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Ao contrário do que insinua o ufanismo verde-amarelo das universidades com o governo Lula, nenhum dado sobre educação no Brasil indica que há um fosso entre o ensino superior dos tucanos e o dos petistas
Por José Maria e Silva (Publicado originalmente no Jornal Opção)
De acordo com dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão do Ministério da Educação, nos últimos anos houve um cresci-mento nas matrículas do ensino superior no País, especialmente nas instituições federais. Como o Censo da Educação Superior, realizado anualmente pelo órgão, sofreu mudanças de metodologia a partir de 2009, não é fácil fazer uma comparação precisa entre os dois governos. Inclusive porque nas tabelas disponibilizadas pelo Inep volta e meia se percebe alguma discrepância nos dados sobre as matrículas nas instituições federais de ensino superior. E a ênfase maior, nos dados anteriores a 2003, é dada às universidades públicas em geral e não às federais em particular.
Um dado que atesta a expansão do ensino superior no governo petista consta do re-sumo técnico do Inep relativo a 2003. Vale a pena reproduzir fielmente o trecho desse relatório que trata das matrículas no ensino superior: “Merecem atenção destacada, neste contexto, por se tratarem de instituições mantidas pelo Estado, as Instituições Federais de Educação Superior (Ifes). A Tabela 21, abaixo, revela que no ano de 2003 as Ifes apresentaram o maior percentual de crescimento das matrículas dos últimos três anos”. Em seguida, vem a referida tabela com os porcentuais de crescimento das matrículas nas instituições federais de ensino superior de 2000 a 2003. Com um detalhe: os dados de 2003 — primeiro ano do governo Lula — aparecem destacados em negrito, numa prova de que nem o Inep, órgão altamente técnico, está imune à propaganda política. Inep petista e Inep tucano
Mas esse viés político do Inep não se restringe ao governo Lula. Se o órgão faz propaganda do governo petista ao ressaltar o crescimento das matrículas nas federais a partir de 2003, ele não deixa de ter feito política também em favor do governo tucano, ainda que com mais discrição. Prova disso é que no resumo técnico de 2002, último ano do governo FHC, o Inep faz questão de destacar em gráfico o crescimento do número de concluintes do ensino superior público, que passou de 61,5% em 1994 para 66,7% em 1998 e 69,5% em 2002, enquanto os concluintes do ensino privado decresceram de 55,7% em 1994 para 55,5% em 1998 e 55,3% em 2002. Obviamente não é mera coincidência a escolha desses anos, que abrangem exatamente os dois governos de Fernando Henrique.
Como se vê, não se deve confiar cegamente em estudos estatísticos, especialmente brasileiros. Em muitos casos, a inegável competência técnica de seus autores serve apenas para esconder o viés político que os motivam. Na época em que o Inep deu destaque a esse dado específico, o Ministério da Educação (então comandado por Paulo Renato de Souza, que morreu recentemente) vivia sob fogo cerrado de professores e alunos, que acusavam o governo tucano de sucatear as universidades federais. Ao ressaltar, naquele momento, que o número de concluintes do ensino superior público havia aumentado entre os anos de 1994, 1998 e 2002, provavelmente o Inep queira dar uma resposta aos críticos do então presidente Fernando Henrique. A diferença é apenas a sutileza: o Inep petista parece mais rombudo que o Inep tucano.
Alias, sob o comando petista, todo o governo federal, mesmo em suas instâncias técnicas, parece ter-se tornado mais político. Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, mesmo com uma internet bem mais precária do que a de hoje, era muito mais fácil acessar dados e estudos técnicos dos órgãos governamentais. Hoje, boa parte dos estudos produzidos naquele período foram descartados ou escondidos sob pura propaganda do governo Lula, disfarçada de interatividade com o cidadão. A última tentativa de isenção do governo petista foi do Ministério do Planejamento, que chegou a produzir um portal com estudos críticos sobre o próprio governo, mas teve de tirá-lo da rede com base na “Ética de Ricúpero” ou “Argumento da Parabólica”: “o que é feio a gente esconde; o que é bonito é para se ver”, como cantava a antiga dupla goiana Vanda & Adauto. Mais política que técnica
Por mais que eu seja crítico do governo petista, jamais me passou pela cabeça que a expansão de vagas nas universidades federais tenha sido maior no governo Fernando Henrique do que no governo Lula. Mas foi o que tentou provar o jornalista Reinaldo Azevedo, articulista e blogueiro da revista “Veja”, em agosto do ano passado, durante a campanha eleitoral. Numa postagem de 28 de agosto de 2010, o articulista afirma: “Poucos sabem, certa imprensa não diz, mas o fato é que a taxa média de crescimento de matrículas nas universidades federais entre 1995 e 2002 (governo FHC) foi de 6% ao ano, contra 3,2% entre 2003 e 2008 —seis anos de mandato de Lula. Só no segundo mandato de FHC, entre 1998 e 2003, houve 158.461 novas matrículas nas universidades federais, contra 76.000 em seis anos de governo Lula (2003 a 2008)”.
Segundo Reinaldo Azevedo, os dados em que baseia sua análise são do próprio MEC, mas não explica a metodologia que usou para chegar aos resultados que apresenta. Por isso, o professor e médico Naomar de Almeida Filho, reitor da Universidade Federal da Bahia no período 2002-2010, saiu em defesa do governo Lula. Em artigo publicado em 22 de outubro de 2010 na “Carta Maior” (revista digital de esquerda, ligada ao Fórum Social Mundial), o ex-reitor baiano, que é professor titular de epidemiologia com grande experiência em estatística, procura demonstrar o que considera “erros primários” ou de “má-fé” do blogueiro de “Veja” na análise dos dados sobre o crescimento das matrículas nas universidades federais.
Naomar de Almeida Filho baseia sua réplica ao jornalista em dados do Inep e da Associação Nacional dos Docentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), mas também comete o pecado de ser mais político do que técnico. No afã de defender o governo Lula, ele não se preocupa em apresentar detalhadamente os dados de matrículas das federais durante o governo FHC, incorrendo em erro semelhante aos que aponta no jornalista de “Veja”. O que é imperdoável, pois trata-se de uma sumidade acadêmica: Naomar de Almeida Filho é doutor pela McGill University, do Canadá, com pós-doutorado pela Universidade da Carolina do Norte, além de professor visitante das Universidades da Califórnia, Carolina do Norte, Montreal e Harvard. Também integra altos órgãos de gestão da educação superior brasileira. Dados controversos
Relembro essa divergência entre o acadêmico e o jornalista para reiterar que isenção é moeda raríssima no mercado intelectual brasileiro, mesmo entre acadêmicos altamente conceituados que vivem alardeando competência técnica. Isso torna praticamente impossível qualquer diagnóstico sério da realidade nacional — e não apenas no âmbito da educação. Por-tanto, o que pretendo fazer nesse artigo é mais lançar dúvidas sobre as certezas conflitantes dos partidários de Lula e FHC do que propriamente elucidar quem tem razão nesse debate — que já se arrasta há 17 anos, renovando-se a cada eleição presidencial e comprimindo os horizontes do país nesse falso antagonismo entre petistas e tucanos. Como não é possível confiar plenamente nos dados disponíveis, o caminho mais saudável é o da dúvida — que, aliás, anda fazendo muita falta nesse Brasil ufanista de Lula da Silva.
Segundo Naomar de Almeida Filho, durante todo o governo Lula, o volume de matrículas nas universidades federais aumentou 90,1%. E acusa Reinado Azevedo de cometer “erro primário” ou agir de “má-fé” ao comparar períodos diferentes dos dois governos, esquecendo-se que a intenção do jornalista foi mostrar que, em apenas quatro anos de seu segundo mandato, o governo Fernando Henrique gerou mais matrículas nas federais do que Lula nos seis primeiros anos de governo. Para o acadêmico, o jornalista deveria ter comparado o segundo governo de Fernando Henrique com o segundo governo de Lula, o que, segundo ele, seria uma comparação “tecnicamente mais correta”.
Do que discordo. Onde Naomar de Almeida Filho escreve “comparação tecnicamente mais correta” deve-se ler “politicamente mais viável” — para o governo Lula, é claro. Estatística de governo não é estatística de acidentes de trânsito nas estradas, em que não se pode comparar dados de julho de um ano com setembro de outro ano, uma vez que num mês de férias as pessoas viajam mais e os acidentes, obviamente, aumentam. Ao contrário dos acidentes de trânsito, governos não são fruto de sazonalidades, mas de planejamento; logo, Naomar de Almeida está errado e se, nos seis primeiros anos de seu governo, Lula gerou menos matrículas do que Fernando Henrique em seus últimos quatro anos, Reinaldo Azevedo está certo.
Ocorre que o jornalista de “Veja” não explica claramente seus dados, o que deixa dúvida sobre a sua argumentação em defesa da política de Fernando Henrique para o ensino superior. A exemplo do ex-reitor da Universidade Federal da Bahia, também não sei de onde Reinaldo Azevedo tirou a informação de que nos seis primeiros anos do governo Lula houve apenas 76 mil novas matrículas nas universidades federais contra 158.461 do segundo mandato de Fernando Henrique. As diferenças ano a ano, entre 2003 e 2008, somam 111.467 novas matrículas. Ao menos nesse caso específico, concordo com a crítica de Naomar de Almeida: “Números redondos são em geral suspeitos: sugerem ausência de fontes”. Tabela Frankenstein
Mas a universidade não costuma ter a isenção que vive cobrando do jornalismo. O professor Naomar Almeida Filho incorre no mesmo erro que aponta no blogueiro de “Veja” e não detalha o número de matrículas nas universidades federais em cada ano do governo FHC, pois a tabela que apresenta para se contrapor aos dados de Reinaldo Azevedo vai de 2001 a 2010, alcançando apenas dois anos do governo tucano. O professor alega que não precisa “questionar os indicadores do governo FHC” e considera “a credibilidade destes como de responsabilidade do jornalista”. Também acusa o jornalista de apresentar dados errados e de desprezar os dados posteriores a 2008, quando o Programa Reuni, do governo Lula, aumentou sensivelmente o número de matrículas no ensino superior.
Nesse ponto, o jornalista foi até mais prudente do que o acadêmico. O Censo do Ensino Superior do Inep demora a ter seus dados consolidados. Tanto que o último boletim técnico disponível é de 2009, publicado no ano passado. No entanto, Naomar Almeida Filho, mesmo tendo publicado seu artigo em outubro de 2010, já apresenta dados daquele ano, sem dizer se são consolidados ou não. E sua tabela tem como fontes o Inep e a Andifes, de modo conjunto; logo, jamais poderia ser apresentada como “dados corretos de matrículas nas Ifes”. Essa salada de dados pode ser até válida, desde que o autor assuma sua autoria, explique seu método e a use como referência aproximada, não como verdade estabelecida. Caso contrário, é como fazer um tabela Frankenstein do custo de vida juntando os índices do IBGE com os do Dieese e ainda querer que ela seja a verdade única na questão.
De acordo com Naomar Almeida Filho, a evolução das matrículas nas instituições federais de ensino superior é a seguinte: 2001 (502.960 matrículas), 2002 (531.634), 2003 (567.850), 2004 (574.584), 2005 (579.587), 2006 (589.821), 2007 (653.022), 2008 (720.317), 2009 (917.242) e 2010 (1.010.491). Segundo ele, a taxa média de crescimento de matrículas nas universidades federais, entre 2003 e 2010, durante o governo Lula, não foi de 3,2% como acredita Reinaldo Azevedo e, sim, de 11% ao ano, quase o dobro da média de 6% ao ano que o jornalista afirma ter ocorrido durante os dois governos FHC, entre 1995 e 2002. Publicitários de toga
Todavia, para chegar a esses resultados, o ex-reitor da Universidade Federal da Bahia e representante da comunidade científica no Comitê Gestor do Ministério da Ciência e Tecnologia inflaciona inexplicavelmente o número de matrículas do governo Lula. As diferenças chegam a ser gritantes. Nos anos de 2001 e 2002, os dados de Naomar Almeida Filho coincidem com os do Inep, mas, em 2003, primeiro ano do governo Lula, ele computa 749 matrículas a mais. As diferenças voltam a ocorrer em 2007 (37.480 matrículas), em 2008 (77.216) e 2009 (164.395) — totalizando 279.840 matrículas adicionais em favor do governo Lula.
E Naomar Almeida ainda conta com o ano de 2010, para o qual o Inep ainda não disponibilizou dados consolidados na Internet. E só nesse último ano do governo Lula, em função da Reuni, são, segundo ele, 1.010.491 matrículas, o que eleva sensivelmente o número de matrículas nas universidades federais, compensando a pequena expansão dos anos anteriores. Com base nesses dados que parecem caídos do céu (nem somando as matrículas do ensino a distância eles fecham), Naomar de Almeida Filho afirma que, enquanto no segundo mandato de Fernando Henrique, houve 158.461 novas matrículas nas universidades federais, no segundo mandato de Lula da Silva foram 478.857. E conclui: “Ou seja, contrastando períodos equivalentes, o operário Lula abriu 200% mais vagas novas em universidades federais que o intelectual FHC”.
Esse tom ufanista se parece menos com ciência do que com o discurso de Lula na homenagem das universidades pernambucanas. Ao receber de uma só vez os três títulos de Doutor Honoris Causa, Lula disse que tirou 28 milhões de pessoas da miséria e levou outros 39 milhões de brasileiros para a classe média. Foi como se estivesse lendo um texto escrito a quatro mãos pelos professores Naomar Almeida, que também é pesquisador de alto nível do CNPq, e Marcelo Neri, economista da Fundação Getúlio Vargas e ficcionista dessa “nova classe média”. Com acadêmicos assim, nenhum governo precisa de Duda Mendonça. Alinhamento com o governo
Desde a eleição de Lula em 2002, as universidades federais se alinharam com o governo da União. Começando pelos seus respectivos portais na internet. Ao longo dos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, um estrangeiro que entrasse numa página das universidades federais na rede não seria capaz de imaginar que elas integram o sistema federal de ensino. Raramente havia alguma referência institucional ao Ministério da Educação. Bastou Lula assumir o poder para que as universidades estampassem logomarcas do governo federal em suas páginas, começando pelo apoio integral ao falido Fome Zero. Hoje, todos os portais das universidades federais integram o site do Ministério da Educação.
Ressalvando aquele apoio acrítico e desnecessário ao Fome Zero, essa institucionalização das federais junto ao MEC não está errada. Errados estavam os docentes e até reitores que se comportavam como oposição ao governo FHC, como se universidade fosse partido político. Isso fez com que Fernando Henrique Cardoso saísse do governo com a fama de ter destruído as universidades públicas — o que está muito longe da verdade, como comprovam os próprios dados do Inep. O aumento da oferta de vagas nas universidades federais começou justamente no governo FHC, que criou a política de abertura dos cursos noturnos, enfrentando forte resistência dos docentes. Como o PT e a universidade — sua aliada — estavam na oposição, eles fingiam não ver que a criação de cursos noturnos era uma forma de inclusão social, tão defendida em suas próprias teses.
Da mesma forma, a qualificação docente, por meio de especialização, mestrado e doutorado, teve forte incremento durante o governo FHC. Eu mesmo defendi meu mestrado em sociologia na Universidade Federal de Goiás em 2002 e sou testemunha do investimento que o MEC fez na pós-graduação da UFG, montando bons laboratórios de informática, já com internet rápida para os padrões da época, o que não era comum nem nas empresas privadas. Dados do Inep mostram que o número de mestres passou de 29.046 em 1991 para 77.404 em 2002. No mesmo período, o número de doutores saltou de 17.712 para 49.287. E já em 2002, segundo dados da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), 86% dos programas de mestrado e doutorado estavam em instituições públicas, dos quais, 56% em instituições federais. Política de terra arrasada
Os dados sobre o ensino superior no Brasil não permitem que se estabeleça um fosso entre a suposta política de terra arrasada do governo FHC e a igualmente suposta redenção do governo Lula. Nenhum governo, nem mesmo Fernando Collor se tivesse ficado mais tempo no poder, poderia asfixiar completamente a universidade pública. Ela é que congrega os filhos das elites e fornece quadros para a própria administração pública, especialmente advogados, médicos e engenheiros. Logo, seu poder de pressão é gigantesco e nenhum governo se sustenta por muito tempo se não tiver algum apoio nas universidades. Até as ditaduras sabem disso, tanto que os governos militares criaram 104 instituições de ensino superior estatais, entre elas, 15 universidades federais — mais do que Lula e Fernando Henrique juntos.
As supostas rupturas e revoluções ficam bem no discurso político, mas não servem para descrever a realidade. Em seu discurso de Doutor Honoris Causa, Lula afirmou que, na década de 90 (referindo-se obviamente a FHC), as universidades federais foram abandonadas, sob o pretexto de que era preciso investir no ensino básico. “Nosso governo inverteu completamente a equação. Provamos na prática que é possível expandir e qualificar o sistema educacional como um todo, da pré-escola à pós-graduação. O fato óbvio, naquela época menosprezado, é que cabe à universidade colaborar com a escola pública, provendo-a de educadores de qualidade, que, por sua vez, formarão melhores alunos para o ingresso no ensino superior” — afirmou o ex-presidente, acrescentando que, em seu governo, os investimentos em educação passaram de R$ 17 bilhões em 2003 para R$ 65 bilhões em 2010.
É certo que esse discurso de Lula encontra certa resistência na Andes (o sindicato dos professores) e na União Nacional dos Estudantes (UNE), mas as críticas que o governo petista tem de ouvir nem de longe se equiparam ao fogo cerrado que Fernando Henrique Cardoso enfrentou em seu tempo, com greves recorrentes a cada ano letivo. É como se houvesse algo de substancialmente diferente na política do governo petista para o ensino superior. Lula, quando estava na oposição, era um crítico ferrenho do que chamava de sucateamento e privatização do ensino superior. Entretanto, em seus dois governos, ele intensificou mais ainda a política de financiamento público do ensino privado. Financiamento de estudantes
Segundo dados do Inep, de cada dez alunos que estudam nas instituições privadas de ensino superior, três recebem algum tipo de financiamento estudantil, totalizando 1.235.309 bolsistas. Desse total, 1.019.532 recebem bolsas reembolsáveis, enquanto 215.777 são beneficiados com bolsas não reembolsáveis, ou seja, não precisam ser pagas pelo aluno depois de formado. As próprias instituições de ensino superior financiam 44% do total de bolsas não reembolsáveis, enquanto o Prouni, do governo federal, arca com 25% das bolsas integrais e 11% das parciais. Os governos estaduais são responsáveis por 4% dessas bolsas, os municípios, 2% e entidades externas, 3%, além de 11% que contam com fontes de financiamento diversas.
Também em relação às bolsas reembolsáveis, o papel do governo federal é muito ex-pressivo. O Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), cujos juros caíram para 3,4% ao ano, arca com 64% das bolsas reembolsáveis. O restante é distribuído entre as próprias instituições de ensino superior (18%), governos estaduais (5%), governos municipais (2%), entidades externas (4%) e outras fontes de financiamento (5%). Além disso, o governo ainda investe num segmento específico de estudantes das próprias universidades federais — aqueles que são beneficiados pelas ações afirmativas, sejam elas étnico-raciais ou sociais.
Mas um estudo da própria Andifes, que acaba de ser publicado, reconhece que a proporção de estudantes das classes C, D e E continua “estagnada” nas universidades federais, a despeito das ações afirmativas. Em 1996, no primeiro governo de Fernando Henrique, quando se fez o primeiro levantamento do gênero, 44,33% dos alunos das federais enquadravam-se nas classes C, D e E. Em 2010, no último ano do governo Lula, suposto pai da nova classe média, esse contingente caiu para 43,7%. Como a Andifes é muito generosa com Lula, ela chama essa queda de “estagnação”, sem considerar o aumento populacional e o aumento das matrículas nesse período de 14 anos.
Além desse investimento nos estudantes, o governo federal também investiu na abertura de mais vagas para docentes. Em 2008, o governo Lula realizou concurso para mais de 6 mil professores e 4 mil funcionários nas 56 universidades federais. Segundo dados da Andifes, entre 2003 e 2006 foram liberadas 9.260 vagas para docentes. E o governo federal continua soltando verba para as universidades públicas mesmo sob o contingenciamento de verbas do governo-ressaca de Dilma Rousseff. No primeiro semestre deste ano, só a UFG, entre outras verbas, recebeu R$ 3.180.942, destinados a programa de "inclusão social e étnico-racial no ensino superior". Qualidade em dúvida
E o que dizer da qualidade do ensino superior no governo Lula? Talvez a melhor forma de analisar essa questão é avaliando o efeito do ensino superior no ensino básico — tema do meu próximo artigo. Uma ladainha que tucanos e petistas — cada um no seu tempo — gostam de recitar em defesa das universidades federais é que, ao contrário do que se pensa (dizem eles), elas não são de elite e recebem, sim, alunos oriundos das escolas públicas. Paulo Renato de Souza, quando ministro, dizia isso, e Fernando Haddad, também, a exemplo dos demais ministros e até dos secretários estaduais de educação, que tentam fingir que a escola pública é boa.
A própria Andifes, antes de reconhecer que as ações afirmativas não ajudaram muito, procurou enfatizar na imprensa, quando da divulgação inicial de sua pesquisa, que 43% dos alunos das universidades federais eram provenientes das classes C, D e E. E a entidade ressaltou, ainda, que esse dado acaba com o mito de que as universidades públicas são para os ricos. Como se os dados de agora fossem diferentes dos dados de 15 anos atrás, quando as autoridades educacionais repetiam essa mesma cantilena, sem, no entanto, conseguir acabar com o suposto mito. E não acabam porque não se trata de mito, mas de fato — as universidades federais são para os mais ricos e as particulares para os mais pobres.
Outro estudo que a Andifes está divulgando com estardalhaço confirma isso. Na página da entidade na internet, uma das principais manchetes tem o seguinte título: “Universidades federais confirmam qualidade: são as que mais aprovam na OAB”. No Exame da OAB realizado em dezembro de 2010, o levantamento por universidade de origem dos aprovados mostrou que, das 30 universidades mais bem colocadas, 23 são públicas e 16 são federais. Por outro lado, os candidatos que tiveram melhor desempenho, entre 80% e 90% dos resultados, eram oriundos das universidades federais.
Na matéria oficial da própria Andifes, os reitores ouvidos — inclusive o reitor da UFG, Edward Brasil, também presidente da entidade — foram unânimes em ressaltar a qualidade do ensino das federais como razão desse alto índice de aprovação no Exame da Ordem. Houve até reitor que aproveitou o fato para elogiar os investimentos feitos nas universidades federais pelo governo Lula, que seriam responsáveis pela qualidade do ensino. Nenhum deles se lembrou do verdadeiro fator do sucesso no Exame da Ordem — o ensino básico bem feito que esses futuros advogados fizeram em escolas privadas. O que as federais fazem, com as exceções de sempre, é apenas reforçar a herança que os mais ricos cultural ou economicamente já trazem do berço.
Em setembro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva receberá seu sexto título de Doutor Honoris Causa (o segundo de uma instituição estrangeira), que lhe será concedido pela Universidade Sciences Po, de Paris. A estreia do torneiro-mecânico na seara do sociólogo Fernando Henrique Cardoso se deu na Universidade de Viçosa, em janeiro deste ano. Em março foi a vez da Universidade de Coimbra e, em julho, Lula recebeu de uma só vez três títulos de Doutor Honoris Causa, concedidos por três universidades pernambucanas, a Federal, a Federal Rural e a Estadual. A justificativa para as homenagens ao ex-presidente petista foi o investimento do seu governo na educação, especialmente no ensino superior.
Do que discordo. Onde Naomar de Almeida Filho escreve “comparação tecnicamente mais correta” deve-se ler “politicamente mais viável” — para o governo Lula, é claro. Estatística de governo não é estatística de acidentes de trânsito nas estradas, em que não se pode comparar dados de julho de um ano com setembro de outro ano, uma vez que num mês de férias as pessoas viajam mais e os acidentes, obviamente, aumentam. Ao contrário dos acidentes de trânsito, governos não são fruto de sazonalidades, mas de planejamento; logo, Naomar de Almeida está errado e se, nos seis primeiros anos de seu governo, Lula gerou menos matrículas do que Fernando Henrique em seus últimos quatro anos, Reinaldo Azevedo está certo.
Ocorre que o jornalista de “Veja” não explica claramente seus dados, o que deixa dúvida sobre a sua argumentação em defesa da política de Fernando Henrique para o ensino superior. A exemplo do ex-reitor da Universidade Federal da Bahia, também não sei de onde Reinaldo Azevedo tirou a informação de que nos seis primeiros anos do governo Lula houve apenas 76 mil novas matrículas nas universidades federais contra 158.461 do segundo mandato de Fernando Henrique. As diferenças ano a ano, entre 2003 e 2008, somam 111.467 novas matrículas. Ao menos nesse caso específico, concordo com a crítica de Naomar de Almeida: “Números redondos são em geral suspeitos: sugerem ausência de fontes”.
Desde a eleição de Lula em 2002, as universidades federais se alinharam com o governo da União. Começando pelos seus respectivos portais na internet. Ao longo dos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, um estrangeiro que entrasse numa página das universidades federais na rede não seria capaz de imaginar que elas integram o sistema federal de ensino. Raramente havia alguma referência institucional ao Ministério da Educação. Bastou Lula assumir o poder para que as universidades estampassem logomarcas do governo federal em suas páginas, começando pelo apoio integral ao falido Fome Zero. Hoje, todos os portais das universidades federais integram o site do Ministério da Educação.
Ressalvando aquele apoio acrítico e desnecessário ao Fome Zero, essa institucionalização das federais junto ao MEC não está errada. Errados estavam os docentes e até reitores que se comportavam como oposição ao governo FHC, como se universidade fosse partido político. Isso fez com que Fernando Henrique Cardoso saísse do governo com a fama de ter destruído as universidades públicas — o que está muito longe da verdade, como comprovam os próprios dados do Inep. O aumento da oferta de vagas nas universidades federais começou justamente no governo FHC, que criou a política de abertura dos cursos noturnos, enfrentando forte resistência dos docentes. Como o PT e a universidade — sua aliada — estavam na oposição, eles fingiam não ver que a criação de cursos noturnos era uma forma de inclusão social, tão defendida em suas próprias teses.
Da mesma forma, a qualificação docente, por meio de especialização, mestrado e doutorado, teve forte incremento durante o governo FHC. Eu mesmo defendi meu mestrado em sociologia na Universidade Federal de Goiás em 2002 e sou testemunha do investimento que o MEC fez na pós-graduação da UFG, montando bons laboratórios de informática, já com internet rápida para os padrões da época, o que não era comum nem nas empresas privadas. Dados do Inep mostram que o número de mestres passou de 29.046 em 1991 para 77.404 em 2002. No mesmo período, o número de doutores saltou de 17.712 para 49.287. E já em 2002, segundo dados da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), 86% dos programas de mestrado e doutorado estavam em instituições públicas, dos quais, 56% em instituições federais.
Os dados sobre o ensino superior no Brasil não permitem que se estabeleça um fosso entre a suposta política de terra arrasada do governo FHC e a igualmente suposta redenção do governo Lula. Nenhum governo, nem mesmo Fernando Collor se tivesse ficado mais tempo no poder, poderia asfixiar completamente a universidade pública. Ela é que congrega os filhos das elites e fornece quadros para a própria administração pública, especialmente advogados, médicos e engenheiros. Logo, seu poder de pressão é gigantesco e nenhum governo se sustenta por muito tempo se não tiver algum apoio nas universidades. Até as ditaduras sabem disso, tanto que os governos militares criaram 104 instituições de ensino superior estatais, entre elas, 15 universidades federais — mais do que Lula e Fernando Henrique juntos.
As supostas rupturas e revoluções ficam bem no discurso político, mas não servem para descrever a realidade. Em seu discurso de Doutor Honoris Causa, Lula afirmou que, na década de 90 (referindo-se obviamente a FHC), as universidades federais foram abandonadas, sob o pretexto de que era preciso investir no ensino básico. “Nosso governo inverteu completamente a equação. Provamos na prática que é possível expandir e qualificar o sistema educacional como um todo, da pré-escola à pós-graduação. O fato óbvio, naquela época menosprezado, é que cabe à universidade colaborar com a escola pública, provendo-a de educadores de qualidade, que, por sua vez, formarão melhores alunos para o ingresso no ensino superior” — afirmou o ex-presidente, acrescentando que, em seu governo, os investimentos em educação passaram de R$ 17 bilhões em 2003 para R$ 65 bilhões em 2010.
É certo que esse discurso de Lula encontra certa resistência na Andes (o sindicato dos professores) e na União Nacional dos Estudantes (UNE), mas as críticas que o governo petista tem de ouvir nem de longe se equiparam ao fogo cerrado que Fernando Henrique Cardoso enfrentou em seu tempo, com greves recorrentes a cada ano letivo. É como se houvesse algo de substancialmente diferente na política do governo petista para o ensino superior. Lula, quando estava na oposição, era um crítico ferrenho do que chamava de sucateamento e privatização do ensino superior. Entretanto, em seus dois governos, ele intensificou mais ainda a política de financiamento público do ensino privado.
Segundo dados do Inep, de cada dez alunos que estudam nas instituições privadas de ensino superior, três recebem algum tipo de financiamento estudantil, totalizando 1.235.309 bolsistas. Desse total, 1.019.532 recebem bolsas reembolsáveis, enquanto 215.777 são beneficiados com bolsas não reembolsáveis, ou seja, não precisam ser pagas pelo aluno depois de formado. As próprias instituições de ensino superior financiam 44% do total de bolsas não reembolsáveis, enquanto o Prouni, do governo federal, arca com 25% das bolsas integrais e 11% das parciais. Os governos estaduais são responsáveis por 4% dessas bolsas, os municípios, 2% e entidades externas, 3%, além de 11% que contam com fontes de financiamento diversas.
Também em relação às bolsas reembolsáveis, o papel do governo federal é muito ex-pressivo. O Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), cujos juros caíram para 3,4% ao ano, arca com 64% das bolsas reembolsáveis. O restante é distribuído entre as próprias instituições de ensino superior (18%), governos estaduais (5%), governos municipais (2%), entidades externas (4%) e outras fontes de financiamento (5%). Além disso, o governo ainda investe num segmento específico de estudantes das próprias universidades federais — aqueles que são beneficiados pelas ações afirmativas, sejam elas étnico-raciais ou sociais.
Mas um estudo da própria Andifes, que acaba de ser publicado, reconhece que a proporção de estudantes das classes C, D e E continua “estagnada” nas universidades federais, a despeito das ações afirmativas. Em 1996, no primeiro governo de Fernando Henrique, quando se fez o primeiro levantamento do gênero, 44,33% dos alunos das federais enquadravam-se nas classes C, D e E. Em 2010, no último ano do governo Lula, suposto pai da nova classe média, esse contingente caiu para 43,7%. Como a Andifes é muito generosa com Lula, ela chama essa queda de “estagnação”, sem considerar o aumento populacional e o aumento das matrículas nesse período de 14 anos.
Além desse investimento nos estudantes, o governo federal também investiu na abertura de mais vagas para docentes. Em 2008, o governo Lula realizou concurso para mais de 6 mil professores e 4 mil funcionários nas 56 universidades federais. Segundo dados da Andifes, entre 2003 e 2006 foram liberadas 9.260 vagas para docentes. E o governo federal continua soltando verba para as universidades públicas mesmo sob o contingenciamento de verbas do governo-ressaca de Dilma Rousseff. No primeiro semestre deste ano, só a UFG, entre outras verbas, recebeu R$ 3.180.942, destinados a programa de "inclusão social e étnico-racial no ensino superior".
E o que dizer da qualidade do ensino superior no governo Lula? Talvez a melhor forma de analisar essa questão é avaliando o efeito do ensino superior no ensino básico — tema do meu próximo artigo. Uma ladainha que tucanos e petistas — cada um no seu tempo — gostam de recitar em defesa das universidades federais é que, ao contrário do que se pensa (dizem eles), elas não são de elite e recebem, sim, alunos oriundos das escolas públicas. Paulo Renato de Souza, quando ministro, dizia isso, e Fernando Haddad, também, a exemplo dos demais ministros e até dos secretários estaduais de educação, que tentam fingir que a escola pública é boa.
A própria Andifes, antes de reconhecer que as ações afirmativas não ajudaram muito, procurou enfatizar na imprensa, quando da divulgação inicial de sua pesquisa, que 43% dos alunos das universidades federais eram provenientes das classes C, D e E. E a entidade ressaltou, ainda, que esse dado acaba com o mito de que as universidades públicas são para os ricos. Como se os dados de agora fossem diferentes dos dados de 15 anos atrás, quando as autoridades educacionais repetiam essa mesma cantilena, sem, no entanto, conseguir acabar com o suposto mito. E não acabam porque não se trata de mito, mas de fato — as universidades federais são para os mais ricos e as particulares para os mais pobres.
Outro estudo que a Andifes está divulgando com estardalhaço confirma isso. Na página da entidade na internet, uma das principais manchetes tem o seguinte título: “Universidades federais confirmam qualidade: são as que mais aprovam na OAB”. No Exame da OAB realizado em dezembro de 2010, o levantamento por universidade de origem dos aprovados mostrou que, das 30 universidades mais bem colocadas, 23 são públicas e 16 são federais. Por outro lado, os candidatos que tiveram melhor desempenho, entre 80% e 90% dos resultados, eram oriundos das universidades federais.
Na matéria oficial da própria Andifes, os reitores ouvidos — inclusive o reitor da UFG, Edward Brasil, também presidente da entidade — foram unânimes em ressaltar a qualidade do ensino das federais como razão desse alto índice de aprovação no Exame da Ordem. Houve até reitor que aproveitou o fato para elogiar os investimentos feitos nas universidades federais pelo governo Lula, que seriam responsáveis pela qualidade do ensino. Nenhum deles se lembrou do verdadeiro fator do sucesso no Exame da Ordem — o ensino básico bem feito que esses futuros advogados fizeram em escolas privadas. O que as federais fazem, com as exceções de sempre, é apenas reforçar a herança que os mais ricos cultural ou economicamente já trazem do berço.
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