domingo, 23 de março de 2014

Congresso de Artes Liberais - As Artes Milenares

Publicado em 15/03/2014
Segunda palestra do I Congresso de Artes Liberais, realizado em 8 e 9 de março de 2014, em Porto Alegre.

Palestrantes: Rodrigo Naimayer e Wilson Junior.

Nos comentários abaixo, resumo da palestra e bibliografia.




AS ARTES MILENARES

- Não é o diploma que nos autoriza estar aqui, mas uma experiência de estudo real.

- A história ajuda a entender os processos por detrás de todos os conhecimentos adquiridos.

- Antiguidade Oriental. Os zigurates, templos não para agregar o culto, mas para ser a casa do deus. Os grandes atos de culto geralmente são a céu aberto. A torre de Babel.

- Escrita cuneiforme e a escrita egípcia.

- As pirâmides como observatórios. A posição das pirâmides do Vale do Gizé com o cinturão de Órion.

- Já há entre os brâmanes também uma idéia de busca pela verdade, um prenúncio daquilo que entendemos como filosofia.

- Por que a astrologia aparece tão cedo e em todas as culturas? Porque desde o início o ser humano se percebe dentro de um mundo ordenado. A realidade praticamente empurra o intelecto humano a organizar seu conhecimento.

- A era das trevas gregas: gestação de uma série de tradições que vão descambar no discurso mitológico tão fundamental na época arcaica e clássica.

- Há uma série de perspectivas históricas sobre a origem das artes liberais desde o séc. XIX. Waerner Jaeger em "Paideia": a cultura grega chega à compreensão de que o homem tem faculdades específicas que o diferem de todos os outros seres, e que existe um ideal de humano a ser alcançado, que é o fim da cultura grega. É a cultura que busca a beleza perdida (como o pecado original), a Helena. Platão para Jaeger é o fundador do que se busca com as artes liberais. Já para Ernest Curtius, Platão era um detrator, porque teria se oposto à idéia de formação literária e retórica como meio para a verdade, diferente de Isócrates. O drama da tensão entre razão e discurso. O que é o logos? Os contempladores e os literatos. Mas mesmo para Sócrates há importância no discurso, afinal de contas é através dele que se organiza a confusão em jogo, no confronto dialético. Cardeal Newman e "A idéia de universidade": a base das artes liberais é Aristóteles, quem lançou o caminho do reto pensamento.

- A verdade é que toda essa organização apresentada pelo Clístenes na primeira palestra só ficou bem definida na Idade Média. Houve todo um processo. A educação não nasce pronta. As raízes estão na antiguidade clássica.

- A antiguidade greco-romana era uma civilização de cultura "clássica" por se basear em grandes obras-primas, que permanecem como referência e baliza dos valores daquela sociedade.

- Na educação grega também havia vários graus de instrução. Basicamente três: primária, para as crianças, secundária, e os estudos superiores. Naturalmente havia um afunilamento.

- Essa correta apreciação das artes mecânicas à luz das artes liberais só vai surgir na Idade Média. O trabalho mecânico na antiguidade era desprezado, próprio dos escravos. As artes liberais eram as artes do homem livre. Na primária: memórica, contagem, etc. Pedagogia grega ordenada: do mais simples para o mais complexo. Memorização e melodização do alfabeto era muito comum. Hoje em dia aposentamos a memória, de certo modo cumprindo a profecia platônica do Fedro. Hoje em dia ninguém se preocupa mais em decorar nada. As músicas, analogias e fábulas. Os mestres faziam questão de utilizar palavras e frases difíceis para ensinar. A leitura era sempre em voz alta até a Idade Média. Era praticamente um exercício físico, os médicos recomendavam. A instrução era marcada pela violência física. Verso egípcio: "o conhecimento entra quando o sangue sai." Quem fala em "quadrivium" pela primeira vez é Boécio, mas havia as mathematikoi.

- O vitorioso foi Isócrates: a educação grega permaneceu sendo uma educação literária, até sofística em certo sentido. A retórica é valorizadíssima. Muito poucos seguiam a filosofia.

- A medicina era entendida como arte servil. Mas Hipócrates e Galeno viam no médico quase como que um sábio, praticamente um semi-deus (como hoje?).

- A aritmética grega é bastante geométrica ainda.

- Homero é tradicional não como pó de baú, mas como aquele que está sempre presente, é o catecismo dos gregos.

- Roma herda muito dessa cultura da Grécia. Manuais de Donato e Prisciano, tão dominantes na Id. Média, herdaram a gramática grega, e seu mérito foi acrescentar a questão da sintaxe. Dionísio Trácio desprezava a sintaxe, noção de língua analítica, gregos mais teóricos.

- A onda de relativismo cultural leva à impossibilidade de união entre comunidades tão pequenas e tão próximas, facilitando o seu aniquilamento. A perda do patrimônio britânico; todo mundo sabia de cor a King James' e Shakespeare, consolidador do early modern english, eram elementos de unidade fundamental. A cultura grega até hoje está nas nossas vidas.

- S Agostinho refuta a idéia de que Cristo teria apreendido em academia platônica, mas namora com a idéia de Platão ter tido contato com a cultura judaica.

- O orientalista Martin Bernau diz que a educação liberal é eurocentrista e chauvinista e do romantismo do séc. XIX. Temos o ????, iraniano que diz que as artes liberais nascem no mundo islâmico. A importância dos estudiosos árabes na reentrada de Aristóteles no mundo ocidental. O currículo de Paris de fato esteve ligado a essa tradição islâmica. Harold Taylor associa educação liberal com liberalismo político. ??? Steller? diz que muito antes do liberalismo já existia educação liberal, e justamente em sociedades essencialmente escravistas. Tem a Elizabeth ???? ????? que diz que as artes liberais estão ligadas a um domínio de uma classe, raça e gênero. É misógina, acima de tudo. ????? ??? ??? fala também que a educação liberal parte de uma perspectiva cognitiva especialmente masculina.

- Ora, havia mulheres na instrução secundária grega, mas realmente havia motivo de piada quando era muito culta. É importante ter em mente também que as artes liberais surgem num determinado contexto social. Essencial e acidental. Queremos resgatar aquilo que há de essencial nelas.

- Quintiliano vai apresentar as artes liberais já num modelo mais próximo do que a gente conhece. Gramática como raiz e fundamento. Depois, matemática, especialmente através da música, e finalmente a lógica. Já varrão coloca junto das artes liberais medicina e arquitetura, que caem depois. O livro de vitrúvio e o link real das ciências entre si. Citação de Vitrúvio. A consciência da unidade do conhecimento, ainda que eu precise fazer essa divisão em disciplinas. Olavo de Carvalho e a crítica ao excesso de especialização. Para estudar, é preciso dividir, mas não há real conhecimento se eu não as unificar de novo. Leo Strauss, um dos grandes defensores da educação liberal, diz que na URSS o ensino era tão especializado que havia um curso pra engenharia química de tintas sintéticas.

- Cícero e a educação retórica.

- Retórica muito forte na queda do Império Romano.

- Sociedade de grandes assembléias. Precisamos de meios de defesa, por isso o discurso ganha tanta importância. O mundo romano é bastante legalista.

- Boécio tenta retomar o ideal contemplativo.

- S. Agostinho e os outros patrísticos enfocam o aspecto intelectual como predominante e fundador de qualquer estudo. A verdade revelada acima de todas as verdades literárias. O Logos encarnado acima de todos os logoi.

- Marciano Capella foi o primeiro que realmente definiu as artes como essas sete. Pegou a estrutura do Varrão e tirou medicina e arquitetura, porque eram exclusivamente terrenas. A partir daí se torna permanente. 420 d.C.

- Período carolíngio. Renascimento. Alcuíno. Os monges irlandeses. As artes liberais chegam a ser reconhecidas como artes hibernicas, da hibernia (sem falar das letras, iluminuras, etc.). Aix-la-Chapelle é um dos protótipos de universidade.

- Hugo de S. Vítor coloca as artes mecânicas como formas legítimas de conhecimento. Séc. XII, um pouco antes das universidades e escolástica. "Didascalicon", manual pedagógico, resumo de todos os conhecimentos e de como se estudar, em qual ordem, etc. Pré-escolástica.

- Nas universidades já temos um currículo bem definido. As artes liberais são propedêuticas, preparatórias para um ensino superior: direito, medicina e teologia (nome criado por Pedro Abelardo). É o ensino médio. Ao final da escolástica, passa a ser muito mais privilegiado o quadrivium. O trivium ficará mais analítico e menos literário. Em oposição a isso é que vai surgir o humanismo. A constante tensão entre as mathematikoi e os grandes registros da experiência humana.

- Os clássicos são o que captam uma experiência humana de forma extraordinária. Aquilo que não posso fazer num tubo de ensaio.

- Crise do conceito de causa, de verdade. Na ciência moderna, causa é meramente algo seguido de um efeito, e não mais aquilo que dá forma à matéria. A causa é o que dá a identidade à coisa. O empiricismo. A ruína do símbolo é trágica para o homem. O fogo tem uma utilidade para esquentar a comida, mas ele é ainda mais útil quando me simboliza a verdade, a luz, a civilização. "Roma é a luz, e em volta dela só há trevas," já diziam os legionários.

- Mortimer Adler e outros tentam recuperar essa tradição perdida.

- Sem cair no tradicionalismo: é preciso adaptar. Newman já falava: enquanto o ser humano for o mesmo, as artes liberais terão a mesma essência, ainda que mudem um pouco as suas características.

- A qualidade de um método se avalia também pelos seus resultados efetivos. Pessoas que tiveram uma educação liberal, seja com esse nome ou não, são pessoas mais inteligentes, que contribuíram para a cultura, mesmo quando se voltaram contra a tradição que receberam. Outros métodos de pedagogia, e todo ano surge um, nunca levam a resultado nenhum. Sai um Lula, sai um Fernando Haddad.

Bibliografia
KIMBAL, A. BRUCE.The Liberal Arts Tradition: A Documentary History.University Press of America. Plymouth. 2010.
WILLMANN, Otto. La siete artes liberales. http://ec.aciprensa.com/a/artesliberales.htm
MCLUHAN, Marshal. O Trivium Clássico. É. 2012.
MARROU, Henri-Irénée Marrou, "História da Educação na Antigüidade" "História da Educação na Idade Média" do Ruy Afonso da Costa Nunes,
"O amor às letras e o desejo de Deus" do Jean LeClercq.
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