quinta-feira, 2 de junho de 2011

Como uma economia cresceria com uma oferta monetária constante


arvore.jpgPor Kel Kelly - traduzido por Leandro Roque
Extraído do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil

Economistas keynesianos e mesmo os adeptos da Escola de Chicago argumentam que, para uma economia crescer, é necessário que a oferta monetária cresça constantemente — o quão grande deve ser esse crescimento é algo que varia de uma escola para a outra.

Este artigo tem dois objetivos:

1) Argumentar que uma economia crescerá tão mais rápido quanto menos dinheiro for criado; e

2) Explicar como o padrão de vida melhoraria e por que os salários não cairiam em uma economia com uma oferta monetária constante.

Como uma economia pode se expandir sem inflação monetária?
Como Mises sempre fazia questão de enfatizar, o dinheiro é apenas um meio de troca, utilizado para facilitar as transações indiretas.  Uma maior quantidade de dinheiro na economia vai apenas elevar os preços e redistribuir a renda em favor daqueles que obtiveram essa nova quantidade de dinheiro antes dos outros.  Não existe uma quantidade ótima a ser perseguida; qualquer quantidade servirá, no longo prazo.
O que gera crescimento econômico é a divisão do trabalho e a acumulação de capital.  Portanto, aumentar a quantidade de dinheiro não é necessário para fazer uma economia crescer.  Qualquer quantidade de dinheiro servirá para esse propósito, e os preços irão se ajustar correspondentemente — assim, como eles se ajustam quando a criação de dinheiro é mais rápida que a produção de bens. 
Feitas essas observações, muitos podem então se perguntar: dado que o crédito é fundamental para uma economia, como uma economia pode crescer sem criação de crédito? 
Antes de tudo, é bom esclarecer alguns conceitos: existem dois tipos de crédito.  O primeiro é o crédito criado através do processo de reservas fracionárias dos bancos.  Esse crédito produz meios fiduciários e, consequentemente, altera a oferta monetária de uma economia.  O outro crédito é aquele oriundo de depósitos a prazo.  Esse tipo de crédito — que corresponde a uma poupança genuína, pois o poupador fica sem poder consumir a quantia aplicada — não altera a oferta monetária.  Sempre que utilizar o termo 'criação de crédito', estarei me referindo ao crédito que produz meios fiduciários.
Compreendida essa distinção, passemos à explicação do porquê a criação de crédito — em oposição ao aumento da poupança real — não apenas não é necessária para que um país prospere, como também, o que é pior, gera problemas econômicos, reduzindo o crescimento de uma economia.
Quando há uma criação de crédito e a consequente expansão dos meios fiduciários, haverá todo um processo de reajuste de preços para acomodar essa maior quantidade de dinheiro na economia.  Após os preços já terem se ajustado a essa nova quantidade de dinheiro criada, o total de crédito disponível na economia voltará a ser exatamente a quantidade de dinheiro que havia sido genuinamente poupada até então, antes dessa expansão — poupança essa que agora possui um poder de compra menor. 
Criar uma nova rodada de crédito em excesso a essa poupança real existente fará apenas com que haja uma maior quantidade dinheiro que será utilizada para adquirir a mesma e inalterada quantidade de bens físicos, bens estes que deveriam ser adquiridos apenas pela poupança real — isto é similar ao jogo da dança das cadeiras, em que, ao invés de cadeiras serem retiradas, adicionam-se mais pessoas. 
Após os preços se ajustarem, todo o crédito que existia antes da criação dessa nova rodada de crédito terá sido diluído pela adição desse novo crédito.  Assim, essa sequência de criação de dinheiro fiduciário vai reduzindo o poder de compra real de cada unidade de poupança, bem como de todo o crédito anteriormente criado, tão logo a inflação de preços comece a surgir.
O crédito criado artificialmente também provoca os ciclos econômicos — uma sequência de expansão econômica seguida de recessão.  Os ciclos ocorrem por causa dos investimentos errôneos e insustentáveis, e suas subsequentes liquidações, que essa poupança falsa (isto é, meios fiduciários que são confundidos com poupança genuína) cria.  Esse dinheiro criado do nada altera artificialmente as taxas de juros, os lucros, os preços relativos e outros sinais de mercado, provocando uma má alocação de recursos, o que faz com que algumas indústrias artificialmente se expandam mais que outras.  Quanto mais crédito for criado, maior será a distorção da estrutura de produção da economia, e maior será o processo de correção necessário tão logo o fluxo de dinheiro criado for reduzido ou interrompido.  E quanto maior for essa distorção econômica, maior será a quantidade de capital real que terá sido destruído em decorrência dos investimentos errôneos e insustentáveis.  Como consequência, a economia estará mais pobre em recursos.
É de crucial importância entender que, se um país não destruir continuamente sua poupança real e seu capital real (recursos físicos) por meio da criação de crédito e da inflação monetária, seus cidadãos não terão de se sacrificar poupando continuamente para acumular novos fundos para serem investidos.  Essa necessidade de ter de pegar emprestado, ano após ano, cada vez mais poupança com a qual fazer investimentos é algo predominante hoje simplesmente porque o atual estoque de poupança monetária e de capital está sendo continuamente dilapidado pela criação de crédito e pela inflação (para não mencionar o capital físico que é destruído em decorrência de investimentos errôneos).
Quando o crédito real (poupança genuína) não é dilapidado desta forma, ele permanece intacto, e seu valor aumenta ao longo do tempo à medida que os preços na economia vão diminuindo.  Desta forma, a mesma quantidade de capital pode financiar cada vez mais investimentos ao longo do tempo, e novas e adicionais quantias de capital não serão constantemente necessárias para substituir o capital anterior.
O fato é que, em uma economia que não é flagelada pela inflação e por ciclos econômicos — ambos os quais destroem capital —, uma determinada quantidade de capital pode fazer essa economia crescer sem a necessidade de haver uma contínua formação de poupança.  É necessário apenas que uma proporção suficiente desse capital físico existente seja direcionada para a produção de bens de capital, sendo essa proporção maior do que aquela destinada à produção de bens de consumo.  Os bens de capital de uma economia — seu maquinário, suas ferramentas, suas fábricas etc. — e sua correspondente mão-de-obra serão direcionados para a produção de novos e adicionais bens de capital, bem como de novos e adicionais bens de consumo.
Enquanto a demanda monetária — demanda essa oriunda de uma quantia anual fixa de dinheiro existente na economia — direcionada para bens de capital a cada ano for maior que demanda monetária direcionada para bens de consumo, a produção de bens de capital será suficiente para (1) substituir todos os outros bens de capital que se exauriram durante o processo de produção e (2) produzir uma quantidade líquida de bens de capital maior do que a quantidade produzida no ano anterior.  Se a quantidade de bens de capital for crescente a cada ano, isso permitirá que haja uma quantidade crescente de bens de consumo a cada ano (e à medida que a oferta de bens aumenta em relação à oferta monetária estática, os preços cairão ano após ano).
Para uma compreensão visual disso que foi explicado, recorro a uma figura utilizada por George Reisman em sua obra-prima Capitalism (p. 625).  Neste exemplo, a quantidade de bens de capital (quadros na coluna da esquerda) produzida a cada ano é maior do que a quantidade necessária para substituir os bens de capital exauridos (e esse modelo simples assume que todos os bens são exauridos a cada ano).  Isso leva a uma quantidade continuamente crescente de bens de capital (1.2K, 1.44K, 1.728K etc., onde 1K representa uma quantidade física qualquer de capital).  O processo é similar ao cálculo de juros compostos.
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Modelo de uma economia crescendo sem que haja um acréscimo de capital adicional

A cada ano, uma vez que mais bens de capital estão sendo criados, há mais bens de consumo produzidos (quadros na coluna da direita, os quais representam as quantidades consumidas).  O segredo é fazer com que a proporção dos gastos monetários voltados para a produção seja maior do que para o consumo: no exemplo acima, 60% para bens de capital e 40% para bens de consumo. 

Toda a produção é feita sem que haja nenhum crédito ou poupança adicional.  A mesma quantidade de poupança física (o 1K original no ano 1) que é comprada pela mesma quantidade de gastos monetários (as 600 unidades de dinheiro gasto) é utilizada a cada ano para produzir uma quantidade continuamente crescente de capital, de bens e de serviços.  (Esse crescimento exigiria aumentos no progresso tecnológico, os quais certamente estariam presentes em uma economia em crescimento, principalmente porque parte do capital investido iria especificamente para a criação de novas tecnologias).

Qualquer poupança/demanda adicional que viesse a ser feita em cima disso tudo — uma proporção de, por exemplo, 70/30 — iria simplesmente aumentar a taxa de crescimento da produção.  Para uma melhor perspectiva, vale ressaltar que, se a proporção poupança/demanda fosse muito baixa, de modo que a quantidade produzida de bens de capital e de bens de consumo fosse apenas o suficiente para substituir a quantidade exaurida, a economia seria estacionária — não iria crescer nem encolher.  E se tal proporção fosse ainda menor, a economia iria retroceder.

A figura também nos ajuda a entender a falácia de se pensar que a criação de dinheiro e de crédito pode de fato criar mais demanda real.  A demanda real pode advir apenas da produção real de bens ou serviços, os quais por sua vez podem ser trocados por outros bens e serviços.  É apenas produzindo que se pode demandar.  O que é necessário é produzir mais bens, e não criar mais títulos de reivindicação (dinheiro) sobre bens.  Uma maior demanda monetária não irá genuinamente colocar mais pessoas para trabalhar ou fazer com que recursos ociosos sejam utilizados.  Tal objetivo será logrado apenas ao se eliminar empecilhos artificiais que provocam essa capacidade ociosa.  A criação de dinheiro e crédito fará apenas com que algumas indústrias (por exemplo, o setor imobiliário) se expandam excessivamente em relação a outras.

Um aumento na quantidade de dinheiro com o propósito de estimular a demanda não provoca um aumento na produção de bens reais, mas apenas a aparência de tal aumento.  Essa aparência ocorre por meio da inflação (que gera um aumento no PIB) e por meio do correspondente investimento excessivo em algumas indústrias — criando assim a falsa aparência de um boom econômico.  Inflação e criação de crédito apenas provocam um aumento de preços, pois, dado que a quantidade bens físicos permanece a mesma, seus preços terão de se ajustar à maior oferta de dinheiro.

Além dos preços, os salários também caem?

Alguns economistas, embora concedam toda a argumentação acima, afirmam entretanto que, caso a oferta monetária seja constante, não apenas os preços mas também os salários cairiam.  Embora essa redução de preços e salários fizesse com que, no final, o salário real permanecesse inalterado, tal arranjo, argumentam eles, seria politicamente inviável.

Mas esse raciocínio está errado.  É fato que, na ausência de criação de dinheiro, os preços caem em decorrência de um aumento na oferta de bens.  Os salários, entretanto, não caem, pois a oferta de mão-de-obra não aumenta no mesmo ritmo do aumento da oferta de bens.

Mesmo que a quantidade de mão-de-obra aumentasse, a oferta de bens iria aumentar na mesma proporção desse aumento ocorrido no número de trabalhadores (isto é, cada trabalhador adicional irá produzir bens adicionais).  Não importa quantos trabalhadores estejam empregados, à medida que a produtividade deles aumenta, a oferta de bens por trabalhador irá aumentar.  Assim, os preços dos bens caem mais rapidamente que os preços da mão-de-obra.  E se a oferta de mão-de-obra não aumentar, os salários jamais irão cair.  E mesmo que a oferta de mão-de-obra aumente, os custos de produção também estão caindo, o que estimula a demanda por mais mão-de-obra, impedindo que haja reduções nominais nos salários.
Com efeito, esse fenômeno dos preços dos bens caindo em relação ao preço dos salários ocorre mesmo quando há inflação da oferta monetária, pois o dinheiro criado pressiona os salários mais rapidamente do que pressiona os preços dos bens, dado que a oferta de bens aumenta mais rapidamente que a oferta de mão-de-obra.  É assim que os salários reais aumentam, não importa se os preços estão subindo ou caindo.

Portanto, a ideia de que preços e salários iriam cair no mesmo ritmo é típica de quem não entende como uma economia realmente funciona e como o padrão de vida realmente é aprimorado.  Ademais, é afrontoso dizer que as pessoas ficarão na mesma situação caso preços e salários se movam juntos.  Isso porque o simples ato de imprimir dinheiro com o intuito de fazer os preços subirem destrói a poupança, destrói capital e consequentemente provoca crises econômicas e financeiras.  Todos esses fenômenos reduzem o padrão de vida e pioram a situação das pessoas.

Apenas considere o efeito que a impressão de dinheiro tem sobre a poupança.  As pessoas têm de poupar para garantir uma aposentadoria tranquila, pois elas terão de ter dinheiro com o qual viver quando não mais estiverem trabalhando.  Como sua atual poupança não irá sustentá-las no futuro, elas precisam poupar cada vez mais, principalmente quando se sabe que os preços estarão maiores no futuro.  Suponha que, hoje, uma pessoa de 40 anos de idade gaste $45.000 por ano para viver relativamente bem.  Com uma inflação de 5% ao ano, ela irá gastar mais de $152.000 por ano para manter seu padrão de vida quando se aposentar aos 65 anos de idade. 

Logo, essa pessoa terá de poupar substantivamente mais apenas para conseguir acumular uma quantidade de dinheiro suficiente com o qual viver anualmente; mais ainda: terá de conseguir fazer essa quantia crescer para os anos futuros de sua aposentadoria (por exemplo, até depois de seus 90 anos, dada as atuais expectativas de vida), poupando a taxas cada vez maiores, em detrimento de seu consumo.  Será necessária uma taxa de crescimento da poupança bastante alta, principalmente quando se considera que tal pessoa terá seus ganhos de capital tributados.

Agora, considere o cenário alternativo, no qual não há nenhuma criação de dinheiro, e a taxa de produção da economia cresça 3% ao ano.  Nesse caso, ao se aposentar, seu padrão de vida que antes lhe custava $45.000 irá agora custar meros $21.000.  E quando estivesse com 95 anos, seus gastos seriam de $8.500 por ano — em termos reais, sem nada tributado!  Nesse caso os trabalhadores não apenas não teriam de correr contra o relógio da inflação, se desdobrando para acumular dinheiro antes da aposentadoria e sempre tendo de se preocupar em pesquisar novas maneiras de investir, como também qualquer pequena poupança que tivessem iria ter seu poder de compra aumentado anualmente.

Portanto, no mundo de hoje, por causa de toda a inflação monetária criada pelos governos, mesmo que os salários cresçam no mesmo ritmo da inflação, as pessoas ainda assim têm de se sacrificar poupando bem mais do que consumindo; e ao se aposentarem e verem sua renda inevitavelmente cair, a maioria terá de redobrar seus esforços.  Claramente, a sociedade estaria muito melhor caso os preços caíssem mensalmente, tanto em termos nominais quanto em termos reais — que é o que ocorreria caso não houvesse inflação monetária.

Conclusão

Para que uma economia cresça, de modo algum é necessário haver criação de dinheiro.  O que determina o crescimento econômico é a acumulação de capital e a divisão do trabalho.  O dinheiro é apenas um meio de troca, utilizado para facilitar as transações indiretas.  Alterações na sua quantidade não só não trazem nenhum benefício para a economia, como, o que é pior, reduzem o padrão de vida das pessoas, dilapidando a poupança e o capital físico, além de provocar os ciclos econômicos.

Kel Kelly foi, durante 13 anos, corretor de Wall Street, analista de finanças e diretor de pesquisa para uma empresa de consultoria de organização listada na Fortune 500.  Os resultados de suas análises financeiras já foram apresentados na CNBC Europa e nas edições online da CNN, Forbes, BusinessWeek e Wall Street Journal.  Kel é formado em economia pela Universidade do Tennessee, possui MBA pela Universidade de Hartford e mestrado em economia pela Florida State University.  Mora em Atlanta e é autor do livro The Case for Legalizing Capitalism.

Tradução de Leandro Augusto Gomes Roque

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