segunda-feira, 8 de agosto de 2011

A lei como instrumento de manipulação


Você já se perguntou alguma vez por que as chamadas “vans”, sendo irregulares, não são apreendidas de uma só vez pelo Município? Não seria difícil: bastariam algumas barreiras policiais dispostas nos principais corredores da sua cidade, e assim pelo menos oitenta por cento iria para os pátios dos governos num só dia. 
Por Klauber Cristofen Pires

Em outro artigo anterior, já defendi o transporte alternativo praticado pelas vans como um meio eficiente e barato. Se não fosse eficiente e/ou mais barato do que os ônibus comuns, não gozariam da preferência de uma substantiva parcela da população.
Com efeito, as vans entram nas ruelas marginais, senão até a casa dos seus clientes, enquanto os ônibus exigem uma caminhada que pode ser até bem longa (e mesmo perigosa), especialmente para quem mora nos bairros distantes, aqueles que via de regra não possuem asfalto ou iluminação.
Há vans que trabalham com regime de clientela fixa ou quase fixa, de modo que vão pegar as pessoas nas suas casas. Nas vans, salvo as exceções, os passageiros vão sentados, enquanto nos ônibus praticamente a metade deles haverá de se equilibrar durante as brutas manobras dos motoristas durante cansativas horas até o destino.
Até mesmo o asfalto e o trânsito agradecem às vans, que não os deforma e não ocupa tanto espaço nas vias, enquanto um ônibus convencional manobrando pode ocupar duas ou até três pistas de uma só vez. Sem dizer que são mais silenciosas.
Listei acima algumas vantagens das vans. Claro, alguém pode enxergar vantagens no transporte coletivo praticado pelos ônibus comuns. Nada contra. Aliás, justamente o contrário: sou da teoria de que é o consumidor que deve decidir isto (e não o estado), daí o princípio de legitimidade do metrô, do ônibus, da van, do táxi, e até do moto-taxi, ou quem sabe, da charrete ou do riquixá (aquela mini-charrete puxada por homens, muito comuns nos países orientais).
Claro, também não nego que existam as vans “piratas” – aqueles veículos que não possuem as mínimas condições de trafegar. Aliás, justamente aí eu me pergunto: mesmo elas existem, e as autoridades não fazem nada ou quando muito, bem pouco contra elas, mesmo quando nos multam por uma luzinha queimada ou pelo extintor de incêndio estar dentro de sua embalagem de plástico. Por quê isto? Caros leitores, aí está uma grande vantagem da burocracia voltada para o desvio de finalidade.
Vou explicar utilizando-me primeiramente de uma interessante notícia de algum tempo atrás: a quantidade de jovens menores de dezoito anos que cometem acidentes de trânsito constitui uma parcela bem pequena em relação ao número de jovens da mesma faixa etária que admite dirigir um veículo. Na verdade, este percentual é relativamente muito menor do que a parcela imediatamente superior, isto é, aquela constituída por pessoas de dezoito a vinte e cinco anos.
Um outro sintoma parecido se revela com relação aos imigrantes de um país. Certa vez, conversei com algumas famílias de imigrantes ilegais no Canadá, e à época, perguntei a eles como viviam, já que qualquer autoridade policial da rua podia pedir-lhes os documentos e prendê-los ou deportá-los. Estas pessoas não viviam em esgotos, mas em casas alugadas e tinham trabalhos mais ou menos regulares. Permaneciam, enfim, ostensivamente à vista de todos. Por que então as autoridades simplesmente não iam até eles e os expulsavam?
O que me disseram foi algo curioso: a polícia simplesmente não os caçava. Pelo contrário, passava por eles enquanto serviam refeições nos restaurantes, ou limpavam ruas, ou assentavam tijolos em construções. O único motivo real, segundo eles, que levava a polícia a prender e a deportar um imigrante ilegal era quando um deles causava alguma confusão: uma briga com o vizinho, envolvimento em drogas ou um acidente automobilístico, por exemplo, e via de regra, mediante denúncia explícita. Daí que, vejam, bem, estes brasileiros tratavam de viver a vida mais discreta possível, longe de badalações. Comportavam-se, enfim, melhor do que os imigrantes legais ou mesmo do que os próprios canadenses naturais.
Será que já deu para pegar o espírito da coisa? Sim, a tolerância dos governos municipais para com as vans tem um propósito maquiavélico, isto é, “dividir para conquistar”: por um lado, com as vans funcionando, as greves de motoristas e cobradores fica sensivelmente prejudicada. Aqui em Belém ouviu-se de uma há algum tempo que mal chegou a durar apenas 24 horas, e mesmo assim depois de vários anos, quando antigamente estes movimentos paredistas se repetiam pelo menos a cada semestre. Por outro lado, a manutenção das vans na ilegalidade confere aos políticos municipais manter o poder sobre os empresários do setor que amiúde são o maiores patrocinadores de suas eleições.
Eis aí o que acontece com as vans e com os imigrantes ilegais no Canadá. São tolerados porque são úteis. Seus serviços são necessários, mas um esquema corporativista preexistente os mantém em condição de humilhante sub-cidadania. O fato de o governante tolerar um brazuca ou uma van significa ter para si a conveniência de se livrar deles sob qualquer pretexto, que pode ser bem diferente do eventual problema real que venham a causar.
Aquela van causou um acidente? Prenda o dono e seu veículo, não por causa do acidente, mas porque exerce uma atividade irregular. O imigrante reclamou que o seu patrão não lhe paga o salário combinado? Deporte-o, é ilegal.
Atualmente, praticamente a totalidade das atividades produtivas está em condições de ser enquadrada por algum dispositivo legal espertamente trazido a lume com a finalidade precípua de fazer os empresários prostrarem-se perante o estado. Aliás, não só os empresários, mas também os cidadãos e os pais e mães de família. O estado quer o poder sobre todos e afirma isto textualmente em seus slogans. Só não vê quem não quer.

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