segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Perspectivas para uma moeda desregulamentada


Como funcionaria um sistema bancário e monetário sob bases puramente contratuais? 





Por Klauber Cristofen Pires

A crise que angustia a Europa e promete levar os seus efeitos aos rincões mais remotos da Terra nos avisa que o sistema sustentado sobre o tripé da moeda fiduciária de curso forçado, dos bancos centrais e das reservas fracionárias bancárias está esgotado. Talvez mais um último malabarismo monetário adie seu fim por mais alguns anos – a humanidade, sempre que pode, prefere adiar as decisões importantes e sensatas – mas isto há somente de piorar as consequências quanto do advento do fatídico momento.
Para quem tem pouco conhecimento sobre o assunto, chama-se de moeda fiduciária de curso forçado ou papel-moeda aquelas notas de papel pintado que você tem na sua carteira, e de sistema de reservas fracionárias como sendo aquele que permite aos bancos emprestarem mais dinheiro do que na realidade têm em poder, por meio de artifícios escriturais. O elo de ligação deste esquema é personificado pela figura do banco central, que detém a prerrogativa de emitir mais notas, regulamentar o grau de multiplicação do poder de emprestar pelos bancos comuns e alegadamente servir como guardião e garantia da liquidez do sistema.
Ocorre, entretanto, que tal fórmula jamais funcionou, malgrado tantas e quantas novas promessas de que daquele dia em diante tudo seria diferente. Os brasileiros são os espectadores mais enfadados deste batido filme, que mudava de nome só para atrair mais uma vez a plateia, assim que já se chamou “real/réis”, depois “cruzeiro”, “cruzeiro novo”, “cruzado”, “cruzado novo”, “cruzeiro”, “cruzeiro real”, e hoje, pelo menos até nova ordem, novamente “real” .
O poder de emitir mais moeda pela simples impressão de notas de papel ou ainda por mero comando em um sistema informatizado, somado à permissão de os bancos multiplicarem várias vezes o seu uso sem garantias reais para os depósitos simplesmente nunca teria resultar em um sistema monetário confiável.
Não há, a rigor, quem possa anunciar o dia e a hora do enterro. O que o liberalismo austríaco informa, porém, é que este momento há de ocorrer, inexoravelmente. O que este artigo pretende oferecer à reflexão é como as coisas poderiam acontecer sob um cenário totalmente desregulamentado, isto é, puramente privado, de modo que assim possamos alimentar algumas previsões de como virão a ser no dia seguinte ao do último suspiro do sistema monetário-bancário vigente.
A proposta austríaca prevê a aplicação inversa deste modelo, isto é, a desregulamentação completa do sistema financeiro, com o retorno ao padrão-ouro e o fim do sistema de reservas fracionárias e de bancos centrais. Ocorre, todavia, que uma desregulamentação completa implica justamente em admitirmos a faculdade destas instituições de reviverem uma moeda não totalmente conversível, o sistema de reservas fracionárias e uma instituição de empréstimos de última instância, ou seja, algo à moda de um banco central. Então, qual seria a solução?
Para começarmos a avaliar este novo cenário precisamos começar por relembrar o conceito de moeda, qual seja, o de constituir-se em uma mercadoria relativamente rara, portátil, e de aceitação espontânea e universal. Por aí já se vê que o papel-moeda que vige nos dias atuais em todos os países do mundo jamais cumpriu nenhum destes requisitos: não é uma mercadoria que detenha valor em si mesma, sua raridade depende do humor dos governos e sua circulação é compulsória e adstrita ao território sob a jurisdição do estado que o emitiu. Por fim, o câmbio de uma determinada moeda de um país para a de outro - quando não for impossível - sempre é realizada com ágio, o que resulta em diminuir ainda mais o seu poder de compra.
O sal já foi usado pelo antigo império romano quando cumpria os requisitos para funcionar como meio de troca. Hoje, porém, já não seria possível seu uso, já que a obtenção em escala industrial é facílima. O ouro tem a seu favor toda a história da humanidade, tendo sido testado e aprovado como a melhor mercadoria, a mais portátil – porque bastante rara e por isto, valiosa – e tem sido aceita em todo o orbe de bom grado por todas as culturas. Ademais, quem tem 100g de ouro no Brasil, terá 100g na Austrália, em Madagascar e até em Sealand.
Não obstante, em um mercado totalmente desregulamentado, ainda o ouro poderia vir a se tornar uma segunda opção, a depender dos costumes e das disponibilidades locais. Certo dia, um dileto amigo perguntou-me qual a moeda que deveria existir em substituição ao papel-moeda, quando este tiver o seu fim. Creio que consegui responder apropriadamente: absolutamente, qualquer mercadoria que seja aceita pelo mercado, e isto pode incluir até mesmo coisas como gado, grãos, minerais ou outras commodities.
Voltando agora ao assunto: em um sistema totalmente desregulamentado, pelo menos em tese, nada poderia obstar que um banco voltasse a praticar a moeda escritural, bem como valer-se de uma instituição garantidora. Então, o que seria?
Bancos privados já imprimiram moeda. No Brasil, provocou uma enorme confusão que levou o nome de “encilhamento”, uma das façanhas do excelentíssimo Rui Barbosa que não costuma ser lembrada nos livros escolares. Todavia, o problema foi que os bancos imprimiam contos de réis, a moeda do estado, de modo que o lastro, ou melhor, a falta de lastro, era dissolvida por todo o sistema bancário. Coisa triste: mais de cem anos depois, não aprendemos nada: ainda privatizamos lucros e socializamos prezuízos...
Em um sistema bancário/monetário totalmente livre, os bancos poderiam voltar a emitir moeda, mas esta haveria de ser, forçosamente – porque não haveria outra opção – a sua própria moeda. Assim, o banco do fulano poderia emitir, à guisa de exemplo, “fulanoreais”.
Os “fulanoreais”, por sua vez, poderiam ser conversíveis em ouro ou em qualquer mercadoria previamente acertada por contrato (imagine garantias reais de penhoras, como joias, veículos ou imóveis, ou como já exposto acima, grãos, gado ou minerais).
Igualmente, a capacidade de conversão também requisitaria de antemão o acerto contratual, podendo ir de totalmente conversíveis até qualquer percentagem celebrada de comum acordo.
Por fim, um banco emprestador em nível superior poderia servir como um avalista, prestando assim confiabilidade ao sistema.
A tal altura, haverá leitores que indagarão se isto tudo não é exatamente o que acontece agora. Digo que não e explico adiante:
Não que eu defenda a priori o sistema de reservas fracionárias, mas admito que ele pode proporcionar a vantagem de oferecer alguma elasticidade ao balanço entre depósitos e empréstimos, viabilizando desta forma operações de investimentos sem prejuízo para os prazos, o que de outra forma, em um sistema muito rígido, poderia acarretar custos maiores para os empreendedores e portanto, uma pior alocação dos recursos. Se o banco pode emprestar dinheiro hoje tendo relativa certeza que pode vir a recebê-lo numa data futura, então não há tanto problema em um cenário no qual não seja esperável que todos os correntistas demandem sacar todo o dinheiro ao mesmo tempo. Entretanto, é sabido que quanto mais se distanciar dos 100% de conversibilidade, mais este banco se expõe a este risco, tanto quanto mais alimenta o temor e a desconfiança sobre seus clientes.
Portanto, é certo que um sistema de reservas fracionárias remete ao risco de calote, mas isto pode ser calibrado pelo próprio banco conforme suas próprias expectativas mercadológicas, que passa a responder por si, e não no meio de uma massa amorfa. Se seu empreendimento quebrar, quebrarão apenas as pessoas que detêm “fulanoreais” e que não conseguiram convertê-los tempestivamente em ouro ou em bens reais.
Quanto ao emprestador de instância superior, não falo aqui de um banco central estatal, mas de um tipo de bancos cujos clientes seriam outros bancos e que funcionaria sob bases contratuais. Ele mesmo passaria a receber um incentivo verdadeiro para regular e auditar severamente os bancos sob as suas asas, pois seu patrimônio e sua reputação estariam sob o juízo do mercado, ou de forma mais clara, dos clientes finais. Assim, ele passa a agir duplamente como uma sociedade classificadora e uma seguradora, e esta função pode ser muito bem assimilada pelo mercado.
O que se há de destacar como diferencial no esquema aqui apresentado é a ausência da perdulária figura do estado, a única entidade que não presta contas a ninguém e obtêm sua liquidez por meio da tributação. Não havendo lugar para a expansão monetária desenfreada, as alocações de recursos seriam dirigidas para as necessidades mais urgentes e demandadas ao setor produtivo, e a poupança seria protegida contra o efeito confisco. 

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