Ora, a verdadeira liberdade sindical é a representada no direito de trabalhadores e empregadores se organizarem e se constituírem sem o arbítrio do Estado, tendo como manutenção econômica uma contribuição de cunho espontâneo. Como o estatuído na Convenção 87 da OIT.
Fernando Alves de Oliveira
Em junho de 1948, após a derrubada do Estado Novo
do ditador Getúlio Vargas e a redemocratização do País, e já na
presidência do general Eurico Gaspar Dutra, o Brasil foi um dos
signatários da Convenção 87 da Organização Internacional do
Trabalho (OIT). Assinada, mas não ratificada até os dias atuais.
Por quê?
Como importantes referências históricas, vale
recordar que Dutra liderou o movimento de novembro de 1945 que
destituiu o caudilho Vargas do poder. Em setembro de 1946 viria ser
promulgada a quinta Constituição Federativa. Restabelecido o regime
democrático, Dutra foi eleito em dezembro do mesmo ano como novo
presidente da República. Após cassar o Partido Comunista e romper
relações diplomáticas com a União Soviética, Dutra foi o
responsável pela criação do Serviço Social da Indústria (SESC) e
Serviço Social do Comércio (SENAC) e de valer-se do Decreto-lei
9070/46 para a regulação do direito de greve em atividades
essenciais, além de outros importantes feitos para a época, no
âmbito interno e externo.
Estava claro que o sindicalismo intervencionista
do Estado autoritário, baseado na “Carta Del Lavoro” de Benito
Mussolini, não era o modelo ideal para o Brasil da época, que
começava a sair da fase eminentemente colonial e engatinhava para os
avanços do parque industrial. Ademais, o País sofria as agruras
econômicas advindas de um mundo saído de uma segunda guerra
mundial. Os mais perspicazes já enxergavam ali o embrião da
globalização.
Então, por qual razão a Convenção 87 da OIT
não foi ratificada e sempre postergada?
Ocorre que desde a promulgação da legislação
sindical no glorioso primeiro de maio de 1943, concebida com sua irmã
gêmea, a Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-lei 5.452, de
Vargas) os responsáveis pelo sistema sindical brasileiro insistiram
em trilhar pela bitola estreita da unicidade, que veda a existência
de mais de uma categoria (laboral ou econômica) em dada base
territorial, além, é claro, na plácida sustentação financeira da
contribuição sindical obrigatória. Como tal, garantidas a
exclusividade da representação e da arrecadação compulsória,
trabalhar ou não em prol da categoria laboral ou patronal
representada jamais passou de mera opção de escolha.
Ora, partindo da premissa de que a Convenção 87
proclama, dentre outros tantos fundamentos de igual ou ainda maior
importância “da necessidade de melhorar as condições de trabalho
e a afirmação do princípio da liberdade da associação sindical”,
aliadas “à liberdade de expressão e de associação, como valores
basilares para o progresso constante”, tornou-se profundamente
estranhável (para não dizer vergonhoso) que o Brasil nunca tivesse
optado por sua formal validação. Em verdade, nosso Parlamento –onde
tal documento jaz há 65 anos- nos dias atuais nem teria mais
condições formais de ratificá-lo, ante o preceito constitucional
capitulado no artigo 8º da Constituição Federal promulgada em
outubro de 1988, que consagrou a representação sindical fincado na
unicidade e manutenção da contribuição compulsória. Ter-se-ia de
mudar essa prescrição constitucional. O que é impensável.
Claro está que os Constituintes liderados pelo
finado Ulysses Guimarães foram anfibológicos e incongruentes.
Utilizaram-se do enganoso expediente formal de desatrelar o Estado do
movimento sindical, mas mantiveram não só a unidade como a
contribuição obrigatória (que possibilitaria que o mesmo Estado
persistisse participando do rateio do bolo sindical e embolsando 20%
do seu total). Conclusão: o Estado segue dando as cartas e jogando
de mão na constituição dos sindicatos. Primeiro através de
sucessivas Instruções Normativas, como a inicial que criou o
“Cadastro Nacional das Entidades de Sindicatos”, afora outras que
se sucederam, desaguando na Portaria 186/08 que regula o registro
sindical. Em verdade, uma concessão oficial maquiada da antiga
“carta sindical”...
Assim sendo, Executivo e Legislativo são tutores
do corporativismo representado pelos interesses dos pelegos que
infestam o sindicalismo nacional, e que em troca de apoio
político-eleitoral, são credores do Estado da dádiva do dinheiro
fácil, oriundo da contribuição sindical compulsória sustentadora
de sinecuras, balcões de negócios e meio de vida. E para ficar
muito bem explicitado: não só de dirigentes de entidades de
empregados, como também de patrões.
Aliás, a não ratificação da citada Convenção
87 ou edição de ampla e saneadora reforma sindical derivam, ambas,
da velha e surrada ausência de vontade política do Legislativo e do
Executivo. Neste tema, o honroso e tão decantado jargão de um
Brasil globalizado e líder absoluto dos emergentes, que tanto
orgulha o povo brasileiro, possui pouco ou nenhum valor. Para os
donos do Poder, mais vale o atraso sindical de sete décadas. Afinal,
se sindicalismo propositivo, de vanguarda, é prioridade nacional,
ela é a menos importante do elenco das mais importantes. Então,
para que correr o risco de mudar o que rende votos nas urnas, que,
afinal de contas é o que vale a governos ávidos de perenidade de
poder?
Já provei, em meus livros e em artigos
anteriores, que o único governante que rivalizou com o Congresso
pela extinção da contribuição sindical foi Fernando Collor de
Mello. Baldados seus esforços. Foi derrotado por ele em duas
oportunidades. E de goleada!
Dos contemporâneos, Fernando Henrique Cardoso,
entrou e saiu mudo na questão sindical. Já seu sucessor, vindo do
meio, discursou, escreveu e assinou aquilo que seria a redenção
institucional, moral e ética do sindicalismo. Ledo engano. Logrou
todas as expectativas, manchando sua biografia. Sua preocupação foi
com o oposto, beneficiando exclusivamente os sindicalistas, seus
ex-colegas. Foi solícito em ampliar a reserva de mercado onde os
sindicalistas ganham a vida e sobem degraus da escada política.
Prova disso? Quase 50% dos cargos públicos e das estatais estão
ocupados pela casta.
Ora, a verdadeira liberdade sindical é a
representada no direito de trabalhadores e empregadores se
organizarem e se constituírem sem o arbítrio do Estado, tendo como
manutenção econômica uma contribuição de cunho espontâneo. Como
o estatuído na Convenção 87 da OIT.
E como se prova ao longo de décadas passadas e no
presente quanto à total aversão pela pluralidade sindical, também
é evidente o desinteresse em abdicar da contribuição impositiva em
favor das de caráter voluntário. Destarte, prevalece zero de
interesse em ratificar a tal Convenção, bem como levar a cabo uma
reforma sindical que tire o Brasil do malsinado atraso, que
envergonha os componentes da vanguarda sindical, que lutam com denodo
por transformações profiláticas e que devolvam dignidade, ética e
transparência ao sistema prevalecente, regido pelo defasado e caduco
modelo varguista.
Até um tempo não muito distante, a CUT, braço
direito do PT, recomendava de boca cheia aos sindicatos a ela
filiados para que devolvessem o dinheiro recolhido da contribuição
obrigatória aos contribuintes das entidades. Como no PT o discurso
costuma ser o antônimo da prática, deveria ser ela, a CUT, a
primeira a dar o bom exemplo, restituindo ao ministério do Trabalho
e Emprego os milhões de reais que tanto ela como as demais centrais
colegas recebem desde 2008, por nímia generosidade de Lula,
proveniente do rateio do bolo sindical. E o que é mais grave: sem
qualquer fiscalização do Tribunal de Contas da União...
Aliás, os dirigentes de todas essas centrais
também deveriam explicar não só aos trabalhadores a elas filiados,
mas à sociedade brasileira, quais são os reais valores
institucionais e de representação sindical de suas confederações
e federações (que identicamente recebem 5% e 15%, respectivamente,
do idêntico bolo sindical). Afinal, quais são, na realidade, as
funções institucionais dessas federações e confederações depois
do advento das centrais? Como tal, quais as justificativas
merecedoras da continuidade da percepção desses obesos aportes?
E em termos de política sindical, o próprio
ministério do Trabalho e Emprego virou um mero carimbo. Depois da
saída de Carlos Lupi (outro defenestrado com rótulo de quem saiu,
como todos os demais, “a pedido”) está sendo dirigido por um
burocrata de carreira. Pelo mesmo secretário-executivo, subalterno
de Lupi, que, por sua vez, ainda arvora a si o direito de participar
do processo de escolha de seu sucessor, cujos critérios,
naturalmente, estão longe de ser os qualificativos de mérito e
competência e sim os dos conhecidos critérios de divisão do
latifúndio político, tão a gosto do partido que, no passado, era
histriônica e visceralmente contrário a isso tudo que hoje, no
Poder, pratica com tanta desenvoltura...
Por fim, a indagação é extremamente recorrente:
De qual setor de atividade são originários muitos dos partícipes
do governo, instalado há 10 anos e umbilicalmente metidos no mais
escabroso período da vida republicana deste País em matéria de
corrupção e de seguidos escândalos?
É este o quadro do nosso autocrático e senil
regime sindical. Quando e quem se habilitará a reformá-lo?
Consultor
sindical patronal, autônomo e independente, autor dos livros O
sindicalismo brasileiro clama por socorro,
e S.O.S.SINDICALpt,
editados pela LTr e de palestra direcionada, além de dezenas de
artigos sob o tema sindical. Acervo em http://falvesoiveira.zip.net/
e em http://falvesoliveira.blogspot (“Por um sindicalismo patronal
melhor”). Contatos: falvesoli40@terra.com.br Facebook:
http://facebook.com/fernando.alvesdeoliveira3
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