quarta-feira, 28 de agosto de 2013

A insensibilidade perante a escravidão moderna

Casa dos Contos (Senzala) - Ouro Preto/MG
Quantos brasileiros já se comoveram com as distorcidas novelas da globo sobre a escravidão e ignoram solenemente as condições a que estão submetidos os escravos cubanos?


Por Klauber Cristofen Pires

Uma boa dica para quem quiser conhecer uma relíquia viva da história do Brasil é conhecer a Casa dos Contos, em Ouro Preto, Minas Gerais. O edifício foi reformado e hoje abriga o Museu Casa dos Contos, mantido pelo Ministério da Fazenda.
À Época do Brasil colonial e imperial, esta construção abrigou o que hoje é equivalente à Casa da Moeda: sua missão era cunhar lingotes e moedas, bem como receber impostos. O prédio abriga belos salões e refeitórios para os funcionários de alto escalão, as oficinas onde os trabalhos de cunhagem eram realizados, e para o que interessa para o que será relatado adiante, uma senzala.
Localizada no porão, a senzala constitui-se de um plano inclinado com piso e paredes em rocha e janelas cerradas por grossas barras de ferro, sendo, pois, praticamente impossível a fuga. Neste ambiente sombrio e insalubre aglomeravam-se os escravos, para onde eram levados ao fim dos trabalhos braçais na oficina que se situava nos altos. Lá mesmo eram alimentados, dormiam e faziam suas necessidades.
Ainda assim, algumas liberdades gozavam: podiam rezar para seus deuses e consolarem-se entre si, uma vez que todos se encontravam irmanados pelo mesmo destino cruel. Caso não houvesse a separação das famílias, os entes queridos podiam conviver. Quem sabe, com algum arranjo, podiam fazer sexo.
Voltemos agora ao século XXI, para avaliar as condições em que os médicos cubanos foram trazidos ao Brasil:
De início, esses profissionais foram designados pelo governo cubano para virem ao Brasil. Se houve quem tivesse se voluntariado ou aceitado de bom agrado, pouco importa: veio quem queria e quem não queria.
No Brasil, após terem tido seus passaportes retidos pelos seus superiores conterrâneos, foram confinados em quartéis do Exército (os homens, no Batalhão da Guarda Presidencial (BGP) e as mulheres, no 1º Regimento de Cavalaria de Guardas (1ºRCG), em Brasília. Por quê não foram hospedados em hotéis ou instituições de ensino civis e dignas, como o Centresaf – Centro de Ensino Superior do Ministério da Fazenda, em Brasília?
São literalmente presos incomunicáveis. Ferindo frontalmente a soberania brasileira, a vice-ministra de Cuba Márcia Cobas proibiu-os terminantemente de saírem das instalações onde se encontram e de interagir com brasileiros ou outros médicos estrangeiros. A repetir-se o que ocorreu em outros países, será o governo cubano quem lhes ditará o que fazerem de suas vidas, não obstante a garantia dos direitos individuais vigentes em nossa Constituição.
Agora, vejam bem: estão separados de seus familiares, porque o regime comunista cubano os mantém como reféns em prevenção a qualquer passo em falso de seus enviados. Qualquer palavra dita com a língua nos dentes, qualquer tentativa de pedido de asilo, qualquer fuga desesperada poderá gerar para aqueles as mais cruéis retaliações. Somente para lembrar: no Brasil o crime de seqüestro[i] (“extorsão mediante seqüestro”, Lei 8.072/90, Art. 1º, IV) é considerado crime hediondo, e como tal, insuscetível de graça ou anistia[ii] (CF/88, art. 5º, XLIII).
Da mesma forma, tendo sido separados por sexo, não poderão liberar suas tensões senão pelo ato popularmente conhecido como “cinco contra um”, e assim mesmo com todos os cuidados. Pode parecer cômico às pessoas mais insensíveis, mas lembremos: os escravos do Brasil tinham acesso a esta energia humana que insiste afirmar a vida mesmo quando racionalmente somos levados a perder toda a esperança nela. Os prisioneiros dos campos de concentração nazistas faziam sexo. Os piores bandidos do Brasil têm direito às visitas íntimas – embora neste caso em particular, eu seja contra, mas que aqui destaco para ilustrar o paradoxo.
Para cúmulo, os médicos cubanos não terão nem sequer como apoiarem-se uns nos outros, como os escravos podiam fazer; um escravo podia falar mal dos seus donos e feitores, ao menos para seus semelhantes, porque, oras, ali não tinham nada a perder e eram todos iguais. Na verdade, os médicos cubanos não podem contar nem sequer com um miserável momento de privacidade para chorarem de cócoras num cantinho do banheiro por sua condição de absoluta desumanidade, porque os banheiros dos quartéis são coletivos e principalmente porque entre eles há delatores especialmente designados para vigiá-los, dia e noite, noite e dia. Quem pode suportar tamanha anulação de seu ser?
“Médico, cubano ou brasileiro, eu quero mais é que tenha um pra me atender”, assim tenho ouvido falar de pessoas próximas ao meu convívio, que ainda conseguem me espantar por tamanha insensibilidade. Especulo quantos brasileiros hoje estejam a repetir tal insanidade, ainda que se deixem impregnar-se do mais profundo sentimento de indignação com as batidas novelas globais que esgotam ao máximo – pelos mesmos motivos ideológicos que ora aplaudem a escravidão dos caribenhos – o tema da escravidão nos tempos do Brasil Colônia e Império.
Quando vejo isto tudo acontecer, parece-me que um torpor provocado por alguma droga inserida nas fontes de água potável acomete toda a população. Como chegamos a este ponto?


[i] http://www.dji.com.br/leis_ordinarias/1990-008072-ch/8072-90.htm: São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados: (Alterado pela L-008.930-1994): IV - extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada (Art. 159, caput e §§ 1º, 2º e 3º);


[ii] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

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