Sim! Socialismo tem cura!
Para a grande maioria dos militantes, o socialismo surge como uma paixão universitária, uma forma de se sentir herói de alguma coisa. Um heroísmo de discurso fácil e poético que também oferece, especialmente na área de humanas, muitas festas, viagens, o afogo dos professores e a atenção das meninas − qual delas nunca se derreteu pela fala mansa, pelo jeitão desleixado e pelas ideias “paz e amor” do doidão da faculdade que sempre tinha um baseado no bolso? Posar de socialista nessa fase é, essencialmente, uma estratégia de qualificação social e sexual. Mas, como a maioria das paixões, o socialismo dura pouco. O mais comum é o socialismo desaparecer do coração das pessoas na medida em que elas assumem responsabilidades tais como pagar alugueis, impostos, funcionários, encargos e fornecedores, para só depois disso poder separar algum dinheiro para suas próprias despesas. Algumas pessoas rasgam a fantasia socialista logo que entendem que o que move uma sociedade não são as “boas intenções” estatais ou partidárias, mas, sim, os esforços e as ambições individuais. Porém, existem aqueles que por conveniências profissionais estendem a perversão socialista para além da época da estudante. Uns conseguem uma sombrinha confortável em governos, em ONGs, em partidos, em sindicatos, em “movimentos sociais” ou constroem carreira artística à custa dos programas e financiamentos do governo, enquanto outros apenas prosseguem a repetição dos clichês socialistas para manter amizades e para dar vazão a recalques e invejas inconfessáveis.
Apesar de não serem a maioria da sociedade como tentam nos fazer crer, são eles que viabilizam todos os ataques contra a liberdade. Por isso que eu sempre comemoro quando descubro que algum deles se curou, despertou para a realidade, afinal, um socialista desiludido é um cretino a menos na sociedade.
Um desafio: Quem é o autor do texto abaixo?
“Uma esquerda no governo não poderia comprometer-se a fundo com Cuba e Venezuela. Ainda que admirasse os dois modelos, o que é um alto grau de miopia, deveria levar em conta uma posição nacional. Uma esquerda no governo deveria abster-se de levar o capitalismo a um outro sistema, mas, sim, tirar o melhor proveito de suas potencialidades e reduzir seus impactos negativos. O capitalismo pode alcançar altos níveis de inovação e criatividade, como nos Estados Unidos, ou mesmo uma respeitável rede de proteção, como na Escandinávia. Não vejo como transitar do capitalismo para outro sistema econômico, exceto através da decadência e destruição de seus alicerces. E isso nem na Venezuela vai acontecer. O sonho bolivariano encarnou num homem que esmaga os opositores e conversa com passarinhos. Quando vão despertar? Quando encontrarem Nicolás Maduro cantando salsas e merengues nas pizzarias do seu bairro?”
O autor é ninguém menos que Fernando Gabeira, em artigo publicado em março desse ano. O mesmo Gabeira que já pegou em armas para lutar pela implantação de uma ditadura comunista no Brasil.
Além de já ter lido seu livro O Que É Isso Companheiro?, 1988, que fala sobre suas experiências na luta contra o regime militar, faz algum tempo que acompanho seus artigos, sempre muito bem escritos e contextualizados, cuja acidez nas críticas ao petismo evidencia também sua regeneração intelectual, mostrando-o cada vez mais distante daquilo que moldou sua vida até pouco tempo atrás. Não sou tão ingênuo ao ponto de crer que Gabeira converteu-se completamente ao liberalismo, que logo se juntará à luta contra o Estado, mas é evidente que ele, assim como muitos outros esquerdistas de outrora, hoje caminha na mesma direção que nós.
Além de Gabeira, outro que vale comemoração especial é Ferreira Gullar, que já vem se manifestando há alguns anos em favor da iniciativa privada – “O empresário é um poeta que, em vez de escrever poemas, monta empresas”, já escreveu. Um trecho de um de seus artigos na Folha, em 2012, também representa muito bem sua virada à direita: “Sabe a razão pela qual a empresa estatal dificilmente alcança alto rendimento? Porque o dono dela – que é o povo – está ausente, não manda nela, não decide nada. Claro que não pode dar certo. Já a empresa privada, não. Quem manda nela é o dono, quem decide o que deve ser feito – quais salários pagar, por quanto vender o que produz −, tudo é decidido pelo próprio dono. E mais que isso: é a grana dele que está investida ali. Se a empresa der lucro, ele ganha, fica mais rico e a amplia; se der prejuízo, ele perde, pode ir a falência.”. Tais palavras não causariam surpresa alguma se saíssem da boca de um liberal, mas, nesse caso, sairiam da boca de um ex-militante comunista!
Avaliando de forma cética os comportamentos dos próprios partidos e movimentos que defendiam, Gabeira e Gullar curaram-se. Enxergando tantas incoerências e tantos absurdos, Gabeira e Gullar tomaram por conta e risco próprios a iniciativa de caminhar no sentido contrário ao da esquerda. Paralelo e eles e a tantos outros, temos as pessoas que romperam com o socialismo logo que vivenciaram a “besta capitalista”. Pessoas comuns que por ignorância criticavam o capitalismo ou personalidades da cena artística que apenas surfavam a onda revolucionária. Caso exemplar é o do respeitadíssimo Sergio Motta, que fez questão de explicar de forma clara e corajosa, numa entrevista concedida a Juca Kfuri, o que o levou a abandonar o socialismo e a defender o capitalismo logo que foi morar nos Estados Unidos.
O livro Por Que Virei À Direita, que reúne ensaios de João Pereira Coutinho, Luiz Felipe Pondé e Denis Rosenfield nos oferece visões mais profundas sobre o reposicionamento político-ideológico que podemos oferecer a nós mesmos. Coutinho escreve: “A utopia política é uma chantagem sobre o tempo presente com a alegada superioridade de um tempo passado – ou futuro”. Para Coutinho, o grande pecado socialista é sua arrogância ao enxergar e tratar a sociedade, especialmente os mais pobres, como um imenso e homogêneo rebanho que deve ser feliz com qualquer ração lhes seja oferecida. Já Pondé justifica seu posicionamento como reação à ignorância, à mediocridade, à covardia e à hipocrisia daqueles que levantam as bandeiras vermelhas. “Minha primeira intuição contrária ao chamado ‘pensamento progressista’ foi que este, por má fé ou ignorância, desconhecia seu objetivo: o ser humano”, escreve o filósofo.
Denis Rosenfield justifica sua “virada à direita” a partir de suas experiências cotidianas, especialmente depois que passou a acompanhar as estratégias de manipulação social empenhadas pelos petistas em Porto Alegre. Rosenfield relata como se apropriam de iniciativas honestas para transformá-las em ferramentas políticas e ideológicas, substituindo, nos conselhos participativos, representantes da sociedade por militantes do partido, evidenciando a utilização dos processos democráticos para usurpar a própria democracia.
Creio que cada pessoa deve sua cura do socialismo a experiências particulares. Eu nunca fui de esquerda, apesar de ter passado muitos e longos anos num ambiente acadêmico predominantemente socialista. Nunca fui de esquerda, mas também, até poucos anos atrás, não militava por qualquer outra causa. O que me levou a dedicar boa parte de meu tempo ao estudo e difusão das ideias liberais foi o asco diante da hipocrisia e da demagogia de muitos amigos e conhecidos dos tempos de faculdade. Asco ao ver tantos defendendo todo tipo de absurdo em nome da preservação de pessoas, de partidos, de movimentos e de governos que representam suas convicções ideológicas. Asco ao ver tantos sendo contra o capitalismo enquanto usufruem cotidianamente de seus benefícios – em vez de trabalharem para que o capitalismo beneficie mais pessoas, lutam por sua destruição.
Do pobre recalcado que cobra que a sociedade seja rebaixada a seu nível intelectual e produtivo ao rico pervertido que compra um barraco na favela apenas para ter um lugar “descolado” para cheirar cocaína e transar com as meninas, dos burgueses que ruminam discursos anti-burguesia aos que fizeram do socialismo uma profissão, todos eles me motivaram a buscar na literatura a sustentação para minhas intuições; primeiramente, para eu me distanciar também intelectualmente de todas as incoerências que condeno, depois, como desabafo, pois é, sim, um tanto dolorido viver entre tanta hipocrisia, entre tanta cretinice.
A verdade é que a cura do socialismo começa ao enxergar o que ele mesmo cria e alimenta, mas a plena libertação dessa enfermidade intelectual – talvez espiritual – seja o exercício da maior coragem que cada um de nós possa ter dentro de si, afinal, rejeitar o socialismo e, principalmente, manifestar-se contrário a ele, nos torna inimigos de muitos, alvo de canalhices proporcionais ao alcance de nossas opiniões. Mas as recompensas são muitas… A cada dia, descobrimos outras pessoas que também se libertaram ou que nunca se deixaram acorrentar pela cultura socialista.
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