Papel-moeda não é dinheiro porque não é mercadoria (não tem valor intrínseco), não é raro e não é aceito de forma espontânea e universal.
Prezados leitores,
As crises que têm convulsionado os
Estados Unidos e que atualmente vão assolando a Europa têm causas
já bem conhecidas, especialmente pelos economistas chamados de
“austríacos”, muito embora continuem sendo negadas por razões
de interesse da parte de certos grupos que compartilham o poder.
Não se enganem, o Brasil está muito
longe da alegada imunidade que o governo tem proclamado. Em outras
palavras, nós somos eles amanhã.
O propósito das linhas a seguir é
explicar de uma maneira bem didática e fácil aos leitores um pouco
mais leigos as três principais razões pelas quais o Ocidente passa
por mais essa fogueira tão pouco depois da “irracional
prosperidade”, segundo as palavras de um dos principais
responsáveis por tal estado de coisas, o ex-presidente do Banco
Central norte-americano, Alan Greenspan.
Cabem os méritos a Ludwig von Mises por
ter descoberto por que ocorrem os chamados “ciclos econômicos”,
conhecidos em inglês pela expressão “Boom-Bust” (“boom” =
explosão, no sentido de grande momento de prosperidade; “bust”=
explosão ou estouro também, mas agora com o sentido inverso, isto
é, de golpe, pancada, ou mais precisamente, quebra e falência).
Apenas como um aposto, digne-se mencionar
o quanto os defensores dos ideais socialistas prezam os “ciclos
econômicos”, que segundo eles, refletem não mais do que as
contradições do capitalismo e a sua natural propensão histórica a
ser substituído pela implantação do socialismo (“devenir
histórico”). Todavia, o que precisa ser desmascarado é que os
ciclos econômicos são o resultado de intervenções estatais
concebidas justamente à moda socialista, mais especificamente sob as
teorias keynesianas.
A saga da moeda percorreu por milênios
um caminho tortuoso marcado por erros e acertos, bem como, em certa
medida, também pelas condições tecnológicas disponíveis. A
humanidade, em seus atos comerciais, deu um grande passo à frente ao
descobrir as vantagens das triangulações das trocas, mediante a
realização de transações com uma mercadoria que fosse
universalmente aceitável e divisível (Um boi, por exemplo, seria
inviável para adquirir, digamos, uma peça de roupa cujo valor de
troca fosse menor). Daí por diante, tornou-se questão de
aprimorá-la.
O antigo império romano já fez uso do
sal para tal fim, daí a origem do termo “salário”, que era pago
aos seus soldados. Entretanto, hoje esta mercadoria, embora ainda
universalmente aceitável, demandaria grandes quantidades físicas
para adquirir bens de pouco valor, donde se conclui que outra
qualidade desejável para a moeda é a de ser relativamente rara.
Por fim, consagrou-se o ouro, pelas
seguintes razões: é uma mercadoria (isto é, possui um valor
intrínseco); é relativamente raro, é divisível (cunhável em
moedas e barras de diferentes tamanhos), e é universalmente aceito
de modo espontâneo.
Nos dias atuais, entretanto, não
realizamos mais transações em ouro, mas por algo que recebe o nome
de papel-moeda de curso forçado. Para que ninguém tenha dúvidas,
trata-se de um mero pedaço de papel pintado (com alguns artifícios
para dificultar a sua falsificação por terceiros), que não possui
um valor intrínseco nenhum, não é relativamente raro (já explico
adiante e detalhadamente por quê), e não é universalmente aceito
de forma espontânea, mas ao contrário, tem a sua circulação
tornada obrigatória pelo seu emissor, e é válido apenas em seu
território (salvo algumas exceções, e ainda assim limitadas, como
o dólar, ouro e o yen).
Vamos agora ás consequências práticas
da diferença entre o padrão-ouro e o papel-moeda.
Por primeiro, quem tem moedas de ouro,
tem as mesmas moedas em qualquer lugar do mundo. Pode ser que este ou
aquele bem ou serviço custem mais caro em um país do que em outro,
o que é muito normal, haja vista a diferença de disponibilidades de
recursos naturais entre eles. Ainda assim, a pessoa que detiver uma
certa quantia em ouro permanecerá com ela, que é sua propriedade e
que tem valor.
Muito ao contrário, quem tem, digamos,
reais em mãos, dificilmente há de conseguir trocá-los no exterior,
a não ser em certos países vizinhos e mediante relações de troca
bem desfavoráveis, de modo que, se alguém decidir fazer uma viagem
para a Austrália, já terá chegado lá com uma significativa perda
do seu poder aquisitivo antes mesmo de comprar um mero cartão
postal.
A bem da verdade, manter reais consigo no
próprio Brasil já implica em perda de poder aquisitivo, por conta
do primeiro fator causador de crises que Mises apontou: o poder
estatal de imprimir dinheiro.
Não é possível criar ouro. Há quem
diga que isto seja possível, mas mesmo assim, seria anti-econômico
(gastar-se-ia mais com o processo do que com o resultado). Porém, é
possível imprimir mais notas, e é isto o que os governos mais fazem
para custear seus gastos cada vez maiores.
Imprimir mais notas implica em realizar
uma espécie de tributação, porque cada nota que temos em mãos,
por tornar-se menos rara, perderá uma parte do seu valor de compra.
É como se recebêssemos diariamente como salário um copo de leite e
dia após dia o governo fosse adicionando, progressivamente, um pouco
mais de água ao leite, com a finalidade de prover mais copos a mais
pessoas. Em determinado dia, o copo de cada um permaneceria cheio,
mas então de uma mistura praticamente transparente formada
basicamente por água com algumas gotinhas de leite.
Arrecadar tributos sob a forma de
expansão monetária (impressão de notas, ou mais modernamente, por
meros comandos eletrônicos) é algo que os governos prezam e não
abrem mão, por ser muito mais discreto do que decretar formalmente
aumentos dos impostos, o que seria impossível no padrão-ouro.
Não bastante, outra forma de criar
riqueza do nada, ou melhor, uma aparência de riqueza, prosperou com
a invenção do papel-moeda: as chamadas reservas fracionárias
bancárias. Tratam-se de operações contábeis efetuadas pelos
bancos segundo as quais se possibilita que o mesmo dinheiro que foi
emprestado a João o seja também a Márcio, Paulo, Juliana, e assim
por diante, praticamente sem solução de continuidade.
Se alguém vender um mesmo lote de terra
a João e em seguida a José, ninguém duvidará que este sujeito
praticou um ato de estelionato. Contudo, os bancos fazem exatamente
isto, e o fazem sob proteção legal (às vezes ilegal também, eis
que prosperam denúncias de vendas “a granel” de títulos de
papel que dizem representar ouro físico!).
Com mais dinheiro impresso pelo governo
ou mais créditos oferecidos pelos bancos sem que haja uma verdadeira
produção de riqueza que lhes legitime, os beneficiários disputarão
no mercado pela mesma quantidade de bens produzidos. Agora basta
raciocinar com base na lei da oferta e da procura: se há mais
pessoas disputando os mesmos bens, é óbvio que estes últimos
aumentarão de preço.
Além disso, no antigo padrão-ouro os
bancos somente podiam emprestar dinheiro a terceiros mediante
contrato com os donos dos depósitos, sendo que, ao autorizarem suas
disponibilidades, viam-se automaticamente sem elas. Desta forma, quem
tomasse empréstimos tinha as matérias-primas para seus
investimentos sob condição de oferta (e portanto, de preço)
inalterada, já que os emprestadores ficaram temporariamente
desprovidos exatamente daquelas quantias. Na verdade, ambos,
emprestadores e tomadores tinham por acordo tácito justamente isto:
segurar voluntariamente o consumo para investir e lucrar com o
resultado futuro.
Porém, no atual sistema de papel-moeda
e crédito praticamente ilimitado, as matérias-primas não estão à
disposição dos investidores, porque os emprestadores continuam com
o mesmo poder de compra, quiçá até mesmo aumentado. Isto significa
que seus investimentos custarão mais caro do que o esperado, se não
tiverem de esperar que se tornem fisicamente disponíveis. Isto fará
com que os investimentos se malogrem, e daí, as crises.
Ainda, isto não é toda a desgraça a
ser contada. No antigo regime do padrão-ouro, detinha moedas de ouro
quem trabalhava e produzia, ou quem deles recebesse alguma quantia, e
o governo possuía exatamente o fruto da arrecadação dos impostos,
que não podiam ser majorados ilimitadamente sob pena de revolta ou
colapso de toda a economia. Com o novo poder de criar dinheiro do
nada, mediante a simples impressão de cédulas de papel, a cada dia
os governos puderam aumentar seus gastos com funcionários públicos,
aposentados, pensionistas e beneficiários de programas
assistenciais, e foram neste rumo transformando significativamente
a estrutura social, ao criar a cada dia mais pessoas dependentes. E
isto é absolutamente o que está acontecendo na Europa, um país que
possui mais pessoas recebendo salários como funcionários públicos
ou aposentadorias ou pensões do que gente trabalhando e produzindo.
Aos amigos leitores que ultimamente têm
assistido às chocantes cenas de revoltas na Grécia, podem ter
certeza de uma coisa: quem por lá carrega o piano nas costas não
participou de nenhum daqueles atos de vandalismo.
Resumindo, para fechar: impressão de
dinheiro falso, empréstimo falso de dinheiro falso e estilo falso de
vida e de estrutura social. Não é imprevisível de que um dia um
grande acerto de contas teria de vir à tona. Veio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Olá! Seja benvindo! Se você deseja comunicar-se, use o formulário de contato, no alto do blog. Não seja mal-educado.