por Ryan McMaken
Aqueles que já atingiram uma determinada idade certamente devem se lembrar de que, no final da década de 1980 e início da década de 1990, era dado como certo que o Japão estava dominando o mundo economicamente. Os melhores e mais desejados carros eram japoneses. Seus videogames eram onipresentes. Todos os países desenvolvidos utilizavam tecnologia japonesa em tudo.
Os japoneses estavam destinados a conquistar o mundo, era o que diziam. Eles sabiam como trabalhar em equipe. Eles colocavam mais ênfase no grupo do que no indivíduo. Eles trabalhavam mais duro. Em 1992, um político japonês do alto escalão, Yoshio Sakurauchi, declarou que os americanos eram "preguiçosos demais" para competir com os trabalhadores japoneses, e que um terço dos trabalhadores americanos "não sabiam nem ler". O livro de Michael Crichton, Sol Nascente, lançado em 1992 (e que virou filme em 1993, com Sean Connery e Wesley Snipes) estimulou ainda mais essas controvérsias na mente dos americanos.
Atualmente, ninguém mais pensa que os japoneses estão dominando o mundo. O que aconteceu é que a supostamente robusta e inquebrantável economia japonesa era fundamentada menos em trabalho duro e em equipe e mais em planejamento centralizado, crédito farto e barato, subsídios às grandes corporações, e protecionismo às gigantes de vários setores. Por isso, quando a economia japonesa se estagnou após uma década de forte crescimento, tal fenômeno não deveria ter surpreendido ninguém versado na teoria dos ciclos econômicos.
Hoje, a Coréia do Sul parece ter, em vários aspectos, assumido o posto do Japão. Ao passo que a japonesa Sony entrou em profundo declínio, as coreanas Samsung e LG são hoje marcas internacionalmente respeitadas. A Hyundai, embora ainda considerada por muitos como sendo de baixa qualidade, ainda assim se expandiu maciçamente na última década. Apenas nos EUA, a marca já abriu duas fábricas de um bilhão de dólares: uma no Alabama, em 2005, e a outra na Geórgia, em 2009.
A ascensão da Coréia do Sul no cenário global
Mas a estratégia sul-coreana de dominação global é diferente da japonesa. Enquanto a cultura pop japonesa — música, filmes e seriados — jamais alcançou muita popularidade fora do Japão [Nota do IMB: os americanos certamente não foram expostos a Jaspion, Changeman e Jiraya], a cultura pop sul-coreana se transformou em um fenômeno global. Além de utilizarmos seus carros e seus celulares, também ouvimos as suas musicas a assistimos aos seus filmes.
Poucos notaram a ascensão da cultura pop sul-coreana antes de 2012, quando o clipe "Gangnam Style", do rapper sul-coreano PSY, se tornou um dos mais visualizados do YouTube em todos os tempos. Repentinamente, todos passaram a conhecer a cultura pop sul-coreana.
Adicionalmente, aqueles acostumados a baixar filmes e seriados pelo Netflix muito provavelmente já perceberam um sensível aumento na oferta de filmes sul-coreanos, incluindo-se aí filmes de grande êxito internacional, como o filme de ação Oldboy, de 2003, e o filme de monstro O Hospedeiro, de 2006.
A ascensão das músicas, dos filmes e dos seriados sul-coreanos — e também dos videogames — não foi, no entanto, uma obra do livre mercado. Foi, isso sim, resultado de uma política do governo sul-coreano voltada para coordenar, subsidiar e proteger a indústria da cultura pop sul-coreana, bem como também outras indústrias.
Em seu novo livro The Birth of Korean Cool, a autora Euny Hong explora as origens e os sucessos desse programa — que é pesadamente financiado e coordenado por agências governamentais sul-coreanos — conhecido como Hallyu, ou "A Onda Sul-Coreana". Não se trata apenas de poder econômico, mas também de relações internacionais. O governo sul-coreano utiliza a Hallyu como parte de um amplo programa criado para proteger o "poder brando" da Coréia do Sul.
Na Coréia do Sul, eles fazem de maneira diferente
Hong, que é jornalista, aborda o tópico utilizando sua própria experiência como uma sul-coreana que nasceu nos EUA e que viveu na Coréia do Sul durante sua adolescência. Ela relata o crescente nacionalismo que impregnou as escolas da Coréia do Sul e toda a sociedade, a necessidade de ser conformar com a ordem vigente, e a deferência geral que os sul-coreanos têm para com o estado e a nação, ao mesmo tempo em que um comportamento "individualista" é considerado uma espécie de patologia social.
Hong relata vários episódios que ilustram cada uma dessas características com grande compaixão pela Coréia do Sul e pelos sul-coreanos. Para qualquer ocidental com uma mentalidade mais laissez-faire, tais experiências são vistas como estupefação e talvez até mesmo com horror. Personalidades do tipo "bad boy", muito proeminentes na cultura americana, não existem na Coréia do Sul, explica Hong.
E isso pode ser visto na cultura popular do país. O mais próximo que a música pop sul-coreana já produziu de um "bad boy" é justamente o rapper PSY, que é considerado um rebelde simplesmente porque ele não tirava notas máximas na escola e ocasionalmente desapontava seus pais.
Nada surpreendentemente, relata Hong, a cultura popular na Coréia do Sul é do tipo corporativista, arregimentada, planejada e, acima de tudo, governada por uma ética de comprometimento ao grupo e de supressão do artista individual.
Por meio de uma agência governamental chamada "Ministério da Criação Futura", o governo sul-coreano trabalha em parceria com empresas privadas ostensivamente voltadas para a cultura pop com o intuito de disseminar e maximizar a influência da cultura pop sul-coreana tanto domesticamente quanto no estrangeiro.
Historicamente, o governo sul-coreano sempre recorreu ao protecionismo para estimular a cultura pop do país. Hong observa, por exemplo, que nas décadas passadas o governo sul-coreano exigiu que os cinemas do país exibissem filmes nacionais durante um mínimo de 146 dias por ano, e que "a indústria cinematográfica nacional produzisse um filme sul-coreano para cada filme estrangeiro exibido. É seguro dizer que a indústria cinematográfica nacional foi beneficiada por esse tipo de protecionismo. ... O governo também construía e gerenciava as casas de teatro".
Desde a crise financeira asiática ocorrida no final da década de 1990, no entanto, o governo sul-coreano também passou a ajudar a cultura pop sul-coreana no mercado internacional, utilizando impostos para financiar a dublagem de programas sul-coreanos em língua estrangeira e utilizando diplomatas para negociar a exibição de programas sul-coreanos nas redes de televisão de outros países.
A "cooperação" entre governo e empresas privadas
Assim como a economia japonesa é há muito tempo influenciada e até mesmo dominada por grandes corporações ligadas umbilicalmente ao governo — entidades essas conhecidas como keiretsu e zaibatsu —, a Coréia do Sul também apresenta um arranjo análogo, cujas empresas são conhecidas como chaebols. Sendo a versão sul-coreana do "grande demais para falir", mas muito mais significativas para economia sul-coreana como um todo, essas entidades têm sido essenciais para executar as políticas do governo sul-coreano por meio da "pareceria governo-chaebol".
Hong observa que a ascensão, na Coréia do Sul, da cultura pop promovida pelo governo não pode ser completamente entendida fora desse contexto. Essa tradição de parceria entre governo e grandes corporações fez com que Samsung, LG e outras grandes empresas fossem criadas por meio de favores governamentais e com dinheiro de impostos.
Como explica Hong em seu livro: "Assim como várias histórias de sucesso discutidas neste livro, a ascensão da Samsung no cenário mundial é atribuível [à] ... intervenção direta do governo sul-coreano durante estágios cruciais do desenvolvimento da empresa".
E caso alguém pense que a Samsung é apenas uma corporação como outra qualquer, Hong nos lembra que "a Samsung sozinha é responsável por um quinto do PIB do país". Não é difícil entender por que o estado sul-coreano vê a Samsung como sendo essencialmente uma continuação de si próprio. "O que é bom para a Samsung é bom para a Coréia do Sul" é um sentimento que, sem dúvidas, perpassa todos os corredores de todas as agências governamentais da Coréia do Sul.
Hong, como jornalista, simplesmente aceita a política econômica do governo sul-coreano como um dado da natureza. "É claro que todo esse planejamento centralizado da economia sul-coreana foi um enorme sucesso", é o que ela dá a entender. É perceptível como o padrão de vida do país cresceu acentuadamente desde 1960, quando a Coréia do Sul era essencialmente um país de terceiro mundo.
Trata-se de uma grande história de sucesso — ao menos é o que nos dizem — do neo-mercantilismo keynesiano, no qual grandes corporações controladas ou subsidiadas pelo governo executam planos e estratégias governamentais para aprimorar a economia, e tudo isso baseando-se em decisões de funcionários públicos.
Já aqueles que realmente conhecem os fundamentos da teoria econômica, e que seguem os ensinamentos de Bastiat, apenas olham para esse arranjo econômico e pensam em tudo aquilo que "não é visto" e que está oculto sob todo esse arranjo de favoritismo governamental e decisões centralizadas. Como os sul-coreanos gastariam seu dinheiro se ele não lhes fosse confiscado pelo governo e repassado para as poderosas chaebols? O que eles consumiriam se o governo não tomasse sua renda para subsidiar empresas ligadas a políticos? Mais ainda: quais inovações poderiam ter sido criadas se as pequenas e médias empresas da Coréia do Sul tivessem a oportunidade de pelo menos poder concorrer com esses grandes conglomerados protegidos e subsidiados pelo governo?
Jamais saberemos.
[Nota do IMB: esse modelo sul-coreano de parceria entre governo e grandes corporações, e de estímulo governamental — por meio do BNDES — para a criação das "campeãs nacionais" já existe há muito tempo no Brasil. Só que não deu muito certo... Enriqueceu sobremaneira os empresários ligados ao regime, mas não trouxe nenhum benefício à população, que ficou apenas com a fatura]
Histórias que exigem cautela
O que realmente sabemos, no entanto, é que, quando um governo decide colocar todos os ovos em uma única cesta, como fez o estado sul-coreano, o sucesso pode ser bastante efêmero. E se a Samsung for pelo mesmo caminho da Sony? E se a Hyundai tiver o mesmo destino da General Motors? O governo sul-coreano simplesmente recorrerá a mais pacotes de socorro, mais "estímulos" e, como sugerem as experiências japonesas e americanas, mais programas de crédito farto e barato?
Em uma cultura que preza o trabalho duro, que vê o lazer como algo suspeito, e cujos estudantes têm de estudar dezoito horas por dia, é bem possível que esse arranjo dure por bastante tempo: enquanto os investimentos errôneos subsidiados pelo governo vão se avolumando, cada vez mais riqueza é confiscada da população trabalhadora (e condescendente) para continuar sustentando grandes corporações.
Enquanto houver uma população trabalhadora, dedicada e que produz uma riqueza que é confiscada sem protestos, esses desequilíbrios podem se perpetuar por muito tempo.
Porém, como o Japão — e cada vez mais os EUA — demonstrou, tais políticas acabam em estagnação e destruição de capital. Sob tais condições, os trabalhadores japoneses e americanos trabalham mais apenas para manter o padrão de vida de antes, mas a renda disponível não aumenta.
O Japão, que já foi visto como "o futuro dominador do mundo", é um exemplo de cautela. A Coréia do Sul, como mostra o livro The Birth of Korean Cool, ainda está na fase do crescimento. Mas já vimos esse filme antes, só que em outro idioma.
[Nota do IMB: Não deixa de ser extremamente curioso ver progressistas brasileiros — que defendem a redução da jornada de trabalho, o aumento do assistencialismo, o fim da família tradicional, a supressão de provas e vestibulares, e até mesmo o fim da competição entre estudantes — defendendo a adoção do modelo sul-coreano, que impõe longas jornadas de trabalho e de estudo, uma rigorosa competição entre alunos, a submissão dos filhos aos pais, o controle estatal da produção cultural (o governo proíbe qualquer coisa considerada "subversiva") e que vê o ócio e o lazer como um comportamento típico de derrotados e preguiçosos.
Mais ainda: toda essa cultura sul-coreana foi implantada por um governo militar.
De resto, vale repetir, a parceria entre governo e grandes corporações, e o estímulo governamental — por meio do BNDES — para a criação das "campeãs nacionais" já existe há muito tempo no Brasil. Enriqueceu sobremaneira os empresários ligados ao regime, mas não trouxe nenhum benefício à população, que ficou apenas com a fatura.]
Ryan McMaken é o editor do Mises Institute americano.
Matéria extraída do website do Instituto Ludwig von Mises Brasil
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