quinta-feira, 22 de julho de 2010

Servidor público e liberal: uma incongruência?

Por Klauber Cristofen Pires

Não raro, leitores dos meus artigos discutem se não há uma contradição essencial entre o fato de eu ser um articulista liberal e ao mesmo tempo, um servidor público. Isto merece algumas considerações de minha parte.

Eu já fui até o anarco-capitalismo, bati e retornei, de forma que hoje estou mais para o liberalismo minarquista, talvez ainda um pouco mais minarquista do que o foi Mises, mas ainda rconhecendo a necessidade da existência do estado, ou quando muito, pelo menos reconhecendo que esta é a realidade em que vivemos e que não será mudada tão cedo.

Uma sociedade totalmente anárquica, assim penso eu, não tem como fazer frente ao único aspecto em que a figura do estado é eficiente: fazer guerras. Um estado tem como concentrar a fundo perdido recursos materiais e humanos, de tal forma que uma sociedade anárquica não teria como produzir da noite para o dia a pronta reação.

Ademais, a questão da imigração parece ser bastante ilustrativa do conceito de guerra demográfica, isto é, aquela em que povos inteiros se instalam no território de uma sociedade livre para ali instaurar um regime tirânico. Isto aconteceu com a China sobre o Tibete, com a União Soviética sobre os pequenos países que a circundam, e está acontecendo com a invasão islâmica na Europa e latina nos EUA. Até a Bolívia vem praticando, por ação de Evo Morales, a imigração forçada de populações inteiras para artificializar maiorias eleitorais nas províncias com maioria oposicionista.

A mim tem parecido muito certo que a admissão maciça de imigrantes tende a comprometer severamente a  asimilação dos conceitos de uma sociedade livre, causando o risco de reproduzirem os mesmos erros que tornaram as suas nações de origem tão disfuncionais.

Explicada a minha razão, é certo que todos os países possuem um órgão arrecadador, e a maioria deles possuem um banco central, apenas para ficar nestes exemplos mais nevrálgicos para um liberal. Portanto, às pessoas que entendem ser imoral ocuparem tais cargos públicos, resta-lhes admitir que as pessoas hábeis para participar destas instituições devam ser afinadas com o socialismo.

A adoção de tal convicção, desta forma, parece-me ser particularmente suicida, no tanto em que abre as portas à ocupação dos espaços institucionais justamente pelos indivíduos sequiosos de sequestrá-los para os seus objetivos de concentração de poder. Até parece que não tem sido isto mesmo o que o PT e as esquerdas mais têm feito.

Em sociedades mais livres ou mais liberais, os órgãos arrecadadores são pequenos, pois os impostos baixos e as obrigações acessórias, poucas. Além disso, estes órgãos tendem a realizar o trabalho de arrecadação conforme a lei formal oriunda das casas legislativas. Ao contrário, em países como o Brasil, a Receita Federal legisla administrativamente, propõe mudanças nas leis formais, cobra impostos, julga os cidadãos e até se arvora em políticas de educação fiscal (!)

Nos jornais, vieram à tona os escândalos causados pelo acesso indevido aos dados de contribuintes, primeiramente o motorista de Antonio Palocci e mais recentemente com o coordenador da campanha do PSDB, Eduardo Jorge. No Incra, todos os superintendentes são egressos do MST, e são eles quem definem os tais "índices de produtividade" que vêm desapropriando fazendeiros.

Portanto, um liberal que trabalha em um órgão público normal, isto é, aqueles órgãos que pertenceriam a qualquer estado liberal, tem como realizar um grande serviço ao seu país, militando pela administração austera e eficiente dos recursos públicos, pela desburocratização, pela desoneração tributária, pelo apreço à lei formal e pela abstenção de propostas tais como esta que eu disse, qual seja, a educação fiscal.

Há um texto de Murray Rothbard que toca neste ponto, que considero muito bom, mas que contém imperfeições, quando ele advoga que um libertário se abstenha justamente de órgãos como a Receita Federal e o Banco Central, por ele comparáveis a trabalhar em campos de concentração. Estes órgãos não se comparam a um campo de concentração, eis que existem em estados liberais onde os direitos civis são mais bem respeitados do que em todas as outras formas de estado.

Ainda assim, segundo relatos de um prisioneiro de um destes campos, como o foi Victor Frankl, por meio de seu livro "Em busca de sentido - um psicólogo em um campo de concentração", havia alemães que se esforçavam para minimizavar o sofrimento dos prisioneiros, enquanto havia "capos", ou seja, prisioneiros com tarefas de guardas, que desfrutavam algumas concessões tais como uma fatia de pão a mais por dia, e eram especialmente cruéis.

Finalmente, quero destacar que um professor, mesmo trabalhando em uma faculdade privada, pode ser mais nocivo à sociedade livre que um funcionário de um órgão tal como a Receita Federal. Rothbard e seu tradutor destacam o estatismo das faculdades pela via do financiamento (No Brasil, especialmente por conta do Prouni), mas se esquecem que a própria grade curricular, no Brasil, é definida pelo estado. Pois, em qualquer curso, especialmente Sociologia, Direito e Economia, as leituras de Conte, Hegel, Marx e outros são obrigatórias. Claro está que um professor liberal-conservador há de apresentar estes pensadores porque a isto é obrigado - mas no desenvolvimento haverá de expor a falácia de suas doutrinas.

Ser um funcionário público não é necessariamente uma opção ideológica. Há muitos e muitos empresários e profissionais autônomos socialistas. Pelo contrário, pode ser uma atitude plenamente capitalista: o indivíduo procura o que lhe é mais apropriado. A alternativa a isto é pensar que todos os funcionários públicos devam ser socialistas. Será que é isto o que desejamos?


Na falta de outras opções, contentar-me-ei em ser um servidor público de um país capitalista. Muito obrigado.

5 comentários:

  1. Inteiramente de acordo com o fundamento de suas posições. Eu próprio já escrevi algo a respeito (mas preciso buscar onde estar para revisar).
    Tenho comentários mais substantivos a seu artigo, que farei no momento e no formato apropriados.
    Meus cumprimentos pela transparência e sinceridade.
    Paulo Roberto de Almeida

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  2. Excelente artigo, Klauber.

    A postura de "avestruz" de muitos libertários acaba deixando o campo todo livro para os mais socialistas e desonestos.

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  3. Excelente texto. Mesmo sete anos depois, o assunto continua mais vivo do que nunca!

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  4. HAHAHAHAHAHA

    Neo Liberal !!! hahahahahaha

    Hipocrisia de auto aceitação. Devem ou deveriam ser todos tercerizados sem direitos trabalhistas para ver como é gostoso defender o status quo.

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    1. Você sabe que CLT não se aplica aos servidores públicos, que são regidos pelo Estatuto, né?

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