sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Sociedade de Trincheiras: ANL repudia concorrência e pleiteia proteção contra e-books


Sociedade de Trincheiras: Associação Nacional do Livro repudia liberdade de mercado e propõe medidas para proteger livrarias da concorrência com o livro eletrônico. Uma pergunta: "proteger" de quem? Respondo: De você, consumidor.

Por Klauber Cristofen Pires

Já há algum bom tempo que os livros eletrônicos não são novidade no Brasil, muito embora o mercado tenha se mantido relativamente restrito devido à dificuldade de aquisição de aparelhos adequados, como o Kindle, o Nook, ou mesmo o IPAD e os Tablets, por conta da nossa protecionista legislação tributária. 

Portanto, não há que se afirmar sem ser flagrado por sua irresponsabilidade que a recente chegada de distribuidoras de peso de e-books como a Amazon e o Google pudesse surpreender o mercado livreiro. Houve o tempo mais que suficiente para a adaptação, com possibilidade até mesmo de aproveitar este lapso para estar à frente quando os grandes concorrentes internacionais chegassem. 

No entanto, poucos são os empresários que merecem esta designação. Como bem cunhado pelo filósofo Olavo de Carvalho, aqui o que abundam são os "metacapitalistas", meras criaturas híbridas e como tais, inférteis, no caso, da criatividade e indústria dos autênticos empreendedores. A mentalidade dessa gente não é nem nunca foi buscar meios de melhor servir os consumidores, mas sim os de melhor se servir deles, especialmente mancomunando-se com o estado. Por eles, as Capitanias Hereditárias ainda vigeriam.

A Carta Aberta da ANL sobre o Livro Digital no Brasil, assinada pelo presidente desta Instituição, o Sr. Ednilson Xavier, enfatiza ostensivamente e sem pejos, o caráter guildesco desta instituição e revela que a mentalidade anticapitalista do empresariado brasileiro ainda é hegemônica e apegada obsessivamente à ideia de proteção estatal:

Diferentemente do que ocorre no campo dos meios de comunicação, em que existem leis que disciplinam o mercado, regulando e limitando a participação de empresas multinacionais, no mercado livreiro e editorial brasileiro predomina quase que exclusivamente a livre iniciativa, com um claro déficit de proteção para a produção nacional.

Nenhum mercado goza do privilégio fiscal concedido à principal matéria-prima do livro, que é a imunidade tributária constitucional concedida ao papel destinado à sua impressão. Alie-se a este fato que a jurisprudência do STF tem entendido que não é somente o papel que merece tão distinta exceção tributária, mas também qualquer mídia ou tecnologia que lhe faça as vezes, como por exemplo, os discos magnéticos, CD’s e DVD’s. Ainda assim, curiosamente, comprar um livro qualquer constitui, não raro, um verdadeiro luxo.  
Além disso, conquanto se reconheça uma predominância da livre iniciativa neste setor, vale ressaltar que estamos a falar do mercado em que paradoxalmente se verifica – a saltar aos olhos - a maior uniformidade de preços praticados no varejo. Perceba o leitor como flutua ao sabor das conveniências o discurso protecionista: no momento mesmo em que fala em defesa contra a concorrência predatória representada pela chegada do concorrente externo, a quem supostamente se atribui o perigoso poder de em pouco tempo dominar o mercado, pratica-se tal alinhamento de preços como não se vê em nenhum outro setor, o que bem poderia ser interpretado objetivamente pelo Cade – Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o superórgão do governo encarregado de fiscalizar e aplicar a chamada legislação antitruste, como uma prática desleal de comércio.
Adiante, na mesma missiva, prossegue o presidente da ANL, segundo sua peculiar lógica mercantilista:
Quem tem poder maior de compra dita as regras, sem levar em conta a necessidade de preservação da bibliodiversidade, nem a importância de manter o vigor dos distintos canais de comercialização.

Alguém pode explicar que raios vem a significar “bibliodiversidade” ou por que motivo os canais obsoletos de comercialização deveriam ser preservados? Será que o texto está a acusar as distribuidoras de e-books de reduzir o lançamento de novos livros àqueles que considerarem como convenientes para o mercado? 
Senão, reflitamos: durante décadas inúmeros escritores tiveram imensa dificuldade de terem suas obras publicadas, porque antes de partir para as prensas as editoras necessitavam munir-se de uma capacidade de previsão mercadológica para antever o possível sucesso dos títulos, já que arcariam com os custos irrevogáveis para a fabricação. Em alguns casos, outras dificuldades exsurgiriam, como por exemplo, obras que promovessem denúncias contra os homens poderosos de um lugar ou contra um pensamento dominante sobre qualquer área. Todavia, todos estes problemas acabaram com o advento do e-book. A não ser por algum trabalho de edição em meio eletrônico, os custos com a veiculação de mídias passam a ser inexistentes ou irrisórios, e a capacidade da oferta alça-se ao infinito por um mero comando.
Os e-mails e chats vieram para substituir as cartas e os telegramas. Graças a estes recursos, diariamente bilhões ou trilhões de informações são prestadas e decisões são tomadas em tempo praticamente real, e a um custo incrivelmente irrisório, o que tem resultado em um incomensurável ganho de eficiência para a economia mundial, que assim se capacitou a gerar muito mais empregos para milhões de pessoas nos mais diversos setores. Será que ainda deveríamos continuar pagando o elevado preço por cada caractere transmitido pelo telegrama somente para contentar os interesses de pessoas como o Sr Ednilson Xavier?
Agora, atenção, prezado leitor: você será colocado de frente com uma joia do pensamento coletivista brasileiro: o apelo ao bem comum e ao interesse público:
Sofremos hoje com baixíssimos índices de leitura e pequena presença de livrarias espalhadas pelo país. Segundo dados do IBGE, menos de um terço dos municípios brasileiros possui ao menos uma livraria. Este número, que por si é preocupante, vem diminuindo ao longo dos anos, tendo havido aumento da concentração nas regiões Sul e Sudeste e maior peso de grandes empresas varejistas.

Trata-se de um verdadeiro discurso oblíquo, carregado até o talo de tanto cinismo! Desconfie sempre, sempre e sempre daqueles que vêm falar em nome do bem ou do interesse público, ou que estão agindo preocupadíssimos para a defesa do seu bem ou interesse e não dos deles próprios. Olhem aí o gato escondido com o rabinho balançando do lado de fora! Do que estamos falando? Do acesso à leitura ou da preservação de livrarias? Então, se o público consumidor consagrar a aquisição de e-books por ser este método de comercialização mais prático e mais barato, porque motivo deveríamos pensar que haveria um decréscimo do nível de leitura por parte da população?
Houve um tempo em que as geladeiras não passavam de caixas térmicas, e os cidadãos adquiriam barras de gelo dos caminhões que as traziam das fábricas. Os modernos refrigeradores acabaram com esta atividade ou reduziram-na a um mínimo. Porém, mais pessoas hoje têm destes equipamentos em casa – e são muito mais eficientes na tarefa de preservar os alimentos e mantê-los em baixas temperaturas – do que as poucas abastadas do início do século passado que podiam se dar ao luxo de adquirirem gelo diariamente.
A cada parágrafo, uma facada na sociedade aberta: a curta manifestação do Sr Ednilson Xavier, presidente logo de quê - de uma associação de vendedores de ideias (!), em um país que ainda mantém alguns resquícios do ideal de ser livre, é tão ao seu modo profunda e carregada de significado que me obriga a comentar cada parágrafo, quase levando-me ao choro por abdicar de uma frase aqui ou ali em prol da economicidade deste artigo e da paciência dos que me leem. Alegrem-se, contudo, porque estamos quase no fim. Acompanhem a seguinte obscenidade:
Preocupada com essas questões, e mirando-se na experiência acumulada pela indústria cinematográfica que soube preservar, apesar de todas as turbulências e transformações recentes, sua cadeia de distribuição, a ANL, principal entidade em defesa dos livreiros brasileiros, através de sua diretoria, se manifesta e compartilha as seguintes orientações: (...)

Aí estão os ídolos do presidente da ANL: os chupa-cabras estatais da Ancine. Ele tem razão: não é por pouco que merecem ser alvo de toda admiração e inveja.  Seus feitos recentes foram fabulosos: criaram por meio de uma lei um imposto que expropria todo cidadão que adquirir um ingresso para assistir a um filme estrangeiro, cuja arrecadação destinar-se-á ao financiamento da produção bundalelê nacional com o selo da Ancine, e mais outra que obriga os cidadãos contratantes de tv’s pagas a sustentarem – assistam ou não – e em horário nobre - a exibição de uma cota intragável de filmes nacionais. Levada tal medida a todo o mercado, dia virá em que as padarias serão aquinhoadas com outorgas de monopólio em cada bairro e dotadas da prerrogativa de determinar que tipo e quantidade do pão que deveremos consumir.
Por fim, o autor sugere aos livreiros algumas medidas que ao meu ver ferem cabalmente a atual legislação antitruste – conquanto eu mesmo a condene por completo, mas que registro aqui, somente para registrar o hipócrita paradoxo. Reputo-as, por conseguinte, como legítimas, no tanto em que visam proteger os interesses dos proprietários de livrarias, segundo a visão que têm sobre o assunto, muito embora lamentáveis, porque seguem na direção oposta dos interesses dos consumidores.  Não aposto um centavo no sucesso de tal ajuste.
Em tempo: alguém até o presente momento se lembrou da enorme contribuição do e-book para a preservação das florestas? Mais uma solução eficiente e pacífica do capitalismo para a ecologia, gente!
Esta carta é representativamente simbólica de nosso triste tempo, em que cada setor empresarial faz de tudo para evitar a competição, quase sempre valendo-se da mão pesada do estado para prejudicar seus concorrentes e principalmente, os consumidores, porquanto merece ser lembrada em todos os livros (ou e-livros) de economia e direito em um futuro no qual sejamos nós ou nossos netos realmente livres, por termos aprendido a defender a liberdade tanto para nós quanto para nossos semelhantes. 

Um comentário:

  1. Moro na Inglaterra ha quase 10 anos. Tenho um iPad, e mais de 200 livros nele, a maioria comprada na Amazon. Custam as vezes 3 vezes menos que os impressos, voce os baixa imediatamente e comeca a ler. E as grandes obras da literatura (Shakespeare, Milton, Dickens, ensaios sobre literatura, lendas populates, etc) normalmente sao GRATUITOS. Alem disso, existe um site maravilhoso chamado Internet Archive que disponibiliza livros raros, escaneados de bibliotecas, que podem ser baixados (gratuitamente) no Kindle ou outros formatos.
    Tenho o iPad ha dois anos, e mais de 200 livros, e comprei o iPad porque nao tinha mais lugar para colocar livros em casa - desde que mudei pra ca, adquiri mais de 300 livros impressos, a maioria de segunda mao, mas ate mesmo algumas primeiros edicoes, todos a precos extremamente convenientes, e nao carissimos como no Brasil.
    Nao espero que o Brasil tenha a abundancia literaria daqui. Considero o acesso ao livro e a educacao a melhor coisa daqui, e me entristece muito ver que associacoes que deveriam aplaudir tecnologias que permitem o acesso ao livros e a promocao e divulgacao de novos autores (Tenho um amigo que publicou seu
    livro na Amazon, que o vende a um preco muito barato, mas recebe algo por ele - tudo via ebook).
    Essa atitude contra o ebook e lamentavel e DEFINITIVAMENTE autoritaria, medieval e antidemocratica.

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