incrustado e a total inabilidade de lidar, com os manejos tradicionais, com a situação real, que neste caso, passa de urgente.
Não se trata de engenharia social, que envolve processos demasiado sofisticados, subliminares e imorais, mas sim de simples resenha que, sem desideratos maiores, ante a refração do meio e a incompreensão generalizada da ambiência hegemônica, pretende de forma honesta fazer a contribuição, ainda que parca.
Grosso modo, a cosmovisão da atualidade, quase meio que uma projeção-clichê se sustenta em três pilastras, umbilicalmente ungidas e por demais arraigadas, a saber:
a)a degradação educacional;
b) a degradação cultural; e
c) apatia política;
A primeira alínea, que é a base de um povo, aquela instrução elementar foi, como sabido, historicamente destruída e assim permanece conscientemente pelos fatores de ação do establishment, e que contam, ainda muito ideologizada, com erros metodológicos grosseiros e de uma inépcia superior. As universidades, tirante exceções bem tópicas, tornaram-me “longa manus” de órgãos constituídos de Poder, gerando aquilo que certa doutrina chama “intelectuais orgânicos”, devotados deificamente à aglomerações partidárias e de fundo classista.
E assim não cumprem com o dever-último que é o ensinar.
Assim, de modo coletivista, nada poderá salvar a Educação. Há que se pensar em outras maneiras de encarar o problema.
No campo cultural, em atenção a alínea “b”, vive-se a época da “junker-cultura”, da filosofia pop, da cultura massificada, das consultas virtuais rápidas, da Wiki-sabedoria. Um desprezo quase que obrigatório pelo classicismo literário, por elementos mais conservadores da orientação intelectual. A alta cultura, totalmente epidérmica no pais, focada em pontos muitos minguados da terra, é a complementação ou “segundo ato” daquela primeira educação elementar, e não apenas válvula de escape ou simples mecanismo de entretenimento.
Outrossim, também completamente abandonada em nosso meio; basta abrir os jornais e verificar motu proprio. Ou então, verificar os eventos patrocinados com dinheiro de tributos e levados a cabo por Prefeituras Municipais e demais entes federados. É tudo menos cultura. É propaganda, proselitismo, exposição de ideias; cultura jamais.
E no terceiro ponto, a profundo apolitismo ou apatia, viciados que somos como “animais políticos”, em razão, simplificadamente, de dois aspectos que considero fundamentais. A mentalidade estatista (subprojecionada em outros campos como o concursismo, o federalismo atípico, a burocracia, a dependência financeira de classes menos favorecidas, etc.). Também contaminados por uma ideologia perversa (não no sentido que Marx lhe emprestava, mas no sentido de ideias defendidas justamente a um determinado fim) a respeito de valores atemporais caros como “democracia, justiça social, inclusão, capitalismo”, etc. – que pessoas, inclusive tidas como “intelectuais’, fazem questão de, maldosamente, disseminar com roupagem viciada.
É tempo de pensar nisso. Se antes não era, agora passou da hora. Talvez em outro tempo, tivesse razão Olavo Bilac quando asseverou: “Nosso mal tem sido este: quisemos ter estátuas, academias, ciência e arte, antes de ter cidades, esgotos, higiene, conforto”. Progresso material deve correr ao lado do progresso espiritual do povo. Isso é elementar.
Há que se reconhecer que, ao lado de uma miséria material e pobreza absoluta, ainda que tentativas propagandísticas governamentais de fundo econômico tentem amenizar o caos, vive, em absoluta paz e tranquilidade, uma total débâcle, sumamente atestada de qualquer ângulo que se observe de forma honesta.
Sem cultura, sem educação, sem comprometimento político. Há está nosso mal. Há crítica é ampla. Dirige-se a “eles” e a “nós”, aos “altos” e aos “baixos”.
Nada há que se possa fazer, no curto prazo; diagnósticos são as primeiras e, por ora, únicas medidas.
Já é bom começo.