"Política e politicalha não se confundem, não se parecem, não se
relacionam com a outra, antes se negam, se repulsam mutuamente. A política é a
higiene dos países moralmente sadios. A politicalha, a malária dos povos de
moralidade estragada". (Rui Barbosa)
Lula e o PT só poderiam crescer num país como o Brasil que tem uma
sociedade com características estranhas. Historicamente a sociedade e a
política brasileira são marcadas por três características culturais principais:
patrimonialismo, personalismo e autoritarismo. Esses "ismos" dão
origem à fragilidade da nossa democracia como o clientelismo, o coronelismo, a
corrupção e a falta de diretrizes políticas partidárias consistentes.
Por Armando Soares
O Brasil
nasce com a natureza de um governo colonial que passa a exercer poderosa
influência sobre o pensamento e o comportamento políticos consequentes, daí
porque um estudioso ter afirmado que “o Brasil teve um Estado antes de ter uma
sociedade”. Portanto, o governo brasileiro desde o Brasil colônia não foi um
governo baseado em uma sociedade civil, mas num Estado que tudo dirige e para o
qual seus súditos, seus escravos, se voltam para orientação e recompensa
material. Os políticos e a política brasileira são autênticos produtos do
patrimonialismo e do coronelismo, ou seja, são uma mistura do conluio do poder
estatal e o poder privado com a finalidade de distribuir facilidades e
oportunidades. Nesse sistema, que prevalece até os nossos dias, não há
cidadãos, há súditos num sistema de troca com o Estado, regido pelo favoritismo
pessoal do governante. O Brasil é, portanto, sem nenhuma dúvida, o país do
clientelismo, do nepotismo, da corrupção e da inconsciência, da leviandade, da
irresponsabilidade, da irreflexão e da injustiça. Não há como negar diante do
passado provado pela história e do nosso presente que o país é entregue a um
grupo de irresponsáveis eleitos por irresponsáveis. Nas palavras de um professor
de direito que reflete a angústia dos sensatos: “Se o regime democrático
implica necessariamente a atribuição de poder soberano ao povo, é forçoso
reconhecer que este continua, como sempre esteve, em estado de menoridade
absoluta.” Nossa vida política foi
iniciada de modo original: tivemos Estado, antes de ter sociedade. Quando este
enfim principiou a existir, verificou-se desde logo que havia nascido privado
de palavra. Foi assim que o Padre Antonio Vieira o caracterizou, no Sermão da
Visitação de Nossa Senhora, pregado em Salvador em junho de 1640. Tomando por
mote a palavra latina infans, assim discorreu o grande pregador: “Bem sabem os
que sabem a língua latina, que esta palavra, infans, infante, quer dizer o que
não fala. Neste estado estava o menino Batista, quando a Senhora o visitou, e
neste permaneceu o Brasil muitos anos, que foi, a meu ver, a maior ocasião de
seus males. Como o doente não pode falar, toda a outra conjectura dificulta
muito a medicina. (…) O pior acidente que teve o Brasil em sua enfermidade foi
o tolher-se-lhe a fala: muitas vezes se quis queixar justamente, muitas vezes
quis pedir o remédio de seus males, mas sempre lhe afogou as palavras na
garganta, ou o respeito, ou a violência; e se alguma vez chegou algum gemido
aos ouvidos de quem o devera remediar, chegaram também as vozes do poder, e
venceram os clamores da razão”. Iniciamos nossa vida política, sem sociedade.
Alcançamos agora a maturidade, como se o povo continuasse politicamente a não
existir, ou melhor, existe para ser usado como gado para puxar uma carroça
pútrida de governantes, políticos e clientes do Estado de cor vermelha ou preta
com o rosto da caveira, piratas.
Lula e o PT nasceram e foram criados
dentro de um cenário político onde sempre vigorou a presença forte do Estado
sem uma sociedade apenas com súditos e escravos obedientes da vontade dos
governantes. Foram criados e se desenvolveram dentro de um cenário permissível a
todo tipo de anomalia e promessas enganadoras, coisa que a sociedade brasileira
admite e sempre admitiu, pois sempre conviveu com a presença do Estado acima da
sociedade. Dentro dessa visão, dessa realidade, temos que admitir que Lula e
seu partido estão certos. Os errados é a sociedade brasileira, o povo
brasileiro, os empresários que vendem suas almas para garantir favores e
benefícios do Estado, causa da nossa improdutividade e ausência de inovação; são
os grandes produtores rurais íntimos do Estado e distantes de um Brasil melhor
sem a canga do Estado; são os políticos e políticas sujas e nocivas. Lula, que
usa e usou sua inteligência maléfica, como um comediante, ri da estupidez da
sociedade brasileira que acreditou em suas promessas e, agora, em razão de sua
impotência e costumeiramente súdito ou escravo, não está achando meios para
rechaça-lo do poder com seus vassalos. Lula e o PT estão a vinte anos fazendo
pouco da sociedade, dos ricos, dos políticos chamados de oposição, do sistema,
das elites econômicas, dos pobres, da classe média, enfim de todos os
brasileiros. Ele trabalha com os vícios, cacoetes e defeitos de cada um desse
pessoal, o que é a sua defesa, o seu escudo. Da classe dos políticos comprou suas almas; aos pobres deu esmolas
para poderem continuar a viver sem liberdade sustentados pelo Estado benemerente,
pois preferem à canga à liberdade conquistada através do esforço próprio, do
conhecimento, da cultura, preferindo curtir a pobreza oportunista e reclamando
contra tudo e todos, principalmente contra aqueles que se esforçaram para
adquirir conhecimentos, cultura que propiciaram a aquisição de patrimônios e
renda condigna; aos intelectuais contaminados pelo ideal comunista sanguinário,
Lula deu esperança e posição dentro do Estado; para advogados e juízes garantiu
renda e lugar na suprema corte uma maneira de inibi-los e evitar ser punido por
desrespeito as leis e a agressão ao Estado de Direito; enfim a todas as
classes, a todos os setores encontrou um meio de agradá-los conhecendo os seus
cacoetes, seus vícios e seus defeitos, e o principal, a falta de animo e de
convicção de que um grande país só se constrói através da sociedade e não através
de um Estado social benemerente podre, como prova a nossa realidade. Esta a
grande doença política brasileira que atravessa o tempo: ausência de uma
sociedade e a presença de um Estado corrupto devorador da decência, da ética e
da moral.
O Estado no Brasil sempre se sobrepôs à sociedade, como se fosse
algo fora dela. Nós aprendemos desde cedo que tudo depende do Estado e que nada
podemos fazer sem a presença dele, atribuindo-lhe a responsabilidade pelos
problemas da sociedade e por suas soluções. Sociedade civil enfrenta grande
dificuldade no contexto brasileiro, onde, na maior parte de nossa história,
prevaleceu uma economia escravista e, junto com ela, surgiu o que alguns
autores chamam de sociedade patriarcal. Nesse ambiente, é particularmente
difícil sair do círculo da família, estabelecendo algo como a sociedade civil.
No Brasil não se pode negar a existência de uma verdadeira “ideologia de
Estado”. Em contraste com o liberalismo, essa ideologia defenderia o predomínio
do Estado sobre o mercado como princípio organizador da sociedade. Ou melhor, a
sociedade, inicialmente amorfa, deveria ser transformada pelo Estado, passando
então a ter forma. Por fim, diferentemente do liberalismo, que acentuaria o
papel do conflito na política, o pensamento autoritário teria uma visão
harmônica das relações sociais predominantes no Brasil, o que refletiria a
intrínseca ignorância do povo brasileiro.
Armando
Soares – economista
e-mail: teixeira.soares@uol.com.br
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