segunda-feira, 28 de abril de 2014

PARA DENTRO DA ÁFRICA: A CEGUEIRA MAIS GRAVE É A DE QUEM OLHA E NÃO VÊ

PARA DENTRO DA ÁFRICA:
A CEGUEIRA MAIS GRAVE É A DE QUEM OLHA E NÃO VÊ
Into Africa: the most serius blindness is in the person who looks and does not see

João Vicente Ganzarolli de Oliveira*

Resumo: Há cerca de um milhão e meio de anos, o homem saía da África pela primeira vez. Daí a expressão out of Africa, de que a antropologia se serve. Levou consigo as conquistas e os estigmas acumulados durante mais de cinco milhões de anos, tendo em vista que nossos ancestrais mais antigos surgiram há cerca de sete milhões de anos na mesma África. Entre os estigmas estava a cegueira e as demais deficiências, assim como a forma de conviver com elas. Este ensaio visa indicar que são muito antigos, não raro pré-históricos, os problemas sociais que atingem o deficiente na atualidade. Eis um dos muitos casos em que o conhecimento do passado pode ajudar a compreender o presente e a vencer os desafios que ele propõe. Voltemos à África.

Palavras-chave: África, deficiência, incorreção política.

Abstract: Circa one and a half million years ago, the man left Africa for the first time – hence the expression ‘out of Africa’, used by the anthropologists. He took with him the achievements as well as the stigmas accumulated during more than five million years, considering the fact that our oldest ancestors came into being about seven million years in Africa. Among the stigmas, there were blindness and other impairments, along with the manner of dealing with that. This essay tries to demonstrate that the current social problems that affect handicapped people are very old, probably pre-historical. This is one of the many cases in which the knowledge of the past may be useful to understand the present. Let us come back to Africa.


Keywords: Africa, impairment, political incorrectness.

A maior graça da natureza – e o maior perigo da graça – são os olhos.
Tanto aqueles com que vemos, quanto aqueles com que somos vistos.
Padre Antonio Vieira

Muamar Kadaffi, por ocasião da revolta que lhe tirou o poder na Líbia e a vida neste mundo, ameaçou “enfiar os dedos nos olhos” dos seus inimigos[1]. É uma prática antiga esta de cegar, infligir amputações e torturas as mais diversas aos inimigos capturados; popularizou-se entre os reis da Assíria e da Pérsia, cujos impérios costumam servir de modelo até hoje aos governos islâmicos e tiranias em geral[2]. Quem foi Sadam Hussein senão um continuador de Sardanapalo? E quem é Ahmadim Nejah senão um descendente ideológico de Xerxes? Não que a crueldade e o totalitarismo estejam ausentes no mundo ocidental. Mas há uma diferença, que é grande: o Ocidente faz uso da autocrítica, virtude-mãe das ciências humanas e de tantas outras instituições benéficas para a humanidade. Existe uma literatura tão vasta quanto acessível sobre os erros e crimes cometidos pelos espanhóis na América, pelos alemães na Segunda Guerra, pelos norte-americanos no Vietnã. Procure-se por coisa parecida no mundo islâmico ou nos países comunistas e pouco ou nada será encontrado, embora lá não faltem genocídios, massacres, perseguições e crimes em geral; nesses casos, a deturpação do passado histórico soma-se aos crimes que a sua história deturpada trata de ocultar. Enfim, concentremo-nos na África e num dos seus muitos flagelos, a deficiência.
Há cerca de dez anos, escrevi um artigo sobre a situação do deficiente na África. Mais de uma revista o rejeitou, pois ele era politicamente incorreto; falava de coisas que se sabe ser verdade, mas que muitos não queriam ouvir, e muito menos ler[3]. É hora de voltar ao assunto e pôr alguns pingos nos “is”; o compromisso do pesquisador não consiste em “estar de bem” com esta ou aquela ideologia, mentalidade ou facção de qualquer ordem; seu compromisso único é com a verdade. A motivação para isso vem da minha última viagem à África, realizada há cerca de dois anos[4]. Considerando o vínculo estreito que costuma existir entre a deficiência e a pobreza, parece-me útil abordar alguns aspectos da história e da própria realidade africanas em particular.
Em alguns casos, a deficiência parece derivar diretamente da pobreza (“Behinderung ist häufig Folge von Armut”)[5]. Em Ruanda, faltam carrinhos de bebê – e, ainda que houvesse, dificilmente os ruandenses poderiam comprá-los[6]. Causa e efeito dessa situação é o hábito que têm as mães de levarem os seus filhos pequenos amarrados nas costas, o que os torna vulneráveis aos ataques das moscas, que pousam sobre os olhos, transmitindo doenças causadoras da cegueira ou simplesmente danificando irremediavelmente a córnea. Outras vezes, a cegueira resulta de problemas congênitos, da falta de higiene e da má nutrição. É o que responde à pergunta do missionário catalão Xavier Morell i Sauch, acerca do grande número de crianças cegas que encontrou em Ruanda (“Per què tans nens cecs?[7]”), país no qual viveu durante vários anos. Em milênios, pouco ou nada parece ter mudado na África no referente a esse quadro. No Egito faraônico, as doenças oculares eram “um verdadeiro flagelo nacional”; e isso devido aos mesmos motivos que podem ser presenciados na atualidade, notadamente a falta de higiene e de proteção contra as moscas: “as mães deixavam as moscas, fatores de contaminação, pousar nos olhos das crianças, que, evidentemente, nunca tomavam banho”[8].
É falsa a ideia, tão simplista quanto difundida, de que os europeus são os culpados pela escravidão e miséria típicas da África[9]. Data de vários milênios a prática da escravidão no continente africano. Exceção feita ao Egito e a algumas partes da África do Norte e do Oeste, as antigas disputas coletivas quase nunca tiveram como meta a posse territorial ou a obtenção de riquezas minerais; o solo é pobre, inadequado para o plantio em mais de 90% do território africano. O alvo dessas disputas, dizíamos, era a captura de escravos para servirem como força de trabalho. A partir do VIII, com a erupção do islã na parte sul do Sahara, o fenômeno que se reduzia a práticas locais começou a se transformar num comércio internacional; ao ingressarem na arena mercantilista, pari passu com as Grandes Navegações, as então recém-nascidas potências europeias encontraram na África um tráfico escravo já quase milenar e organizadíssimo, capitaneado pelos muçulmanos. Se o assunto é retaliação, indenização ou coisa que o valha, seria preciso ir aos principais responsáveis: em primeiro lugar, as próprias tribos africanas; em segundo lugar, o islã; e só em terceiro os europeus – sempre lembrando que, durante os três séculos em que os europeus participaram do comércio negreiro, o número de africanos conduzidos como escravos ao Oriente Médio (mundo islâmico, pois) foi muito superior ao dos que chegaram ao Novo Mundo[10]. Contudo, não é assim que costumam pensar os africanos – a opinião há pouco referida do senegalês muçulmano Ray Mademba reflete uma regra que comporta pouquíssimas exceções. Além de se apegarem ao projeto parasitário segundo o qual os países ricos têm obrigação de sustentá-los, é comum os africanos pensarem que o trabalho é algo a ser feito por escravos e por mulheres, nunca por homens livres – o que é uma das consequências da mesma prática milenar que fez da escravidão um autêntico traço cultural da África.
A esmola deixa um lastro mais que negativo para os indivíduos e sociedades que fazem dela um hábito. Ninguém melhor para opinar sobre ela que Muhammad Yunus, recente prêmio Nobel da Paz e fundador do Banco Grameen, famoso por dedicar-se ao fornecimento de crédito aos pobres: “Esmolas são a pior ofensa e aviltamento para os pobres”[11] (Muitíssimo esclarecedoras e sadiamente iconoclastas são as trinta páginas que o jornalista Leandro Narloch dedicou recentemente ao tema da escravidão africana. Nelas, vê-se, por exemplo, que Zumbi dos Palmares, elevado à categoria de líder igualitário e herói pela historiografia marxista brasileira entre as décadas de 1950 e 1970, estava longe de ser contra a escravidão em si: “Zumbi, o maior herói negro do Brasil, o homem em cuja data de morte se comemora em muitas cidades do país o Dia da Consciência Negra, mandava capturar escravos de fazendas vizinhas para que eles trabalhassem forçados no Quilombo dos Palmares. Também sequestrava mulheres, raras nas primeiras décadas do Brasil, e executava aqueles que quisessem fugir do quilombo”[12]).
Tudo isso é particularmente nítido e problemático quando o assunto é a deficiência; pouco tempo faz, era comum, na África, a eliminação sumária dos deficientes. Se isso hoje não ocorre mais, ao menos com tanta frequência, deve-se à atuação de médicos e missionários europeus: Livinsgtone, Schweizer e tantos outros que devotaram uma parte significativa das suas vidas à África e aos africanos. (Não deve ser perdido de vista que muitos desses missionários foram mártires; que pensemos no catalão medieval Ramon Llull, apedrejado por fanáticos muçulmanos, e no francês Charles de Foucault, morto a tiros por saqueadores beduínos.)
Tahara Haïdara nasceu no Mali e é aleijada devido à poliomielite. Alvo de diversas formas de discriminação desde a infância, Tahara saiu vitoriosa. É proprietária de um hotel e dirige uma associação de deficientes fundada por ela, na cidade de Timbuctu, antigo entreposto florescente graças ao comércio de sal, ouro, marfim e escravos. Considerado um dos países mais pobres do mundo, o Mali dispõe da vacina contra a pólio somente há poucos anos[13]. Situação muito parecida com a de Tahara é a da tanzaniana Jonisia Kyando, também ela vítima da pólio e da discriminação. Aos 19 anos, começou a aprender diversas técnicas de artesanato, atividade que lhe deu um novo sentido na vida e uma forma de sustento econômico. Segundo ela mesma, foi como o encontro de um oásis de esperança em meio ao deserto da indiferença, da superstição, do preconceito e da crueldade[14].
Em muitas localidades da África, fazem parte do cotidiano acidentes de trabalho que resultam em deficiência física. Uma de suas vítimas é o agricultor tanzaniano Augustino Mahenge, aleijado há mais de dez anos, devido à queda de uma árvore sobre o seu corpo[15]. (Não precisamos ir tão longe para ver o descaso institucional de que os deficientes costumam ser vítimas. Jorge Luís Soares de Paula mora no bairro de Caxias, na cidade do Rio de Janeiro. Sua filha Bianca tem 18 anos e sofre de paralisia cerebral. Com a política de inclusão, Bianca foi matriculada no Colégio Municipal Regina Coeli. Ocorre que a escola, que é da prefeitura de Caxias, não oferece a Bianca a infraestrutura necessária, a começar pelo transporte – muito embora isso seja obrigatório por lei. Por faltar-lhe a condução, Bianca perdeu muitas aulas, o que levou o Conselho Tutelar a acusar Jorge de “negligência de inimputável”. Assim, prefeitura e a escola lavam as mãos, fazendo com que a corda arrebente do lado mais fraco, sendo esta, aliás, a regra mais frequentemente cumprida quando a correção política do Estado se vê frente à frente com as contradições que ele mesmo cria ou ajuda a criar. No fim das contas, sobressai o seguinte: muitos dos deficientes não votam, fato que os torna pouco atrativos perante a dinâmica eleitoral brasileira, centrada como é nos interesses particulares dos governantes, e não no benefício em escala comunitária dos governados; e, mesmo que todos votassem, ainda assim os deficientes constituiriam um número proporcionalmente reduzido para justificar uma atenção especial por parte daqueles que querem se eleger e que terão poder decisório quanto ao que efetivamente se faz ou deixa de fazer em prol dos deficientes ou contra eles. Aos candidatos brasileiros, demagogos na regra e não na exceção, interessa investir na retórica politicamente correta, discutindo palavras e não coisas, distribuindo esmolas semânticas em vez de promover medidas efetivas e solidárias de assistência, amparo e apoio[16].)
            Vigora na África atual a crença antiga de que a deficiência é um castigo do destino. Daí os tão frequentes maus tratos dos mais diversos tipos e gradações. Muitas vezes, os próprios pais perguntam-se o que fizeram de errado para que fossem castigados com um filho deficiente. Uma tragédia dupla recai sobre os albinos. Além da deficiência em si que o albinismo representa, o “ser humano de cor errada” nascido na África é, para o imaginário popular, um zeruzeru, espécie de fantasma que tem poderes especiais. Os albinos tornam-se então um alvo cobiçado por feiticeiros e traficantes, prontos a capturá-los e matá-los, já que cada cadáver, considerado matéria-prima ideal para poções e talismãs típicos da feitiçaria africana, pode ser vendido por até 400.000 dólares! Apenas na região fronteiriça entre a Tanzânia e o Burundi, dezenas de assassinatos e mutilações vêm ocorrendo desde 2008, tudo isso patrocinado por “clientes tão ricos quanto ignorantes e sem escrúpulos”[17]. Sendo esse o panorama, quase passa a segundo plano a crendice que associa o albinismo ao retardo mental. Segundo o doutor Jeff Luande, do hospital oncológico de Dar es Salaam, na Tanzânia, a baixa visão que costuma afligir o albino pode ser enfrentada facilmente nas escolas, bastando para isso um pouco de boa vontade – que não deixa de ser o “x” da questão: “Nas escolas públicas, muitos professores não sabem que, trazendo para as primeiras carteiras os albinos, quase sempre considerados estúpidos, dar-lhes-iam a oportunidade de ler o que está no quadro negro e, consequentemente, aumentariam suas chances de sucesso escolar”[18]. (A discriminação do deficiente é assunto antigo; tão antigo que já o encontramos num dos primeiros registros escritos que se conhece. Velho de quatro milênios, o livro da sabedoria do egípcio Amenemope recomenda que “não rias do cego, não ridicularizes o anão e não façais mal ao paralítico”[19]. Dentre outras coisas, a recomendação aponta para a existência e a frequência dessas práticas discriminatórias; se não existissem e não fossem socialmente problemáticas, por que o sábio as teria destacado? Se a deficiência é tão antiga quanto o homem, por que não admitir que a discriminação do deficiente tenha a mesma idade? É a conclusão a que se chega lendo a excelente “epopeia ignorada” de Otto Marques da Silva, livro que merece ser lido, relido e divulgado[20].)
Além disso, nunca é redundante lembrar que muitíssimos escravos brancos viveram e morreram cativos na África, sob o mando de senhores africanos. Entre 1500 e 1800, apenas no Maghreb, eles somaram no mínimo um milhão[21]. Vê-se que o assunto vai “muito além da casa-grande”[22] e que a escravidão está longe de ser um fenômeno unilateral; a dicotomia-clichê branco versus negro só pode ser levada a sério se a colocarmos no seu devido lugar: um mero aspecto (e dos menores) dos múltiplos conflitos raciais que soem atormentar o solo africano. O próprio regime de apartheid, recentemente extinto, tem o seu outro lado da moeda. Durante muito tempo, o domínio “branco” na África do Sul foi aceito pela maioria nativa com base no simples preceito segundo o qual “é ruim com eles, mas é pior sem eles”. Mesmo no auge do racismo, a África do Sul precisava de leis severas para impedir o afluxo migratório de negros vindos de outras partes do continente africano (aflux control). O fenômeno é tão mais impressionante quanto mais se pensa na contrapartida típica dos regimes ditatoriais da mesma época, que era a de “amuralhar suas fronteiras para evitar que seus filhos escapem (o grifo é dos autores)”[23]. E não é só isso. Provas irrefutáveis demonstram que, sob vários aspectos, a presença ocidental na África foi muito benéfica para os africanos. O próprio combate à prática de matar os deficientes ao nascer foi uma iniciativa essencialmente europeia, em particular de missionários católicos e protestantes, – o mesmo se diga em relação ao fim do comércio de escravos africanos.
Diferentemente do que se costuma ensinar nas escolas e universidades, não foram interesses comerciais que moveram a Grã Bretanha iluminista a lutar contra a escravidão. O móvel propulsor foi o sentimento humanitário e filantropo desencadeado pelos esforços de britânicos como Granville Sharp, Thomas Clarkson, William Wilberforce e vários outros. Se a escravidão africana em grande escala é coisa do passado, os africanos e seus descendentes deveriam prestar homenagem, isto sim, aos ingleses, e não a pseudo-heróis como Zumbi dos Palmares e tutti quanti. Aliás, somente em 2007 surgiram leis na Mauritânia que penalizam a prática da escravidão, abolida oficialmente em 1981, o que não a impede de existir, camuflada, em diversas outras localidades da África e do resto do mundo (notadamente a Tailândia, o Brasil, o Paquistão e a Índia), sem contar alguns focos menores em países ricos da Europa e da América do Norte[24].
Se hoje vemos uma Al Shaymaa Kwegyr (primeira parlamentar albina da Tanzânia) e um Geoffry Zigoma (músico albino do Malawi) como protagonistas da luta em defesa dos albinos, isso se deve em grande parte ao terreno preparado pela cultura europeia; a própria noção de igualdade entre os homens é algo tipicamente ocidental, surgido pela primeira vez na Grécia antiga, de onde passou ao mundo romano e, daí, à Cristandade medieval, que o desenvolveu e legou à Era Moderna, possibilitando com isso o surgimento das ciências humanas, dos regimes democráticos e dos demais elementos que configuram essa tentativa tão fundamental quanto rara de valorizar a liberdade e a dignidade de cada ser humano. É José Osvaldo de Meira Penna a dizer que “(...) a ideia de igualdade entre os homens não parece figurar em outras religiões. Na história do Ocidente e ao contrário do que ocorreu no Oriente, surgiu a consciência crescente da igualdade como noção transcendente e ardeu o sentimento de revolta contra as desigualdades por força”[25].
Nascido na África, o ser humano parece ter deixado o continente central pela primeira vez há cerca de um milhão e meio de anos. Foi esse movimento para fora (“out of Africa”, conforme o nomearam os antropólogos) que possibilitou o espalhamento da humanidade pelo restante das terras emersas. Descendemos todos daqueles imigrantes pré-históricos que, dotados da postura devidamente ereta e da capacidade de fazer e utilizar ferramentas, começaram a percorrer um mundo já antigo para os moldes da geologia e da própria biologia.
A pergunta pelo sentido da vida é, também, a pergunta por nossa origem africana; perguntar pelo que seja a perfeição física e intelectual inclui fazê-lo quanto ao que seja a deficiência, contra-face espontânea dessa eficiência que, muito mais que em tempos pregressos, parece ter se tornado um fim em si mesmo. Quanto ao equilíbrio entre meios e fins ao longo da fronteira tênue que tanto separa quanto une o deficiente e o são, o imperfeito e o normal, as melhores respostas para isso podem estar no continente central. É hora de nos voltarmos para dentro da África; a terra de Kadaffi, de Chaka e de Idi Amin é a mesma de Nelson Mandela, de Santo Agostinho e de Amenemope.










* Professor doutor da Escola de Belas-Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil. Escreveu diversos artigos, publicados no Brasil e no exterior, nas áreas da história da arte, da estética e da filosofia da arte. É autor dos seguintes livros: Do essencial invisível. Arte e beleza entre os cegos, Rio de Janeiro, FAPERJ/Revan, 2002; Arte e beleza em Gerd Bornheim, Rio de Janeiro, EdUERJ, 2003; Índia submersa, Rio de Janeiro, Letra Capital, 2004 (com prefácio de Gerd Bornheim); A humanização da arte: temas e controvérsias na filosofia, Rio de Janeiro, Pinakotheke, 2006 (com prefácio de Godofredo de Oliveira Neto); Por que não eles? arte entre os deficientes, São Paulo, Cidade Nova, 2007; Estética, vivência humana, Rio de Janeiro, FAPERJ/Letra Capital, 2008. Atua regularmente como articulista e fotógrafo para a seção de cultura da revista Cidade Nova.

[1] Apud RODRIGUES, Adão et alii. O pioneiro, Caxias do Sul (RS), 04/03/2011. É um erro crer que os protestos recentes que provocaram a queda de Kadafi e a de outros presidentes islâmicos tenham sido em nome da democracia. O que se quer ali é meramente a substituição de uma tirania por outra, cansada de ficar no banco de reservas. O fato de serem protestos banhados em sangue obedece à praxe do islã, em vigor desde os tempos de Maomé; e basta ler o Corão ou qualquer livro sincero sobre o islã para ver que democracia e islamismo são noções incompatíveis entre si. Todo regime islâmico parte do princípio de que os seres humanos são desiguais perante a lei (a começar pela repressão às mulheres, praticamente um dogma islamita); sempre os muçulmanos terão mais direitos que os não-muçulmanos, que são “tolerados” principalmente porque pagam impostos especiais para poderem professar uma religião que não seja o islamismo. A democracia é uma invenção típica dos governos laicos e, como tal, apoia-se na ideia de que os homens e as mulheres são iguais perante a lei. Sendo assim, um país islâmico, para ser democrata, precisa deixar de ser islâmico; e uma democracia, para vigorar num país islâmico, precisa deixar de ser democrata – das duas uma, tertium non datur.
[2] É dogma entre os muçulmanos a inalterabilidade e a infalibilidade de tudo o que está escrito no Corão, já que os pronunciamentos de Maomé aí redigidos expressariam, segundo eles, a palavra do próprio Deus. Se assim for, precisaremos crer que Buda e Gandhi estão “ardendo no inferno”, pois é esse o destino que o Corão reserva aos considerados “idólatras”, categoria que, no entender corânico, inclui tanto os budistas quanto os hindus (cf. Surat II, 24 et passim). Por que o islã condena tão veementemente a idolatria e o politeísmo? Não seria uma tentativa de desviar a atenção do fato de que nem Maomé conseguiu extirpar totalmente idolatria e o politeísmo típicos da Arábia pré-islâmica? Ora, o alvo principal da peregrinação a Meca sempre foi a Kaaba, recinto sagrado para os muçulmanos, no qual se preserva uma pedra (sim, uma pedra!) que é objeto de veneração incondicional no islã! O Corão é, ademais, equivocado quanto à cronologia dos Evangelhos. Considera-os anteriores a Jesus, que os teria recebido de modo semelhante ao que Moisés recebeu as Tábuas da Lei (cf. V, 46 et passim; ver também GRIMBERG, Carl. História universal [trad. Jorge de Macedo], Lisboa, Europa-América, 1967,  t. VI, p. 70). O Alcorão é rico em contradições. Aqui condena a prática da agressão: “não pratiqueis agressão, porque Deus não estima os agressores” (II, 190); ali, ordena que os hipócritas sejam mortos em todo e qualquer lugar: “matai-os, onde quer que os acheis” (IV, 89). Também existe a ordem de matar os idólatras, poupando apenas os arrependidos e, obviamente, dispostos da pagar o tributo devido: “matai os idólatras, onde quer que os acheis; capturai-os, acossai-os e espreitai-os; porém, caso se arrependam, observem a oração e paguem o zakat, abri-lhes o caminho” (V, 9). Erros e fabulações diversas também não faltam. O Corão dá a entender que a Torre de Babel foi construída por obra do faraó que viveu na época de Moisés (cf. XL, 36). Para Maomé, Jesus não morreu na cruz; sua crucificação e morte teriam sido “mera simulação” (IV, 157). Embora tenha nascido mais de 500 anos depois de Jesus, Maomé opõe-se, sem nenhuma base histórica, aos relatos dos evangelistas e de todos os outros que, tendo sido seus contemporâneos, atestam a crucificação de Cristo. Para um livro considerado “infalível”, percebe-se que o Corão deixa a desejar. Não obstante, são incontáveis os muçulmanos dispostos a matar e a morrer em nome da infalibilidade do Corão, obra que deve ser apreciada por sua importância na história universal e seu valor literário.
[3] Falava, por exemplo, que bastaria a introdução de alguns hábitos higiênicos elementares para que boa parte dos casos de cegueira na Tanzânia fossem evitados. Na ocasião, o editor da revista francesa Le Valentin Haüy escreveu-me desculpando-se por não poder publicar aquele artigo (que seria o quarto da minha autoria na mesma revista), cujo conteúdo ele sabia ser verdadeiro. Disse que, se o fizesse, a revista e o instituto de mesmo nome poderiam ser processados pelos seus leitores muçulmanos, já que a Tanzânia é país islâmico, e minhas colocações “poderiam ferir a cultura deles”. Por fim, o referido artigo foi publicado no Brasil (cf. “Sobre a cegueira, a deficiência e a escravidão: o caso africano” [in Revista Benjamin Constant, Rio de Janeiro, ano 11, no. 32, dezembro de 2005]) e repetido, sob a forma de capítulo, num livro que dediquei à arte feita por deficientes (cf. Por que não eles? arte entre os deficientes, São Paulo, Cidade Nova, 2007).
[4] Estas linhas datam de novembro de 2012.
[5] OF, Renate. “Jonisias aufrechter Gang”, in Projekte: das Magazin über die Arbeit von “Brot für die Welt”, Stuttgart, 2007/2008, p. 24.
[6]A Ruanda no hi ha coxets de criatures, ni els podrien comprar” (MORELL i SAUCH, Xavier. El sentit d’una vida: un monjo atípic, Barcelona, Publicacions de l’Abadia de Montserrat, 2007, p. 199).
[7] Ibidem.
[8] GRIMBERG, Carl. História da civilização (trad. Jorge de Macedo), Lisboa, Europa-América, 1965, t. I, p. 148.
[9] Assim se vê, por exemplo, nos escritos de Ray Mademba, senegalês que advoga em causa própria e vive atualmente de forma ilegal na Itália, servindo-se dos benefícios que a Comunidade Europeia lhe proporciona (cf. MADEMBA, Ray. Il mio viaggio della speranza: dal Senegal all’Italia in cerca di furtuna, Pisa, La Grafica Pisana, 2010, p. 49sq).
[10] Cf. MEIRA PENNA, José Osvaldo de. O espírito das revoluções, Rio de Janeiro, Faculdade da Cidade, 1997, p. 333. O tratamento dado aos escravos negros costumava ser muito mais cruel entre os maometanos que entre os europeus e seus descendentes. Havia no islã a prática da castração, impedindo assim a criação de laços familiares e, obviamente, minando a força de vontade dos indivíduos e dos grupos. Daí a extrema raridade de revoltas de escravos negros no mundo islâmico, como as ocorridas nos Estados Unidos e no Brasil (cf. BERTAUX, Pierre. África. Desde la prehistoria hasta los años sesenta [trad. Manuel Ramón Alarcón], Madri, Siglo XXI, 1994, p. 133 et passim).
[11] Apud SPIEGEL, Peter. Muhammad Yunus, o banqueiro dos pobres (trad. Siomara Fernandes Costa), São Paulo, Cidade Nova, 2009, p. 74.
[12] Guia politicamente incorreto da história do Brasil, 2ª ed., São Paulo, Leya, 2011, p. 83. Adquirir escravos era, aliás, prática tão corriqueira entre brancos quanto entre negros. Uma vez alforriados, “o grande sonho dos ex-escravos brasileiros era ter escravos” (Idem, p. 88).
[13] Situado no Sahel, limbo geográfico que separa o Saara e a savana, o Mali é uma das vítimas históricas do declínio da exploração aurífera e do colapso do comércio escravista. Foi um país riquíssimo há alguns séculos, ao menos no que se refere aos seus soberanos. A história registra a visita feita por seu rei Mansa Musa ao Egito no início do século XIV, quando se dirigia como peregrino a Meca. O ouro distribuído por ele foi tanto que causou uma depreciação da moeda egípcia, que se manteve desvalorizada durante uma década. De volta para casa, Mansa Musa (trazendo consigo arquitetos, artistas e sábios diversos, é bem verdade) precisou pedir dinheiro emprestado (cf. FINLAY, Hugh et alii. Africa on a Shoestring, 8a ed., Hawthorn/Oakland/Londres/Paris, Lonely Planet, 1998, p. 526 et passim). É um exemplo entre muitos da utilização questionável (para dizer o mínimo) das riquezas nacionais por parte dos soberanos africanos, uma característica que vigora ainda em nossos dias e cujos efeitos incluem a miséria, a desnutrição, a fome, o alastramento de epidemias, o descaso para com os enfermos e os deficientes, bem como as guerras internas.
[14] “Sie fühlt sich wie in einer Oase” (OF, Renate. “Jonisias aufrechter Gang”, in Projekte: das Magazin über die Arbeit von “Brot für die Welt”, op. cit., p. 23). Na mesma época em que entrevistei Tahara, conheci Z., igualmente nascido no Mali e vítima da pólio. Apresentou-se a mim como fundador, também ele, de uma associação de deficientes físicos que já contava nove anos. Vestido como um príncipe, disse não dispor de fotos, prospectos, documentos e nem de uma homepage da sua associação, porque “essas coisas custam dinheiro” e “os europeus se negam a dar”. Nunca pude saber se a associação de Z. existia ou não; caso existisse, era claro que, após quase uma década, ele ainda estava na estaca zero. Uma regra a não perder de vista: quanto mais pobre for uma localidade da África islâmica, mais frequente é a cena da mulher que caminha com as costas dobradas pela carga pesadíssima que leva sobre as costas, sob os olhares indiferentes dos homens que se espreguiçam à sombra das árvores e dos sobrados.
[15] Cf. Idem, p. 24.
[16] Sobre esse tema em particular, sugiro a leitura do capítulo “Discutindo palavras”, integrante do livro que dediquei à deficiência (cf. Por que não eles? arte entre os deficientes, op. cit., pp. 41 a 63). Recentemente fui informado por Vera Lucia da Fonseca Germano, catequista voluntária da A.B.B.R., no Rio de Janeiro, que pelo menos sete entre cada dez crianças deficientes que se tratam nessa instituição tiveram a sua deficiência provocada por erros médicos. Disse-me também que, em cerca de 90% das vezes em que uma criança se torna deficiente, o pai abandona a família, deixando a criança deficiente aos cuidados exclusivos da mãe – uma estatística que, em situação equivalente, corresponde à que se verifica na África.
[17] ZAPPA, Chiara. “A caça aos negros brancos”, in Mundo e missão, São Paulo, agosto de 2010, n. 144, p. 20.
[18] Apud Idem, p. 22.
[19] Apud GRMBERG, Carl. História da civilização, op. cip., t. I, p. 131.
[20] Cf. epopeia ignorada. A pessoa deficiente na história do mundo de ontem e de hoje, São Paulo, SBSC (Sociedade Beneficente São Camilo)/CEDAS (Centro São Camilo de Desenvolvimento em Administração da Saúde)/FASC (Faculdade São Camilo de Administração Hospitalar), 1987, p. 37 et passim. Várias ideias de Otto Marques da Silva foram aproveitadas e desenvolvidas com propriedade por Apolônio Abadio do Carmo no seu ensaio Deficiência física: a sociedade brasileira cria, recupera e discrimina (Brasília, MEC/Secretaria de Desportos, 1991). É um livro interessante para a compreensão de certas estratégias governamentais adotadas ainda hoje no Brasil em face da deficiência. Seria um livro ainda melhor se o autor não se deixasse guiar por um materialismo histórico tão rígido.
[21] Os números vêm do historiador norte-americano Robert Davis, autor do livro Christian Slaves, Muslim Masters (cf. NARLOCH, Leandro Guia politicamente incorreto da história do Brasil, op. cit., p. 89 et passim).
[22] Idem, p. 100.
[23] BENZ, Wolfgang e GRAML, Hermann. El siglo XX. III: problemas mundiales entre los dos bloques de poder, 16ª. ed., México/Buenos Aires, Siglo Ventiuno, 2001, p. 348. Mutatis mutandis, o mesmo fenômeno explica a passividade islâmica na Ásia Central durante o regime opressor e ateu de Stálin. O ateísmo estalinista, embora responsável pela morte de milhões de maometanos (pense-se no Casaquistão), era mais tolerável que o governo islâmico de países vizinhos como o Irã, o Afeganistão e o Paquistão (cf. Ibidem).
[24] Cf. http://www.pco.org.br/conoticias/negros_2007/11ago_escravidao_mauritania.html; NARLOCH, Leandro. Guia politicamente incorreto da história do Brasil, op. cit., p. 83 et passim; ver também BALES, Kevin. Disposable People. New Slavery in the Global Economy, Universidade da Califórnia, 1999, p. 10 et passim; e GRÜNDER, Horst. Eine Geschichte der europäischen Expansion: von Entdeckern und Erobern zum Kolonialismus, Stuttgart, Theiss, 2003, p. 144.
[25] O espírito das revoluções, op. cit., p. 263. Considerando a visão deturpada que a mídia costuma dar do mundo islâmico, colocado geralmente na posição cômoda de “eterna vítima”, parece-me salutar incluir aqui, de forma resumida, um manifesto que recebi recentemente pela internet. Redigido na Inglaterra, esclarece acerca da ameaça que paira sobre a cultura ocidental, vítima, esta sim, da sua própria tolerância e benevolência. Eis o que é dito. Os muçulmanos não estão felizes. Eles não estão felizes na Líbia, no resto da África, no Oriente Médio, na Ásia Central. Onde os muçulmanos estão felizes? Eles estão felizes na Inglaterra e demais países da Europa ocidental, nos EUA, Canadá, na Austrália, na Nova Zelândia. Eles estão felizes em qualquer outro país no mundo que não está sob um governo muçulmano. E quem eles culpam? Não o islã, não a liderança deles, não a si mesmos. Culpam os países onde estão vivendo livremente e bem. A democracia é realmente boa para eles: uma democracia em que eles podem viver confortavelmente, aproveitar a alta qualidade de vida que eles não construíram e nem trabalharam para ter. Podem manter seus costumes, desobedecem às leis, exploram os serviços sociais, tornando-se parasitas agressores da nossa política e de nossos tribunais. Geralmente, mordem a mão que os alimenta. A questão chega a ser contraditória. Eles tentam trazer seu sistema de vida falido e querem transformar os países que os acolheram no país que abandonaram em busca de uma vida melhor. 

Um comentário:

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