Casa dos Contos (Senzala) - Ouro Preto/MG |
Quantos brasileiros já se comoveram com as distorcidas novelas da globo sobre a escravidão e ignoram solenemente as condições a que estão submetidos os escravos cubanos?
Por Klauber Cristofen Pires
Uma boa dica para quem quiser conhecer uma relíquia
viva da história do Brasil é conhecer a Casa dos Contos, em Ouro Preto, Minas
Gerais. O edifício foi reformado e hoje abriga o Museu Casa dos Contos, mantido
pelo Ministério da Fazenda.
À
Época do Brasil colonial e imperial, esta construção abrigou o que hoje é
equivalente à Casa da Moeda: sua missão era cunhar lingotes e moedas, bem como
receber impostos. O prédio abriga belos salões e refeitórios para os
funcionários de alto escalão, as oficinas onde os trabalhos de cunhagem eram
realizados, e para o que interessa para o que será relatado adiante, uma
senzala.
Localizada
no porão, a senzala constitui-se de um plano inclinado com piso e paredes em
rocha e janelas cerradas por grossas barras de ferro, sendo, pois, praticamente
impossível a fuga. Neste ambiente sombrio e insalubre aglomeravam-se os
escravos, para onde eram levados ao fim dos trabalhos braçais na oficina que se
situava nos altos. Lá mesmo eram alimentados, dormiam e faziam suas
necessidades.
Ainda
assim, algumas liberdades gozavam: podiam rezar para seus deuses e
consolarem-se entre si, uma vez que todos se encontravam irmanados pelo mesmo
destino cruel. Caso não houvesse a separação das famílias, os entes queridos
podiam conviver. Quem sabe, com algum arranjo, podiam fazer sexo.
Voltemos
agora ao século XXI, para avaliar as condições em que os médicos cubanos foram
trazidos ao Brasil:
De
início, esses profissionais foram designados pelo governo cubano para virem ao
Brasil. Se houve quem tivesse se voluntariado ou aceitado de bom agrado, pouco
importa: veio quem queria e quem não queria.
No
Brasil, após terem tido seus passaportes retidos pelos seus superiores
conterrâneos, foram confinados em quartéis do Exército (os homens, no Batalhão
da Guarda Presidencial (BGP) e as mulheres, no 1º Regimento de Cavalaria de
Guardas (1ºRCG), em Brasília. Por quê não foram hospedados em hotéis ou
instituições de ensino civis e dignas, como o Centresaf – Centro de Ensino
Superior do Ministério da Fazenda, em Brasília?
São
literalmente presos incomunicáveis. Ferindo frontalmente a soberania
brasileira, a vice-ministra de Cuba Márcia Cobas proibiu-os terminantemente de
saírem das instalações onde se encontram e de interagir com brasileiros ou
outros médicos estrangeiros. A repetir-se o que ocorreu em outros países, será
o governo cubano quem lhes ditará o que fazerem de suas vidas, não obstante a
garantia dos direitos individuais vigentes em nossa Constituição.
Agora,
vejam bem: estão separados de seus familiares, porque o regime comunista cubano
os mantém como reféns em prevenção a qualquer passo em falso de seus enviados.
Qualquer palavra dita com a língua nos dentes, qualquer tentativa de pedido de
asilo, qualquer fuga desesperada poderá gerar para aqueles as mais cruéis
retaliações. Somente para lembrar: no Brasil o crime de seqüestro[i]
(“extorsão mediante seqüestro”, Lei 8.072/90, Art. 1º, IV) é considerado crime
hediondo, e como tal, insuscetível de graça ou anistia[ii]
(CF/88, art. 5º, XLIII).
Da
mesma forma, tendo sido separados por sexo, não poderão liberar suas tensões
senão pelo ato popularmente conhecido como “cinco contra um”, e assim mesmo com
todos os cuidados. Pode parecer cômico às pessoas mais insensíveis, mas
lembremos: os escravos do Brasil tinham acesso a esta energia humana que
insiste afirmar a vida mesmo quando racionalmente somos levados a perder toda a
esperança nela. Os prisioneiros dos campos de concentração nazistas faziam sexo.
Os piores bandidos do Brasil têm direito às visitas íntimas – embora neste caso
em particular, eu seja contra, mas que aqui destaco para ilustrar o paradoxo.
Para
cúmulo, os médicos cubanos não terão nem sequer como apoiarem-se uns nos
outros, como os escravos podiam fazer; um escravo podia falar mal dos seus
donos e feitores, ao menos para seus semelhantes, porque, oras, ali não tinham
nada a perder e eram todos iguais. Na verdade, os médicos cubanos não podem
contar nem sequer com um miserável momento de privacidade para chorarem de
cócoras num cantinho do banheiro por sua condição de absoluta desumanidade,
porque os banheiros dos quartéis são coletivos e principalmente porque entre
eles há delatores especialmente designados para vigiá-los, dia e noite, noite e
dia. Quem pode suportar tamanha anulação de seu ser?
“Médico,
cubano ou brasileiro, eu quero mais é que tenha um pra me atender”, assim tenho
ouvido falar de pessoas próximas ao meu convívio, que ainda conseguem me
espantar por tamanha insensibilidade. Especulo quantos brasileiros hoje estejam
a repetir tal insanidade, ainda que se deixem impregnar-se do mais profundo
sentimento de indignação com as batidas novelas globais que esgotam ao máximo –
pelos mesmos motivos ideológicos que ora aplaudem a escravidão dos caribenhos –
o tema da escravidão nos tempos do Brasil Colônia e Império.
Quando
vejo isto tudo acontecer, parece-me que um torpor provocado por alguma droga
inserida nas fontes de água potável acomete toda a população. Como chegamos a
este ponto?
[i]
http://www.dji.com.br/leis_ordinarias/1990-008072-ch/8072-90.htm:
São
considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei nº
2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados:
(Alterado pela L-008.930-1994): IV - extorsão mediante seqüestro e na
forma qualificada (Art. 159, caput e §§ 1º, 2º e 3º);
[ii]
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm:
Art. 5º Todos são iguais perante a
lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou
anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas
afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo
os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;
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