Ajuste previdenciário é prolongamento de um sistema falido
Um dos principais pontos do ajuste fiscal a ser promovido pelo PT para tentar conter a sangria de dinheiro público criado pelo próprio partido é uma diminuição das concessões de benefícios previdenciários, criando-se o sistema 85/95. De acordo com o Ministro da Previdência Social, o atual sistema previdenciário é bom e só precisa de ajustes, sendo um desses ajustes a implantação de um sistema onde as mulheres se aposentam com 85 anos e os homens com 95 anos, pois, também de acordo com o Ministro, a expectativa de vida do brasileiro é de 84 anos e um brasileiro se aposenta, em média, com 54 anos.
Podemos começar argumentando que, embora estudos da iniciativa privada e do setor público apontem que um brasileiro realmente se aposenta na média com 55 anos, a expectativa de vida do brasileiro não é de 84 anos, mas de 74,0 anos, sendo a expectativa de vida dos homens de 71,3 anos e das mulheres de 78,6 anos. Com esses dados, já podemos refutar alguns argumentos do Ministro.
A primeira refutação se dá no tempo médio de aposentadoria, que não é de 30 anos, como argumenta o Ministro, mas de 20 anos. Além disso, um sistema em que um homem, que vive em média 7,3 anos a menos que as mulheres, passaria a se aposentar dez anos depois das mesmas, praticamente condena o homem a uma vida de trabalho, sendo descontado dele um custo previdenciário que nunca lhe será retornado.
Apresentadas essas pequenas correções pontuais, o raciocínio seguinte é mais intrigante: qual o problema em se aposentar? Quando o Ministro conclama ser um absurdo que alguém se aposente e fique 30 anos sem trabalhar (ou 20, se considerados os números aqui apresentados), o Ministro dá a entender que ser um aposentado é um fardo para a sociedade, e que a aposentadoria de alguém é algo intrinsecamente ruim. O problema é que isso só é ruim por conta do sistema previdenciário que adotamos.
O sistema previdenciário brasileiro padrão é o sistema de repartição. A ideia é bastante simples: um trabalhador ativo paga a aposentadoria dos aposentados de hoje na expectativa de que, quando ele vier a se aposentar, o trabalhador da ativa de amanhã pague pela sua aposentadoria. Esse sistema transforma, obviamente, o aposentado em um fardo para o trabalhador da ativa, assim como o aposentado de outrora foi um fardo para o trabalhador de outrora.
Um sistema previdenciário alternativo é o sistema de capitalização, utilizado no Brasil apenas marginalmente em contratos de previdência privada e complementação de previdência pública acima do teto. A ideia é que o trabalhador poupe parte do seu dinheiro, e esse dinheiro vai para um fundo de aplicações para, quando o trabalhador assim desejar, ele possa se aposentar usando o dinheiro que ele próprio poupou, ainda que compulsoriamente.
Nesse segundo sistema, se a pessoa quiser se aposentar com 40, 50, 60 ou 100 anos é problema do próprio indivíduo, pois arcando ele com os custos dessa previdência, se no futuro faltar dinheiro para sua própria aposentadoria, a responsabilidade será dele mesmo. A previdência se torna automaticamente sustentável, ao contrário do sistema de repartição, onde quanto mais o padrão de de vida e a expectativa de vida melhoram, mais prejuízo a sociedade tem.
Ficar reformando um sistema que não tem salvação é perda de tempo. Uma nova visão precisa ser implementada com urgência, sob pena de, na prática, a previdência social deixar de ser uma contribuição com finalidade de retorno para ser um simples tributo não retornável, já que nenhum brasileiro viverá o bastante para atingir a idade de aposentadoria a ser estipulada pelo governo.