Por Klauber Cristofen Pires
Creio que ainda estou para conhecer uma estrutura sedizente protetora dos direitos de propriedade tão negadora do sentido natural deste verbete. Estou a referir-me ao Ecad - Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, uma entidade formada por nove associações e que possui a delegação da Lei 9.610/98 para efetuar cobranças de direitos autorais em estabelecimentos de entretenimento, restaurantes e bares.
Esta entidade tem se revelado como um verdadeiro Eldorado arrecadatório; para que os leitores possam ter uma compreensão breve do que estou pretendendo transmitir, repasso a informação de um amigo meu, dono de uma pequena pizzaria, que por ter brindado seus clientes com um mero show de voz e violão recebeu a cobrança – mensal – do Ecad em cerca de R$ 2.400,00! Segundo o mesmo empresário, o só fato de se colocar um tv com canal aberto já enseja a ação do escritório, o que nos remete a uma confusão extrema, já que a própria emissora, que distribui, como se diz, “ao ar”, já paga os direitos autorais ao reproduzir programas, filmes e músicas, sendo que o mesmo se pode dizer dos cinemas, sobre os quais o Ecad têm exigido o pagamento de uma taxa de 2,5% sobre o faturamento com ingressos a título de direitos autorais pelas músicas das trilhas sonoras !
Antes de qualquer alvoroço desnecessário, afirmo que sou totalmente a favor do direito de propriedade intelectual, mesmo em desalinho com alguns grandes nomes da Escola Austríaca, como Hans-Hermann Hoppe. Quem compõe, deseja ver o fruto do seu trabalho render-lhe frutos e isto é justo. A negação do direito de propriedade intelectual somente incentiva a pirataria e a imitação, não a criatividade e a arte genuína.
Entretanto, o modelo que forma a estrutura e o modo de ação do Ecad mais se aproxima das entidades sindicalistas e desafia a imaginação no que se refere ao significado do direito de propriedade e nos seus desdobramentos.
Para começar, esta entidade é o resultado da união de nove associações que recebe a delegação da lei para atuar em nome de todos os artistas, quem quer que sejam, inscritos ou não inscritos. Ora, o direito de propriedade é subjetivo, e se algo me pertence, só pode representar-me a pessoa que a quem eu nomeio como minha procuradora. Esta autarquização de entidades privadas só dá ensejo à criação de extravagantes estados paralelos, que à semelhança dos chamados Conselhos de Classe e Ordens Profissionais, legislam em causa própria, fiscalizam, multam e fecham estabelecimentos sem um pingo de representatividade política.
Além disso, a propriedade privada traz como conseqüência direta o preço. O preço da música de Chitãozinho e Xororó é diferente do preço do repertório de Roberto Carlos, e ambas são diferentes do artista Fulano de tal, ainda uma revelação. Contudo, o Ecad efetua não um preço, mas uma taxação linear, que é depois redistribuída aos artistas segundo um confuso sistema de amostragem, no qual são selecionadas as 600 músicas mais tocadas de cada região geográfica do país .
Agora imaginem a hipótese de que o cantor contratado para aquela pizzaria do meu amigo cantasse somente composições próprias. Desta forma, em face da inexistência do Ecad, ele seria pago por meio do cachê contratado, da renda do couvert artístico cobrado dos clientes, ou ainda, por uma combinação destas duas formas de remuneração. Com o Ecad, entretanto, o dono do estabelecimento há de pagar a quantia exorbitante que informou àquele escritório, o qual provavelmente não repassará nada àquele artista em início de carreira, seja por não ser cadastrado, seja porque suas composições ainda não estão sendo tocadas nas rádios com um mínimo de freqüência.
Alguém há de dizer: “- oras, mas isto seria uma exceção”. Então que esta pessoa me responda: se uma pessoa for assaltada em uma rua de uma cidade qualquer da Suíça, trata-se ou não de uma agressão ao seu direito de propriedade?
O fato é que, como já tem sido reconhecido por muitos artistas, o atual sistema de cobrança efetuado pelo Ecad privilegia os artistas mais famosos em detrimento do que ainda esperam o seu lugar ao sol, muitas vezes estes mesmos que possuem trabalhos novos.
No plano constitucional, à primeira vista, o Ecad fere pelo menos três princípios fundamentais estabelecidos pelo artigo 5º da Constituição Federal de 1988:
XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;
XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;
XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;
No caso do inciso XVIII, a delegação da lei de poderes para o Ecad fixar valores e cobrar taxas e multas já configura a interferência estatal em seu funcionamento; Ademais, avaliando o inciso XXI, tendo se tornado este Escritório, na prática, a uma autarquia de fato, não sobra nenhuma opção ao artista que não a de associar-se, sob pena de jamais ver pelo menos parte do din-din a que presumivelmente tem direito; e finalmente, o Ecad somente poderia atuar em nome dos seus associados e das suas músicas ou obras, o que lhe inviabilizaria a ação caso o nosso cantor da pizzaria executasse suas próprias letras.
O resultado mais esperado desta promiscuidade advinda de enxertos de organizações privadas com o estado é a criação de uma fábrica de corrupção, e os noticiários estão aí para comprovar inúmeras fraudes, como o pagamento de 127,8 mil reais a alguém que usurpou um nome real para cadastrar-se no Ecad ou de sujeitos que cadastram obras já existentes com nomes diferentes
Em uma sociedade livre, não haveria de existir um Ecad à feição de um órgão de governo, mas várias e indefinidas agências privadas que, fiscalizando os estabelecimentos de entretenimento, agissem como legítimas representantes de seus associados, a negociar e cobrar dos responsáveis o preço de mercado por suas composições, bem como a pegar a fila na prestação estatal dos serviços judiciários, como qualquer cidadão comum.
O mais irônico nesta história é que os artistas em geral contam com uma entidade que goza do princípio da auto-executoriedade , dotada de um status de jus imperis, como autêntico órgão fiscal de tributos, logo eles que não fazem outra coisa que não difamar o sistema capitalista, a propriedade privada e aqueles a quem eles arbitrariamente decidem catalogar como burgueses, enquanto cada brasileiro comum que é roubado tem que esperar anos por uma solução policial e judicial que às mais das vezes nem sequer se concretiza.
O que mais emerge do exposto é o fato de que os maiores beneficiados desta instituição parecem ser justamente os que exercem suas funções nesta entidade, e principalmente, o estado, que tem nesta organização um autêntico órgão fiscal. O que menos conta aí é o direito de propriedade...
O último parágrafo explica tudo!
ResponderExcluirEu tenho contatos com o Pedro Baldanza, que fez parte da banda O Som Nosso de Cada Dia nos anos 70, e ele já me disse que nunca recebeu um tostão de direitos autorais.
Acredito que muitos desses grupos dos anos 70, como O Made in Brazil, a Patrulha do Espaço, o Casa das Máquinas estejam na mesma situação, embora eu nunca tenha perguntado para os outros...