O sonho decaído – mais uma vez
O ano marca as comemorações dos 35 anos de fundação do Partido dos Trabalhadores. Perguntamo-nos, intrigados, indignados, o que, afinal, há para se comemorar. A popularidade da presidente Dilma Rousseff, de acordo com a pesquisa do Datafolha, caiu de 42 % para 23 %. Números, sempre eles – os mesmos que aprendemos a discutir e questionar nas últimas eleições. Mas que tentam refletir o que a atmosfera já revela com clareza. Ao final dos doze anos de glória – infame glória! – dessa legenda vermelha, em que, com Lula e Dilma, ela esteve à frente do país, o que se escancara é a triste vocação de nossa pátria a abraçar as esperanças mais vãs, mais superficiais, pelo simples fato de serem mais barulhentas. O que se escancara é o aturdimento, velho conhecido, mas sempre reincidente, diante do fracasso que daí advém.
O fracasso de 1889, em que se esperava trazer, depondo o augusto imperador, a aurora republicana da ordem e do progresso, mas em que, infelizmente, o que se obteve foram as perseguições e os estados de sítio, a perpetuação de oligarquias em acordos patrimonialistas, os votos de cabresto. O fracasso de 1930, quando a difusa indignação derrubou a antiga ordem de coisas, para substituí-la por uma ditadura personalista e de viés fascista, sem prazo para terminar. O fracasso de 1945, quando, diante dos ideais democráticos por que se lutava mundo afora, não se poderia sustentar, no seio da nação, a ditadura que havia, mas onde a cultura avançada da democracia liberal tão fragilmente se firmou, que o velho tirano retornou ao poder, cinco anos depois, nos braços do povo. O fracasso de 1960, quando um líder popular foi empossado com a perspectiva de “varrer” a corrupção, mas, em meio a trapalhadas obscuras, furtou-se à sua responsabilidade. O fracasso de 1964 e 1968, quando, sob o pretexto de deter o caos social e de estabelecer a ordem, acabou por ter início uma devastação das lideranças civis, uma alienação, uma despolitização do povo, um regime tecnocrata e vazio que acabaria frustrado, mergulhado no mar doloroso da inflação. Em 1985, é verdade que por mera obra do destino, frustraram-se as expectativas mais uma vez, com o falecimento do líder eleito, personificando os novos ares. Novo fracasso em 1992, com a opção por um líder que se apresentava como a esperança de modernização responsável, mas se provou indigno, também ele, das esperanças nele depositadas.
Esperanças e sonhos. Esses sentimentos e aspirações – que, bem dosados, nada têm de condenáveis – moveram nossa história republicana. Quase sempre, para nossa tristeza, nas direções mais frustrantes, a despeito de algumas vozes sensatas minoritárias, tentando chamar-nos à razão. A essa lista de fracassos, passados doze anos, adicionam-se hoje, com áureo destaque, os de 1980 e 2002. 1980, quando a estrela vermelha despontou ao horizonte do Brasil como a luz de uma esperança, novamente dando as caras, refeita, falando aos corações sofridos com o sinal de um novo tempo. A estrela se dedicou a perturbar todos aqueles que identificava com o mal e o atraso, mesmo que nada mais estivessem fazendo que tentar trabalhar com os pés no chão, ancorados na realidade. O que a estrela fazia era vender sonhos, como vendiam os comunistas de 35, como venderam os fascistas e getulistas de 30, como venderam os janistas em 60. Em nome desse sonho, arrebataram uma horda de fiéis cegos e de prosélitos oportunistas. Essa horda, passado o mensalão, permaneceu com a estrela. O sonho parecia começar a se realizar em 2002; o povo estava no poder. Na figura do operário barbudo, os anos de “governos elitistas” terminaram, e uma “revolução” popular, pela força do voto, se concretizava. Depois, para afagar os egos feministas, a estrela vendeu a ideia da primeira mulher presidente. Fantástico! Por esse sonho, realidades indigestas como mensalão, Celso Daniel, corrupção generalizada, política econômica delirante, volta da inflação, foram sendo sucessivamente desprezadas. Ou pior: justificadas. Justificadas como instrumento da revolução.
Até poucos meses atrás, esse sonho justificava fazer de conta que já estávamos vivendo nele, já estávamos vivendo em um país maravilhoso, onde não havia índices alarmantes de homicídio, onde não havia uma crise econômica, onde não havia um escândalo na maior empresa nacional. Valia a pena fazer de conta, para evitar que as “elites” voltassem a comandar.
Acontece que os sonhos, se não são contemplados por ferramentas reais, acabam com o despertar. Se 2013 e 2014 não foram suficientes para que despertássemos, está na hora. Ufano-me de jamais ter sonhado o sonho da estrela; aqueles que o fizeram, porém, especialmente se por falta de informação ou percepção, não precisam se envergonhar e lamentar. Em vez disso, aproveitem o solavanco da triste realidade, da pátria que sangra, para despertar da inércia. Em vez de seguirem conduzidos pela maré, e em vez de chorar as frustrações passadas, aprendamos com elas. Elas representam a experiência acumulada de uma jovem nação que ainda não consegue se apropriar da força que tem. Não há fatalismos que evitem que esse “ainda” seja um “para sempre”; isso depende de nós. Depende de agirmos.
Depende de entendermos, de uma vez por todas, o que significam 88 bilhões de reais desviados, ou talvez mais, e o quanto isso é mais sério do que vinte centavos. Depende de percebermos a magnitude de viver no governo do maior escândalo de corrupção da história republicana mundial. Depende de percebermos que Dilma Rousseff, depois de manter uma arrastada administração Graça Foster, ao fim das contas a troca pelo polêmico Aldemir Bendini como a grande solução. Os gestos da presidente mostram que ela continua a vender somente isso: sonhos. O país não crescerá à base de sonhos, por mais lindos que eles sejam – e os da estrela vermelha não o são. Se os brasileiros acordarem, ainda podem fazer da REALIDADE a fonte do sucesso. Se houver um mínimo de dignidade nos protagonistas deste sonho decaído em que nos querem manter, eles abdicarão, renunciarão do posto, ao transformarem-no no mais vergonhoso pesadelo já concretizado. Com isso, poderão evitar o preço deprimente de seus atos, que pode estar a caminho: o de serem escorraçados, se não do governo – o que parece cada vez mais real -, ao menos, com certeza, para a lata de lixo da História. Quanto, mais uma vez, ao marco dos 35 anos do PT, o que o brasileiro indignado pode desejar, sinceramente, é que sejam os primeiros e últimos.
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