A matança sem precedentes ocorrida no século XX foi primordialmente levada a cabo em nome do socialismo, doutrina que defende o controle governamental sobre todas as coisas. Um dos adversários mais francos do socialismo foi o economista austríaco Ludwig von Mises, autor de vinte e nove livros em alemão e inglês, traduzidos para chinês, tcheco, holandês, francês, grego, italiano, japonês, coreano, lituano, polonês, português, russo, espanhol e sueco.
Mises antecipou o futuro de maneira extraordinária. Em 1920, apenas três anos após o golpe socialista na Rússia, previu ousadamente que as economias socialistas seriam uma bagunça. Alertou para o fato de que a existência de liberdades civis era impossível sob o socialismo. Em 1927 ele soou um alarme: “Aquele que não feche seus olhos deliberadamente para os fatos deve reconhecer por todos os lados os sinais de uma catástrofe próxima na economia mundial... O colapso geral de uma civilização”. “Ao controlar com exclusividade todos os fatores de produção”, explicou, “o regime socialista controla também toda a vida de cada indivíduo. O governo designa a todo mundo um emprego definitivo. Ele determina quais livros e jornais devem ser impressos e lidos, quem deve dedicar-se à escrita, quem pode usar salas de reuniões, transmitir informações e usar os meios de comunicações. Isso significa que aqueles encarregados da suprema conduta dos assuntos governamentais vão decidir no final das contas quais idéias, ensinamentos e doutrinas podem ser propagados e quais não podem. Independentemente do que uma constituição escrita e promulgada venha a dizer sobre liberdade de consciência, pensamento, expressão e sobre neutralidade em assuntos religiosos, ela vai permanecer como letra morta em um país socialista se o governo não prover os meios materiais para o exercício destes direitos”.
Mises descreveu uma visão abrangente da liberdade econômica: “Há propriedade privada dos meios de produção. O funcionamento do mercado não é dificultado pela interferência governamental. Não há barreiras ao comércio; as pessoas podem viver e trabalhar onde queiram. Os mapas mostram fronteiras, mas elas não impedem a imigração de pessoas e o fluxo de mercadorias. Nacionais não desfrutam de direitos que sejam negados a estrangeiros. Governos e seus funcionários têm suas atividades restritas à proteção da vida, saúde e propriedade contra agressão violenta ou fraudulenta. Eles não discriminam estrangeiros. Os tribunais são independentes e protegem a todos contra a intrusão das autoridades... A educação não está sujeita à intervenção governamental... Todos podem dizer, escrever e imprimir aquilo que prefiram.”
Mises insistiu em expressar sua visão radical mesmo que isso significasse ser tratado como um enjeitado. Era um economista altamente respeitado na Áustria, mas a Universidade de Viena recusou-se a fazer dele um professor pago em quatro ocasiões, e por catorze anos ele deu um prestigioso curso em Viena sem um salário. Durante a maior parte dos vinte e cinco anos durante os quais ele deu aulas em Nova York, seu salário foi pago por indivíduos privados. O então futuro Prêmio Nobel F. A. Hayek disse a Mises: “Você demonstrou inexorável coerência e persistência em seu pensamento mesmo quando isso levou à impopularidade e ao isolamento. Você demonstrou destemida coragem mesmo quando você esteve sozinho”. O economista Murray N.Rothbard disse: “Mises não cedia nunca em seus princípios. Como acadêmico, como economista e como pessoa, Ludvig von Mises era uma alegria e uma inspiração, um exemplo para todos nós”.
Mises tinha 1,70m de altura e brilhantes olhos azuis. “Sempre se mantinha reto e com uma postura ereta, e caminhava com passos firmes”, recorda-se Bettina Bien Greaves, a principal acadêmica especialista em Mises no mundo. “Usava um terno, geralmente cinza, e mesmo nos dias mais quentes ele insistia em manter o paletó. Seus cabelos e bigode cinza estavam sempre cuidadosamente penteados. Era sério, sem frivolidades. Quando lhe perguntaram se jogava Tênis, respondeu que ‘não, porque não me interesso pelo destino de uma bola’. Mas adorava caminhar, e durante seus verões na Áustria, na Suíça e nos Estados Unidos, ele costumava fazer trilhas pelas montanhas. Permanecendo solteiro até os 57 anos, gostava de reunir os amigos para tomar chá. Posteriormente, ele e sua esposa Margit iam com frequência ao teatro, mesmo quando suas finanças se encontravam apertadas. Era um homem de graça, charme e cultura notáveis”.
Ludwig Edler von Mises nasceu no dia 29 de setembro de 1881, em Lemberg, então parte do Império Áustro-Húngaro, cerca de 500 quilômetros ao leste de Vienna (hoje conhecida como Lviv, na Ucrânia). Ele era o mais velho dos três filhos de Adele Landau, que fazia trabalho de caridade em um orfanato judaico. Se pai era Arthur Edler von Mises, engenheiro ferroviário.
Foi na Universidade de Viena, perto do Natal de 1903, que Mises leu um livro que o inspirou a ser um economista e conduziu-o na direção do livre mercado: Grundsatze der Volkswirtschafslehre [“Princípios de economia”], escrito por Carl Menger. Professor da Universidade de Viena por três décadas, explicava que os preços refletem o quanto os consumidores estão dispostos a pagar por algo em um mercado livre. A teoria do valor subjetivo de Menger rompeu com a hegemonia da teoria do valor do trabalho – os custos com o trabalho determinariam os preços. O grande defensor de suas idéias foi Eugen von Bohm-Bawerk, cujo principal trabalho, Kapital und Kapitalzins [“Capital e juros”], foi publicado em 1884. Mises participou do seminário de Bohm-Bawerk na Universidade de Viena até tornar-se professor, em 1913. Enquanto isso, em 20 de fevereiro de 1906 completava seu doutorado em leis e ciências sociais. Então, ele começou a trabalhar na Câmara de Comércio de Viena, que aconselhava funcionários do governo sobre leis que afetavam os negócios.
Mises começou seu primeiro livro, Theories des Geldes und der Unlaufsmittel [“Teoria do dinheiro e do crédito”]. Publicado em 1912, atacou a popular idéia de que funcionários do governo poderiam ditar o valor do dinheiro. Mises demonstrou que, pelo contrário, o valor do dinheiro era determinado pelos seus usuários e fornecedores em um mercado livre. Mises insistiu que inflar a oferta monetária é inútil, por que as pessoas subirão os preços. Os beneficiários serão aqueles que, começando pelo próprio governo, gastarem a nova moeda antes que os preços subam. Os perdedores serão os últimos a receber a nova moeda, após a subida nos preços e a depreciação do valor da moeda no mercado.
Depois da Primeira Guerra Mundial, Inglaterra e França demandaram indenizações de guerra, o que colocou pressão sobre Alemanha e Áustria para que estes países inflacionassem suas moedas. O gasto do Estado de bem-estar socialista apenas piorou as coisas. A inflação na Alemanha teve seu clímax em 1923, quando a elevação média dos preços foi de 300% ao mês e varreu milhões. A inflação na Áustria não chegou a este ponto, mas foi danosa o suficiente – os preços aumentavam quase 50% ao mês. Mises havia aparentemente persuadido o chanceler Ignaz Seipel e o presidente do Banco Nacional Austríaco, Richard Reisch, de que a impressão de dinheiro deveria ser interrompida.
O socialismo também havia se tornado um problema sério. O socialismo havia sido posto em prática pela primeira vez em larga escala quando, durante a Primeira Guerra Mundial, governos expandiram suas burocracias, decretaram impostos confiscatórios, expropriaram negócios privados, fixaram preços, suprimiram mercados, ditaram a produção, instituíram o trabalho forçado e suprimiram a dissidência. Muitos intelectuais defenderam a idéia de que o socialismo em tempos de paz poderia alcançar o paraíso na Terra. Mises levantou-se desafiadoramente. Longe de alcançar uma ordem racional, como explicou em Nation, Staat und Wirtschaft (1919) [“Nação, estado e economia”], que o socialismo causava o caos. Citou “as estupidezes da economia política das Potências Centrais durante a guerra. Em determinado momento, por exemplo, foi dada a ordem para que a criação de animais fosse reduzida aumentando-se o número de abates devido a uma escassez de feno; então os abates foram proibidos e foram ordenadas medidas que promoviam o aumento da criação de animais... Medidas e contramedidas se cruzaram até que toda a estrutura da atividade econômica estivesse em ruínas”.
Em 1920, Mises determinou por que o caos era inevitável sob o socialismo e explicou seu grandioso insight em um artigo para a Sociedade Econômica, “Wirtschaftsrechnung im sozialistichen Gemeneinwesen” [“Cálculo econômico na comunidade socialista”]. Sob o socialismo não havia mercados onde as pessoas revelassem suas preferências demandando bens, fazendo com que os planejadores centrais, mesmo que eles se importassem, não soubessem especificamente o que queriam os consumidores. E sem preços de mercado para a miríade de fatores de produção, seria impossível calcular o custo de alternativas e organizar a produção eficientemente. “Só é possível apalpar no escuro”, escreveu Mises.
Mises decidiu escrever um livro expondo todos os erros do socialismo. Declarou: “Se a história pôde provar-nos e ensinar-nos algo, é que a propriedade privada dos meios de produção é um requisito necessário à civilização e ao bem-estar material. Todas as civilizações até hoje foram baseadas na propriedade privada. Apenas nações comprometidas com o princípio da propriedade privada deixaram para trás a penúria e produziram ciência, arte e literatura”.
F. A. Hayek recorda-se, “Quando Socialismo primeiro apareceu em 1922, seu impacto foi profundo. Alterou gradualmente, mas fundamentalmente, a percepção de muitos jovens idealistas que terminavam seus estudos universitários após a Primeira Guerra Mundial. Eu sei, pois eu era um deles... Nos estávamos determinados a construir um mundo melhor, e foi este desejo de reconstruir a sociedade que levou muitos de nós a estudar economia. O socialismo prometia realizar nossas esperanças de um mundo mais racional e mais justo. E então veio este livro. Nossas esperanças se acabaram. Socialismo nos revelou que buscávamos por respostas na direção errada”.
Mises iniciou um debate que se estendeu por anos. O socialista polonês Oskar Lange e outros afirmaram que o “socialismo de mercado” poderia ter de alguma maneira preços de mercado sem ter um mercado. Intelectuais socialistas disseram que Lange havia vencido o debate, embora seu modelo teórico nunca tenha sido tentado em nenhum lugar.
Mises teve negada uma posição de professor para a qual ele era obviamente qualificado, em parte porque as universidades européias eram de propriedade dos governos, e apenas aqueles que pertencessem a um dos partidos políticos favoritos conseguiam tornar-se professores. Hayek acrescenta: “Para um judeu conseguir uma vaga de professor ele tinha que o apoio de seus colegas judeus... Mas como os professores judeus eram todos socialistas, e Mises era um anti-socialista, ele não conseguiu o apoio de seus próprios colegas... A Viena dos anos 20 e 30 não pode ser compreendida sem a questão judaica”.
Mises tornou-se um privatdozent, tendo a permissão de dar aulas e ser chamado de professor, mas sem ser pago. Começando em 1920, de outubro até junho, explica, “Um número de jovens se reunia ao meu redor a cada duas semanas. Meu escritório na Câmara de Comércio era espaçoso o suficiente para acomodar de vinte a vinte e cinco pessoas. Nós geralmente nos reuníamos às sete da noite, indo até as dez e meia. Nestes encontros se discutia informalmente todos os problemas importantes de economia, filosofia social, sociologia, lógica e epistemologia das ciências da ação humana... Todos que faziam parte deste círculo vinham voluntariamente, guiados apenas pela sua sede de conhecimento”. Hayek descreveu o seminário como “o mais importante centro de discussão econômica de Viena”.
Um dos trabalhos mais acessíveis e atraentes de Mises, Liberalismus (“Liberalismo”, 1927), apresentou sua defesa da liberdade e da paz. Ele explicou que mercados livres elevam dramaticamente os padrões de vida e promovem harmonia social, e deixou claro por que a intervenção governamental tende a empobrecer as pessoas e a provocar conflitos. Rejeitando o nacionalismo, ele escreveu, “O liberal abomina a guerra, não como o humanitário, apesar do fato de que esta traz consequências benéficas, mas porque só traz consequências maléficas”.
Em todos os lugares o livre mercado era culpado pela Grande Depressão, mas Mises contrariou essa idéia com Die Ursachen der Wirtshaftskrise: Ein Vortrag (“As causas da crise econômica”, 1931). Ele asseverou que a recessão e a depressão eram resultados da inflação anterior causada pela expansão governamental da quantidade de crédito e dinheiro. Quando a inflação freasse, ou o volume de dinheiro e crédito se contraísse, muitos negócios estimulados pela inflação entrariam em colapso. Mises acreditava que o desemprego não diminuiria até que os vendedores aceitassem preços mais baixos e os trabalhadores aceitassem salários mais baixos, refletindo a realidade do que compradores e empregadores estavam dispostos a pagar. Ele alertou para o fato de que o desemprego crônico seria a consequência de políticas que mantivessem salários artificialmente altos durante uma depressão, e ele estava certo: mais de 11 milhões de americanos estavam desempregados em 1940, quase o mesmo número do início do New Deal, em 1933. O economista inglês John Maynard Keynes, entretanto, foi aclamado por dizer aos políticos que estes deveriam intervir na economia e gastar o dinheiro das outras pessoas – o que eles já desejavam, de qualquer forma.
Convidado por William E. Rappard a juntar-se ao Graduate Institute of International Studies at the University of Geneva, Mises partiu para Genebra em 3 de outubro de 1934. Deixou para trás diversas posses pessoais no apartamento em Viena onde havia vivido com a mãe desde 1911, incluindo milhares de livros de que ele não necessitaria para seu trabalho. Permaneceu em Genebra por seis anos, conduzindo um seminário em francês durante as manhãs de sábado.
Cerca de um ano após a morte de sua mãe, Mises surpreendeu seus amigos ao casar-se em 6 de julho de 1938, em uma cerimônia civil suíça que necessitou de cinco advogados para executar dezenove documentos. Margit Herzfeld, a esposa de Mises, era uma atriz que havia encenado peças de Johann Wolfgang von Goethe, Henrik Ibsen, Friedrich Schiller, William Shakespeare e Leon Tolstoy, dentre outros. Eles se conheciam há treze anos, e ela teve dois filhos com seu falecido marido, Guido e Gitta. Nascida em 6 de julho de 1890, era “uma mulher glamourosa, de cerca de 1,70m. Ela era um pouco vaidosa e tinha algo de esnobe, mas era sempre uma excelente anfitriã. Mises havia lhe avisado: ‘eu escrevo sobre dinheiro, mas eu nunca vou ter muito’”.
Mises concentrou-se em seguida em escrever um grande livro, que se tornou Nationaloekonomie, Theorie des Handelns und Wirtschaftens [“Economia: teoria da ação e da troca”], com 756 páginas, publicado em 1940. Partindo de axiomas fundamentais sobre a ação humana, desenvolveu uma defesa abrangente do livre mercado e atacou todo tipo de interferência governamental na economia. Foi um ato de coragem vir a público com este livro em um momento em que regimes totalitários estavam ganhando poder. O livro foi publicado em Genebra pela Editions Union.
Após a queda da França, os Mises decidiram deixar a Europa. Em 4 de julho de 1940, embarcaram em um ônibus para Cerberes, França, perto da fronteira espanhola, frequentemente mudando de rota para escapar dos nazistas. Tentaram por três vezes, sem sucesso, entrar na Espanha. Finalmente, chegaram a Lisboa e depois de duas semanas de esforços constantes Margit von Mises conseguiu passagens em um navio para Nova York. Chegaram em 2 de agosto de 1940, e estabeleceram-se em um pequeno apartamento no número 777 na West End Avenue, que viriam a ocupar pelo resto de suas vidas.
Mises estava profundamente deprimido pelo fato de seus esforços na luta contra o socialismo e por alguma segurança financeira naufragaram. Ele não tinha qualquer expectativa de um emprego estável, e, embora tivesse algum dinheiro na Inglaterra, não podia transferi-lo para os EUA devido aos controles de câmbio. Hayek ajudou usando o dinheiro de Mises para comprar livros raros (como uma primeira edição de A riqueza das nações) e enviando-os, o que era legal.
Um mês após sua chegada na América, Mises telefonou ao então editor financeiro do New York Times, Henry Hazlitt. Hazlitt tinha se deparado pela primeira vez com o nome de Mises ao ler O valor do dinheiro(1917), de Benjamin Anderson, e havia resenhado a edição em inglês de Socialismo no New York Times, chamando-o de “a análise mais devastadora do socialismo jamais escrita”. Hazlitt ajudou a tirar Gitta, a filha de treze anos de Margit von Mises, de Paris, ocupada pelos nazistas, usando seus relacionamentos no New York Times com um funcionário do Departamento de Estado. Também incentivou Mises a escrever nove artigos sobre a situação européia, que foram publicados no New York Times. Os artigos levaram a uma ligação com a Associação Nacional dos Manufatureiros (NAM), uma das líderes na oposição à intervenção do governo na economia. Ele contribuiu com um estudo de dois volumes patrocinado pela NAM, The Nature and Evolution of the Free Enterprise System [“A natureza e a evolução do sistema de livre empresa”], e conheceu diversos industriais americanos. Na mesma época, em 24 de dezembro de 1940 Mises foi notificado de que a Rockefeller Foundation havia doado dinheiro ao Departamento Nacional de Pesquisa Econômica, possibilitando que ele escrevesse Governo Onipotente e Burocracia, seus primeiros livros em inglês. Hazlitt chamou a atenção de Eugene Davidson, editor da Yale University Press, para estes livros, e ele concordou em publicá-los.
Burocracia explicava que empresas privadas são muito mais eficientes e dinâmicas do que burocracias governamentais porque seus gestores podem usar sua imaginação e tentar coisas novas, sendo sua performance facilmente monitorada por lucros e perdas. A performance dos burocratas não pode ser facilmente monitorada. Dar-lhes demasiada discricionariedade resulta em arbitrariedade e corrupção.
Em Governo Onipotente, Mises relacionou o Nazismo (Nacional Socialismo) ao Comunismo, os quais, segundo os intelectuais da moda, seriam fenômenos completamente distintos. Mises contraargumentou afirmando que “os nazistas não apenas imitaram as táticas Bolcheviques de tomada de poder. Eles copiaram muito mais. Eles importaram da Rússia o sistema de partido único e o papel privilegiado deste partido e de seus membros na vida pública; a posição suprema da polícia secreta... execuções e prisões de adversários políticos; campos de concentração”.
Hazlitt encorajou Eugene Davidson a considerar a publicação de Nationaloekonomie, traduzido e adaptado para o público americano. Mises escreveu a Davidson explicando que seu objetivo “era fornecer uma teoria abrangente do comportamento humano que incluísse não apenas a estudo de uma economia de mercado (o sistema de livre empresa), mas também o estudo de qualquer outro sistema de cooperação social, como por exemplo socialismo, intervencionismo, corporativismo, e assim por diante. Ademais, considero necessário que se lide com as objeções que têm sido levantadas contra a solidez do raciocínio econômico e a validade dos métodos até aqui aplicados por economistas de todas as escolas e linhas de pensamento sob diversos pontos de vista – como, por exemplo: ética, psicologia, história, atropologia, etnografia, biologia”.
Quando Ação Humana foi publicado, em setembro de 1949, foi respeitosamente resenhado em diversas publicações, incluindo New York Herald Tribune, New York Journal American, New York World-Telegram, The Wall Street Journal, Commentary, Saturday Review of Literature e American Economic Review. No New York Times, o socialista John Kenneth Galbraith creditou Mises como “um homem culto e um professor famoso”. Partidários da liberdade estavam extasiados. Henry Hazlitt, que havia deixado o New York Times e começado a escrever sua coluna semanal, “Business Tides” [“Marés dos Negócios”], disse na edição de 19 de setembro de 1949 que “Ação Humana é ... ao mesmo tempo a mais intransigente e rigorosamente argumentada declaração em favor do capitalismo que já se viu”. Rose Wilder Lane, autora de Discovery of Freedom [“Descoberta da liberdade”], chamou Ação Humana de o “o maior produto da mente humana em nossa era”. O economista Austríaco Murray N. Rothbard aclamou o livro como “a Bíblia econômica do homem civilizado”.
Ação Humana descreveu o mercado livre como “uma democracia em que cada centavo dá o direito a um voto... Na democracia política, apenas os votos no candidato da maioria ou no plano da maioria efetivamente influenciam os rumos da política. Os votos da minoria não influenciam diretamente as políticas. Mas no mercado nenhum voto é dado em vão. Cada centavo gasto tem o poder de influenciar os processos de produção. Lançando histórias de detetives, as editoras não fornecem livros apenas à maioria, mas também à minoria que lê poesia lírica e tratados filosóficos. Os padeiros não assam pães apenas para as pessoas saudáveis, mas também para pessoas enfermas em dietas especiais... É verdade que no mercado os vários consumidores não tem os mesmos direitos de voto. Os ricos tem mais votos que os cidadãos mais pobres. Mas esta desigualdade é, ela mesma, resultado de um processo de votação anterior. Em uma pura economia de mercado, ser rico é resultado do sucesso em atender às demandas dos consumidores”.
Entre as obras selecionadas pelo Book-of-the-Month Club “Clube do livro do mês”, Ação Humana foi traduzido em francês, italiano, japonês e espanhol. Yale publicou uma nova edição de Socialismo (1951), uma nova edição de Teoria da Moeda e do Crédito (1953) e Teoria da História: uma interpretação da evolução econômica e social (1957). Van Nostrand publicou o A mentalidade anticapitalista, de Mises, que relata como o livre mercado enriquece as culturas. A segunda edição da Yale de Ação Humana foi, entretanto, um dos maiores fiascos editoriais já vistos; havia páginas faltando, páginas com letras em negrito, com letras mais claras, dentre outros problemas. A editora Henry Regnery Co., de Chicago, logo lançou uma terceira edição corrigida, e a Fox & Wilkes, de San Francisco, lançou uma edição em brochura.
Enquanto isso, Mises continuava a falar em favor do livre mercado onde pudesse, e em uma destas ocasiões encontrou Leonard E. Read, gerente-geral da Câmara de Comércio de Los Angeles. Dois anos depois, Read criou a Foundation for Economic Education (FEE) e contratou Mises como autor e palestrante por 6 mil dólares ao ano. Mises estava dentre os convidados por Hayek para formar a Mont Pelerin Society, um grupo internacional de acadêmicos liberais formado em 1947.
Mises havia concordado em 1945 em dar um curso sobre socialismo todas as segundas-feiras à noite na New York University Graduate School of Business, localizada em Trinity Place, número 100. Ele receberia mil dólares por semestre, e em 1948, Mises começou também um seminários às quintas-feiras à noite sobre controles governamentais. Quando a New York University anunciou que não mais lhe pagaria, Harold Luhnow do William Volker Charities Fund, de Kansas City, ofereceu-lhe 8,5 mil dólares ao ano. Após a sua dissolução em 1962, Leonard E. Read, Henry Hazlitt e o publicitário Lauwrence Fertig levantaram o dinheiro para o salário de Mises, inicialmente 11,7 mil dólares. O seminário das segundas continuou até 1964. O das quintas, até 1969. Entre 1960 e 1964, o seminário das quintas-feiras ocorreu na sala 32, Gallatin House, 6 Washington Square North.
De acordo com Barbara Branden, biógrafa da famosa romancista e filósofa Ayn Rand, “Iniciando no final da década de 50 e continuando por mais de dez anos, Ayn começou a articular uma campanha para que o trabalho de Mises fosse apreciado e lido: publicou resenhas, citou-o em artigos e discursos públicos, participou de alguns de seus seminários na New York University, recomendou-o aos admiradores da sua filosofia”.
Após seu nonagésimo aniversário, Mises sofreu uma dolorosa obstrução intestinal. Em 7 de setembro de 1973 ele foi levado ao St. Vincent’s Hostpital, na 11th Street com a 7th Avenue. Ele morreu lá em 10 de outubro, cerca de 8h30min da manhã. Tinha noventa e dois anos. O funeral, três dias depois, foi assistido por 29 amigos no Ferncliff Cemetery, em Hartsdale, NY. Houve uma missa em sua homenagem na Universal Chapel, 1976 Madison Avenue, Nova York, no dia 16 de outubro.
Mises foi vingado pelo colapso do império soviético em 1991. Em The New Yorker, o influente autor socialista Robert L. Heilbroner relembrou que Mises havia tempos sustentava “que nenhum Conselho de Planejamento Central poderia jamais juntar a enorme quantidade de informações necessárias para se criar um sistema econômico viável”. “Mises estava certo”, admitiu Heilbroner.
O editor e jornalista Llewellyn H. Rockwell Jr. Fundou o Ludwig von Mises Institute para promover o estudo sobre a economia Austríaca. Margit von Mises foi presidente. Murray N. Rothbard observou que “Margit... descobriu manuscritos não-publicados de Lu, traduziu-os e editou-os, e supervisionou sua publicação. Ela também supervisionou reimpressões e traduções de trabalhos já publicados de Mises”. Ela morreu em seu apartamento em Nova York em 25 de junho de 1993, aos 102 anos. O Mises Institute publicou uma excelente edição acadêmica de Ação humana.
No outono de 1996, o professor Richard M. Ebeling e sua esposa russa Anna localizaram cerca de 10 mil documentos que Mises havia deixado em seu apartamento em Viena. Eles haviam sido confiscados pela Gestapo e após a guerra os soviéticos haviam se apropriado deles e levaram-nos a Moscou, sendo liberados após o colapso da União Soviética. Ebeling relatou, “Percebe-se que Ludwig von Mises foi mais importante e influente do que até mesmo seus admiradores mais profundos poderiam ter imaginado”. Ebeling está escrevendo uma biografia, e o acadêmico alemão Guido Hulsmann está completando outra.
Muito tempo depois que Karl Marx e John Maynard Keynes estiverem esquecidos, Ludwig von Mises será conhecido como o homem que disse a verdade sobre o poder dos governos que flagelou o século XX. Ele demonstrou com tremenda clareza que o livre mercado combate a pobreza, liberta o espírito humano e possibilita que as pessoas respirem livremente em todos os lugares.
* Publicado originalmente no OrdemLivre em 20/03/2008
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