Por Miguel Nagib - Advogado e fundador da Escola sem Partido
É
lícito ao professor, a pretexto de “despertar a consciência
crítica dos alunos” – ou de “formar cidadãos”, “construir
uma sociedade mais justa”, “salvar o planeta”, etc. –, usar a
situação de aprendizado, a audiência cativa dos alunos e o recinto
fechado da sala de aula para tentar obter a adesão dos estudantes a
uma determinada corrente ou agenda política ou ideológica?
Com
outras palavras: é lícito ao professor tentar “fazer a cabeça”
dos alunos?
A
resposta a essa pergunta está no art. 206 da Constituição Federal,
que diz o seguinte:
Art.
206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
II
- liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento,
a arte e o saber;
Como
se vê, ao lado da liberdade de ensinar dos professores – a chamada
liberdade de cátedra –, a Constituição Federal também garante a
liberdade de aprender dos estudantes.
Seja
qual for, na sua máxima extensão, o conteúdo jurídico dessa
liberdade de aprender, uma coisa é certa: ele compreende o direito
do estudante a que o seu conhecimento da realidade não seja
manipulado pela ação dolosa ou culposa dos seus professores. Ou
seja: ele compreende o direito do aluno de não ser doutrinado
por
seus professores.
Esse
direito nada mais é do que a projeção específica, no campo da
educação, da principal liberdade assegurada pela Constituição: a
liberdade de consciência.
A
liberdade de consciência é absoluta. Os indivíduos são 100%
livres para ter suas convicções e opiniões a respeito do que quer
que seja. Ninguém pode obrigar uma pessoa, direta ou indiretamente,
a acreditar ou não acreditar em alguma coisa. O Estado pode
obrigá-la a fazer ou não fazer alguma coisa, mas não pode
pretender invadir a consciência do indivíduo para forçá-lo ou
induzi-lo a ter essa ou aquela opinião sobre determinado assunto.
Isto só acontece em países totalitários como Cuba e Coreia do
Norte.
Como
o ensino obrigatório
não anula e não restringe a liberdade de consciência do indivíduo
– do contrário, ele seria inconstitucional –, o fato de o
estudante ser
obrigado a
assistir às aulas de um professor impede terminantemente que este se
utilize de sua disciplina, intencionalmente ou não, como instrumento
de cooptação política ou ideológica.
Portanto,
com base no art. 206 da CF, pode-se definir juridicamente a prática
da doutrinação política e ideológica em sala de aula como sendo o
abuso
da liberdade de ensinar do professor em prejuízo da liberdade de
aprender do estudante.
Esse
abuso da liberdade de ensinar também compromete gravemente a
liberdade política dos alunos, já que o fim último da doutrinação
é induzir o estudante a fazer determinadas escolhas políticas e
ideológicas. E como se alcança esse resultado? Mediante a
desqualificação sistemática de todas as correntes políticas e
ideológicas menos uma: aquela que desfruta da simpatia do professor.
Dessa
forma, os estudantes são induzidos
a
fazer determinadas escolhas; escolhas que beneficiam, direta ou
indiretamente, os movimentos, as organizações, os partidos e os
candidatos que desfrutam da simpatia do professor ou que contam com a
sua militância.
Sendo
assim, não há dúvida de que esses estudantes estão sendo
manipulados e explorados
politicamente
por seus professores, o que ofende o art. 5º do Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA), segundo o qual “nenhuma
criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de
exploração”.
É
certo que o professor doutrinador não se vale da violência para
constranger os alunos. Mas, ao estigmatizar determinadas perspectivas
políticas e ideológicas, a doutrinação cria as condições para
um tipo de constrangimento muito menos sutil: o bullying
político
e ideológico que é praticado pelos próprios estudantes contra seus
colegas. Em certos ambientes, um aluno que assuma publicamente uma
militância ou postura que não seja a da corrente dominante corre
sério risco de ser isolado, hostilizado e até agredido fisicamente
pelos colegas. E isto se deve, principalmente, ao ambiente de
sectarismo criado pela doutrinação.
Professor
doutrinador é aquele que usa suas aulas para tentar transformar seus
alunos em réplicas ideológicas de si mesmo. Assim agindo, porém, o
professor infringe o art. 53 do Estatuto da Criança e do
Adolescente, que garante aos estudantes “o
direito de ser respeitado por seus educadores”.
Com efeito, um professor que deseja transformar seus alunos em
réplicas ideológicas de si mesmo evidentemente não os está
respeitando.
Por
fim, a prática da doutrinação ideológica configura uma afronta ao
próprio regime democrático, já que ela instrumentaliza o sistema
público de ensino e os estudantes com o objetivo de desequilibrar
o jogo político em
favor de um dos competidores.
Em
suma, o professor que usa suas aulas para “fazer a cabeça” dos
alunos, por mais justas e elevadas que lhe pareçam as suas
intenções, está desrespeitando, ao mesmo tempo, a Constituição
Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Cabe
às autoridades educacionais e aos responsáveis pelas escolas –
públicas e privadas – adotar medidas eficazes para coibir essa
prática covarde, antiética e ilegal. E cabe ao Ministério Público
– a quem a Constituição Federal atribui “a
defesa da ordem jurídica e do regime democrático” e
a legislação ordinária, a defesa dos
interesses das crianças e dos adolescentes e dos consumidores –
exigir que essas medidas sejam adotadas.
E
que medidas são essas?
Muito
pode ser feito, não há dúvida. Mas o mais importante e urgente é
informar os alunos sobre o direito que eles têm de não ser
doutrinados por seus professores.
Trata-se,
aqui, mais uma vez, de um direito assegurado pela Constituição
Federal: o direito – que decorre do princípio constitucional da
cidadania (CF, art. 1º, II) – de ser informado sobre os próprios
direitos.
Conferindo
efetividade a esse princípio, o Código de Defesa do Consumidor –
que é aplicável no caso da relação professor-aluno, uma vez que o
professor é preposto do fornecedor dos serviços prestados ao aluno
– enumera entre os princípios da Política
Nacional das Relações de Consumo a “educação
e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus
direitos e deveres”
(art. 4º, inciso IV).
Além
disso, o art. 2º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(Lei 9.394/96) estabelece que uma das finalidades da educação é
preparar o educando “para
o exercício da cidadania”.
Assim,
tanto por força da Constituição, como por força do Código de
Defesa do Consumidor e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, as escolas públicas e privadas têm o dever jurídico de
educar e informar os estudantes sobre o direito que eles têm de não
ser doutrinados por seus professores.
Como
cumprir esse dever? É simples: basta afixar em locais onde possam
ser lidos por estudantes e professores (preferentemente nas salas de
aula, mas também nas salas dos professores) cartazes com os
seguintes preceitos:
1.
O professor não abusará da inexperiência, da falta de conhecimento
ou da imaturidade dos alunos, com o objetivo de cooptá-los para esta
ou aquela corrente político-partidária, nem adotará livros
didáticos que tenham esse objetivo.
2.
O professor não favorecerá nem prejudicará os alunos em razão de
suas convicções políticas, ideológicas, religiosas, ou da falta
delas.
3.
O professor não fará propaganda político-partidária em sala de
aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos
públicos e passeatas.
4.
Ao tratar de questões políticas, sócio-culturais e econômicas, o
professor apresentará aos alunos, de forma justa – isto é, com a
mesma profundidade e seriedade –, as principais versões, teorias,
opiniões e perspectivas concorrentes a respeito.
5.
O professor não criará em sala de aula uma atmosfera de
intimidação, ostensiva ou sutil, capaz de desencorajar a
manifestação de pontos de vista discordantes dos seus, nem
permitirá que tal atmosfera seja criada pela ação de alunos
sectários ou de outros professores.
Negar
aos alunos o conhecimento desses deveres do professor é o mesmo que
sonegar-lhes as condições mínimas necessárias ao exercício da
cidadania dentro da própria escola!
Portanto,
é necessário e urgente educar
e informar os
estudantes sobre os direitos compreendidos na sua liberdade de
aprender, a fim de que eles mesmos possam exercer a defesa desses
direitos, já que, dentro da sala de aula, ninguém mais poderá
fazer isso por eles.
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