A ANAC resolveu colocar nas costas das empresas aéreas toda a incúria de sua
atuação.
Por Klauber Cristofen Pires
Nesta semana uma das notícias de maior impacto foi o
anúncio das medidas da ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil impondo pesadas
multas para as companhias aéreas e donos de aeronaves particulares que se
atrasarem ou operarem em horários não autorizados e utilizarem slots
diferentes dos autorizados, podendo as sanções incluírem suspensões e multas
para os pilotos e ordem de saída do país em caso de aeronaves estrangeiras.
Segundo Marcelo Guaranys, presidente da Anac. “O
que nós queremos com isso é incentivar que as empresas utilizem, de fato, os
horários que foram planejados, para que o nosso planejamento dê certo”. De acordo com meu entendimento, um incentivo
é algum prêmio a ser conferido a alguém que cumpre uma meta ou um objetivo; não
me parece um incentivo, mas uma punição para o caso de não cumprimento. Os
políticos e burocratas com suas linguagens ambíguas...
Agora vejam que coisa interessante: A quem causa
prejuízo um atraso causado, diga-se lá, pela empresa aérea? Aos passageiros,
certo? Todavia, como acontece freqüentemente com tais resoluções estatais, as
multas são revertidas em favor do estado, e não para os cidadãos prejudicados! Neste
aspecto, parece haver, aí sim, um verdadeiro estímulo para a criação de
uma indústria de multas, que obviamente não estará interessada em resolver
problemas, senão em perpetuá-los.
Pois vamos aos fatos: o governo federal teve no
mínimo sete anos para se preparar para a Copa. A bem da verdade, a manifestação
da intenção já alcança onze anos! Além disso, em relação a um assunto que é a
administração dos aeroportos, muito mais tempo teve à sua disposição, pois tem
uma empresa aérea estatal, a Infraero, que cobra caro por taxas de embarque
para prover a infraestrutura e garantir a segurança dos aeroportos, que deveria
desde que os primeiros foram inaugurados ter implementado medidas óbvias tais
como construir mais pistas e dotá-las com ranhuras (groovings) e outros
dispositivos de drenagem e escape. Ou será que somente os gringos são gente?
Ao invés disso, a Infraero tem investido em salões de
embarque e desembarque, o que dá a impressão aos passageiros de que as
necessárias obras de revitalização das obras foram feitas, quando em verdade
quase nada mudou, a não ser o loteamento de lojas caríssimas. No aeroporto de Brasília,
um café, uma garrafa de água e um pão de queijo podem estar custando cerca de
R$ 20,00. Como diz um antigo adágio político, “cano enterrado não dá votos!”.
O resultado é que em várias cidades do Brasil as
companhias aéreas estão desviando vôos por causa da insegurança das pistas,
sobretudo em caso de tempo chuvoso. Em Belém, ainda hoje as pistas não possuem
as tais ranhuras, e comumente empresas como a TAM desviam os pousos para São
Luís e Fortaleza, o mesmo fato acontecendo amiúde com os aeroportos de Manaus,
Boa Vista, Porto Velho e Macapá, sem falar de outras regiões do país. Saliente-se que pelo menos há um milhão de
anos chove com freqüência na Amazônia, sobretudo entre os meses de dezembro a
junho.
Nada contra dotar as estações de passageiros de lojas
e restaurantes; muito pelo contrário, pois elas dão suporte aos que esperam
pelos seus vôos, além de ajudar a financiar o custo de manutenção dos
aeroportos; porém, isto é uma medida acessória que usurpou o lugar de primeira
prioridade, quando não única, revelando interesses inconfessáveis em jogo.
Em uma sociedade livre, em que a economia de mercado
possa funcionar sem as amarras estatais, e onde a concorrência é ampla, é de se
esperar que as empresas pretendam voluntariamente promover atrasos para perder
reputação e dinheiro? Oras, em um cenário de verdadeira liberdade empresarial,
atrasos significam multas e indenizações altas, mas que foram prévia,
voluntária e mutuamente estabelecidas em contratos onde da parte dos aeroportos
se exigem as condições adequadas de segurança e de operação. É assim nos países
mais desenvolvidos, que operam durante o tempo todo a uma freqüência
infinitamente maior do que a verificada nos terminais brasileiros.
Meu temor, caros leitores, é que as empresas se vejam
forçadas a pousar em condições desfavoráveis para cumprir as determinações da
ANAC, a fim de evitar as pesadas multas, arriscando-se desta forma a brindar a
Copa com um grave desastre aéreo. No Brasil, não existem “acidentes”: eles são
planejados cuidadosamente pelo governo, e com bastante antecedência!
Isto me lembra do fantástico livro de Ayn Rand, A
Revolta de Atlas. A autora deve ser lida com alguma cautela, como se come um
peixe com cuidado para não engolir a espinha, pois há algumas posições
equivocadas, principalmente contra o Cristianismo, que são até certo ponto
explicáveis, uma vez que há mesmo muitos cristãos que adotam certos valores
como o pobrismo e uma confusão entre caridade a necessitados com o sustento
incondicional de vagabundos, bem como ainda prevalece uma postura contra a
economia de mercado, chegando até mesmo, muitos deles, a enveredarem-se pela
perigosa trilha do socialismo, via teologia da libertação, que o professor
(católico) Thomas Woods Jr. tem procurado desmistificar e combater. No mais, no
que toca aos valores individuais, especialmente no campo da liberdade de
empreender, recomendo-a efusivamente aos empresários brasileiros, tão
carregados de vícios tais como a tal da “responsabilidade social”.
Há uma parte do livro que se encaixa como em uma luva
e esta recente resolução da ANAC: trata-se de um grupo de políticos que viajam
em um trem que pára por pane causada por falta de manutenção, e isto porque
todo o sistema rodoviário do país está em colapso devido às inúmeras intervenções
governamentais sobre as empresas que foram impostas por eles próprios: faltam
locomotivas, faltam trilhos e peças, bem como também trabalhadores
qualificados. Todavia, tendo um comício na cidade de destino os aguardando,
lançam de seu poder e influência para exigir aos gritos que a companhia
substitua imediatamente a locomotiva, e após um longo tempo de conflitos por
funcionários que não queriam assumir nenhuma responsabilidade, acabam tendo
sido atendidos, com uma velha “maria-fumaça”, pois não havia mais nenhuma
locomotiva a diesel disponível, e o resultado final é que ao atravessar um
túnel, os passageiros - entre eles os
políticos presunçosos - são asfixiados pela fumaça da chaminé da locomotiva,
que enfim, explode e incendeia os vagões.
Abaixo, destaco algumas das falas envolvendo o
personagem Kip Chalmers, um desses arrogantes políticos; prestem especial
atenção ao último parágrafo, que pus em negrito...
Chalmers ficou olhando para o homem, estupefato.
– Vamos ficar parados aqui até amanhã de manhã?
– Sim, senhor.
– Aqui?
– É.
– Mas eu tenho um comício em São Francisco no fim
da tarde!
O chefe do trem não disse nada.
– Por quê? Por que tivemos que parar? Por que
diabos? O que houve?
Lenta e pacientemente, com uma polidez cheia de
desprezo, o chefe do trem explicou o que de fato havia acontecido. Mas há anos,
no ensino fundamental, no médio e na faculdade, Chalmers aprendera que o homem
não vive e não precisa viver com base na razão.
– O túnel que se dane! – gritou ele. – Você acha
que vou deixar que vocês me prendam aqui por causa de uma porcaria de um túnel?
Você quer estragar planos importantíssimos de âmbito nacional por causa de um
túnel? Diga ao maquinista que eu tenho que estar em São Francisco amanhã à
tarde, e que ele tem que me levar lá!
– Como?
– Isso é problema seu, não meu!
– Não há como.
– Então invente um jeito, seu desgraçado!
O chefe do trem não disse nada.
– Acha que eu vou deixar que seus problemas
técnicos ridículos interfiram com questões sociais críticas? Você sabe com quem
está falando? Diga ao maquinista que vamos sair agora, se é que ele não quer
perder o emprego!
– O maquinista está cumprindo ordens.
– As ordens que se danem! Aqui quem dá ordens sou
eu! Mande ele dar a partida imediatamente!
– Creio que é melhor o senhor falar com o chefe da
estação, Sr. Chalmers. Não tenho autoridade para responder ao senhor do modo
como gostaria de fazê-lo – disse o chefe do trem e saiu.
Chalmers se levantou de um salto.
– Espere, Kip… – disse Lester Tuck, hesitante. –
Talvez seja verdade… talvez eles não possam mesmo fazer nada.
– Se tiverem que dar um jeito, eles conseguem! –
berrou Chalmers, saindo do vagão com passos decididos.
Anos antes, na faculdade, haviam lhe ensinado que a
única maneira eficaz de fazer as pessoas
funcionarem era meter-lhes medo.
Olá, excelente artigo! Mais uma área que não funciona no Brasil... e simplesmente por falta de vontade, pois dinheiro tem de sobra! Escrevi um artigo sobre as "coisas que nao funcionam no Brasil", se quiser deixar uma opinião, fique à vontade. www.indignadofalante.blogspot.com.br
ResponderExcluirOi Klauber,
ResponderExcluirParabéns pelo blog.
Eu queria complementar sua análise com algumas informações quanto as novas regras impostas pela ANAC, então fiz um rápida especulação com as informações disponíveis, vamos aos números:
Segundo o último anuário do transporte aéreo da ANAC (2012) nos últimos 10 anos (2003 a 2012) o ano com menor média de atrasos acima de 30 minutos foi 2009 com 10,8% de voos atrasados e a média de atrasos no período foi de 15,2%. Esse é o atraso médio para 30 minutos.
A Resolução 316/2014 da ANAC em seu artigo 14 estabelece que qualquer divergência de horário maior do que 15 minutos será considerada como operação em desacordo com o slot e receberá multa de 42 mil Reais. Se o voo decolar com 15 minutos de atraso e pousar com 15 minutos de atraso, então são duas multas de 42 mil reais.
Vamos fazer uma rápida especulação. Considerando que a média de atrasos de 30 minutos é 15%, que em períodos de grande movimento como será a Copa do Mundo os atrasos aumentam, e que a Resolução 316/2014 da ANAC vai multar os voos atrasado em meros 15 minutos, então, devemos ter uma grande parcela de voos a serem multados, talvez, na faixa dos 30 a 40%.
Vamos supor um índice de 30% de atrasos acima de 15 minutos na Copa. Isso significa que 30% dos voos vão pagar multas 84 mil Reais por voo (42 pela partida atrasada e 42 mil pela chegada atrasada). Na média as empresas aéreas pagariam por voo 25.200 Reais em multas, que provavelmente seriam incorporados aos custos da empresa. Mas as empresas aéreas ganham milhões né, isso deve ser pouco. Mas não é.
Elas ganham e gastam milhões, hoje a GOL divulgou prejuízo recorde de 96 milhões de Reais, e as multas não são baratas. Vamos as contas, um avião médio de 130 lugares que comercializa 76,6% dos assentos (informação da ANAC para 2012) tem quase 100 passageiros pagantes por voo. Segundo a ANAC o bilhete médio em 2012 foi R$ 294,83, vamos supor que o bilhete médio hoje custe 350 Reais. Nesse caso a empresa aérea teria uma receita bruta por voo de 35.000 Reais.
Portanto, dos 35.000 Reais de receita bruta por voo, as empresas aéreas acabariam pagando 25.200 de multas para a ANAC, mais de 70%.
E observem que analisamos apenas uma única obrigação dessa Resolução. As multas de 21 mil Reais para cancelamentos de voos (média histórica de cancelamentos é 12,9%), multas de 42 mil Reais para aeronaves que permanecerem em solo mais tempo que o previamente autorizado, as multas para os pilotos, entre outras multas.
Porque é então que as empresas aéreas não estão revoltadas, protestando contra essa Resolução? Porque elas sabem que não vão pagar essas multas.
Dê uma olhada na pauta da próxima reunião da Junta Recursal da ANAC, trata-se da segunda instância administrativa da Agência, a qual praticamente todos os Autos de Infração vão. Na reunião de 15/05/2014, que é semanal, eles vão julgar 57 processos. Isso dá uma média 228 processos mês.
Em 2012 tivemos 989 mil voo comerciais. Se 30% deles forem multados nós teremos quase 25 mil processos de Autos de Infração a serem instaurados por mês. Se uma única obrigação de uma única norma criar 25 mil processos administrativos por mês a serem julgados e a capacidade de julgamento da ANAC é de 228 processos por mês, duas coisas aconteceram. Primeiro a imensa maioria dos processos não será julgada e prescreverá, segundo serão contratados ainda mais servidores para que a agência reguladora consiga julgar pelo menos alguns desses processos. Nos dois casos quem perde é o povo brasileiro.
Bom dia Klauber,
ResponderExcluirParabéns pelo texto, entretanto, exite um fato de 1a ordem que não foi considerado:
As concessionárias NÃO pagam as multas impostas pelas agências reguladoras. Elas entram na justiça e protelam o pagamento para todo sempre!
Não há autoridade neste país. Tudo é ajuizado e tudo é relativo! E tudo pode demorar: para todo sempre! Parece até que são direitos fundamentais também!
Tente pesquisar, por exemplo, as receitas de multas na ANTT sobre o trasnporte ferroviário. Pq a ANAC seria diferente?