quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Câmara aprova Mais Médicos após sete horas de votação

Por Marcela Mattos, na VEJA.com


Mesmo sem o governo explicar os detalhes do contrato firmado com o regime cubano para a importação de médicos nem apresentar argumentos convincentes para a não-revalidação do diploma de estrangeiros, a Câmara dos Deputados aprovou, já na madrugada desta quarta-feira, o texto base da Medida Provisória que cria o programa Mais Médicos. A matéria visa superar o déficit de profissionais atuando na atenção básica do Sistema Único de Saúde (SUS).

A Medida Provisória foi aprovada, em votação simbólica, após mais de sete horas de debates no plenário e de uma sequência de tentativas de obstruir a matéria. Parlamentares contrários à proposta apresentaram doze requerimentos para retirar o tema de pauta ou impor medidas protelatórias. A votação dos destaques — alterações ao texto principal — vai ser retomada na tarde desta quarta-feira. Depois de concluída a votação, o texto segue para o Senado, onde tem de ser aprovado até 5 de novembro para não perder a validade.
Lançada após a onda de manifestações de junho, a MP dos Médicos foi criada às pressas e sem qualquer diálogo com as entidades de saúde. Como consequência, enfrentou resistência da categoria médica e logo teve de recuar de um dos principais pontos: a obrigação dos estudantes de medicina de atuar por dois anos no SUS. A proposta original previa um segundo ciclo na grade curricular e ampliava o curso de medicina de seis para oito anos.
A aprovação da Medida Provisória no Congresso ocorre ao mesmo tempo em que o governo enfrenta na Justiça uma série de ações contrárias ao programa e tem de alterar o processo de concessão dos registros para garantir a chegada dos estrangeiros aos rincões do país. O Supremo Tribunal Federal pode anular completamente a validade da matéria caso considere que o texto é inconstitucional. O ministro Marco Aurélio Mello, relator do caso, vai ouvir apelos do governo e das entidades no fim de novembro.
Resistência
Quase metade dos médicos estrangeiros ainda não está atendendo a população carente por entraves burocráticos. Eles ainda não têm o registro provisório, documento liberado pelos conselhos de medicina, que permite a atuação dos estrangeiros. Para destravar o processo, na reta final da análise da matéria, o governo conseguiu emplacar uma mudança no texto que retira dos conselhos e passa para o Ministério da Saúde a prerrogativa de conceder os registros aos profissionais estrangeiros.
Nesta terça-feira, o Conselho Federal de Medicina (CFM), um dos principais críticos do projeto, anunciou que fez um acordo com o governo e que não vai se opor à prerrogativa de o ministério conceder o registro aos intercambistas. Em troca, o conselho conseguiu excluir do texto a criação de um fórum formado por diversas entidades para determinar diretrizes sobre o setor, visto como uma ameaça para a livre atuação das entidades médicas.
Apesar da contrariedade das entidades, o governo conseguiu manter no texto um dos principais pontos de discordância: a importação de profissionais estrangeiros, entre eles os cubanos, sem a exigência do Revalida – exame obrigatório para que profissionais formados no exterior atuem no Brasil. O governo justifica a mudança alegando que tais médicos apenas trabalharão na atenção básica. A revalidação do diploma permite o exercício pleno da profissão.
Uma pequena mudança a respeito da revalidação do diploma foi aprovada. Pelo texto, o médico intercambista estará habilitado a exercer a profissão sem o teste de capacitação nos três primeiros anos de participação. Passado esse período, se o profissional quiser prorrogar sua permanência no Mais Médicos, ele terá de passar pelo exame.
Durante os debates , parlamentares argumentaram que a aprovação da MP seria um perigo à sociedade. “O governo não exige a tradução básica de um documento para garantir a fluência no português, não exige um diploma de capacitação, não registra seus trabalhadores na carteira de trabalho. Esse texto coloca toda a população em risco. São profissionais de capacidade questionável”, afirmou o deputado e médico Luiz Mandetta (DEM-MS). “Nós defendemos, sim, um atendimento de qualidade, mas não um processo eleitoreiro. Peço um pouco mais de espírito público para o Ministro da Saúde. Não só espírito público, mas que tenha a humildade de vir aqui negociar e não destruir a nossa área”, emendou o deputado Eleuses Paiva (PSD-SP), também médico.
Cubanos
Os estrangeiros, de acordo com o governo, serão convocados apenas quando as vagas não forem preenchidas por brasileiros. Apesar de prestestar uma prioridade aos médicos nacionais, uma série de facilidades foi concedida àqueles vindos do exterior: além de não passarem por uma prova de capacitação, a MP prevê que basta um curso de três semanas fornecido pelas universidades para atestar a fluência na língua portuguesa, o que coloca pode comprometer a comunicação entre médico e paciente
A meta do governo é enviar mais de 15.000 profissionais aos rincões do país até 2020. Esses profissionais, sem suporte de qualquer vínculo trabalhista, receberão uma bolsa mensal de 10 000 reais — à exceção dos cubanos, que foram submetidos a um contrato diferenciado com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e terão de enviar boa parte de seu salário para Cuba. Até hoje a Opas não apresentou detalhes sobre a contratação dos médicos cubanos.
Eleitoreira
A MP dos Médicos tornou-se prioridade do governo pelo forte apelo eleitoral: além de integrar o conjunto de medidas para responder às manifestações de junho, virou vitrine política do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, pré-candidato ao governo de São Paulo. De olho nas próximas eleições, o governo montou uma proposta com foco apenas em mudanças paliativas, deixando de fora as principais reivindicações da categoria médica, como a criação de carreira de estado para os profissionais e melhor estrutura para o SUS – medidas apontadas como a solução para o déficit de médicos no interior do Brasil.