quinta-feira, 5 de maio de 2011

O ditador da palavra

Por Thiago Beserra Gomes


Existem condutas que naturalmente sabemos que são erradas: roubar é um exemplo. Por ser uma agressão à propriedade, roubar é crime. Na sociedade contemporânea também se tornou comum acreditar que além da agressão à propriedade, o direito de se expressar deve ser limitado. Assim, expor certas opiniões também devem ser criminalizadas. É normal ouvir de alguns formadores de opinião: “sou a favor da liberdade de expressão, mas com responsabilidade”. E é nesse ponto que se encontra o problema que vou explorar no texto.

O que exatamente quer dizer “liberdade de expressão com responsabilidade?” A liberdade de expressão plena acontece quando podemos expor nossa opinião sem restrição alguma. Quando se coloca o termo responsabilidade, estamos colocando uma restrição, logo, o correto seria não falar em “liberdade”, mas em algo como “expressão com responsabilidade”. Assim, teríamos ideia que podemos nos expressar, mas estabelecidos alguns limites. Mas quando nos questionamos quem vai escolher esses limites é que nos damos conta do problema grave que existe. Algumas vezes, a restrição à liberdade vem por conta da religião (Irã, por exemplo), outras, por conta de ideologia política, como o nazismo (em qualquer lugar do mundo). Nos países ocidentais o caso da restrição por religião é motivo de crítica. Todavia, o caso do nazismo é de concordância mundial. Mas a confusão da escolha do limite da liberdade fica mais claro quando examinamos o caso do comunismo. Os países que adotaram tal ideologia assassinaram mais de 100 milhões de pessoas no século passado e mesmo assim partidos e associações comunistas existem em todo o mundo. Ou seja, existe um claro problema entre definir o que é o que não é permitido expressar. Isso acontece por diversos motivos: como os comunistas sempre foram mestres em propaganda e formação de fiéis defensores, conseguiram criar uma “legitimidade” perante à sociedade. Suas crueldades são escondidas ou defendidas porque foram cometidas em busca de um “bem maior”. Por que é importante analisar o caso comunista? Para mostrar que há falhas graves entre definir o que é “crime de expressão”. O comunismo matou várias vezes mais que o nazismo, mas é visto como a ideologia da “classe explorada”. Conluios políticos e manipulação da comunicação explicam o sucesso do comunismo nesse ponto. Concluindo o primeiro ponto do texto: o comunismo prova que regular de alguma forma a liberdade de expressão vai dar errado porque os reguladores (o governo e seus protegidos) tem interesses privados antes de se preocuparem com o “bem público”. Se aplicássemos o mesmo critério usado para proibir manifestações nazistas, partidos e associações comunistas deveriam ser ilegais.

O interesse privado do governo e seus protegidos (empresários lobistas e afins) muda com o tempo porque a própria constituição da elite governamental muda. Um partido de esquerda vai tender a aprovar leis e reprimir opiniões contrárias (assim como um partido de direita). Políticos não são confiáveis porque não buscam o “interesse público”, mas alcançar seus próprios objetivos. Então o que é “certo” expressar ou não muda de acordo com algum consenso popular (religião, por exemplo) e interesses da elite governamental. Isso não parece razoável para o bom senso; e de fato não é. Confiar a alguém o cargo de “ditador da palavra” não é só perigoso, é irracional. É crer que alguém pode agredir os direitos de se expressar livremente e que pode dizer o que é “certo” e “errado” falar. Nós geralmente não concordamos com tudo o que os outros dizem, mas tampouco (caso você não seja um criminoso) pensamos em sair socando quem expõe uma opinião contrária. Ideias ruins são combatidas com ideias boas. O nazismo foi derrotado não só no campo de batalha, mas no campo das ideias, e por isso (quase) ninguém ousa defendê-lo. Entretanto, vou supor o caso absurdo que o “ditador da palavra” é alguém incorruptível. Um ser superior que não se vende aos interesses mundanos. No mundo com esse ditador, tanto o nazismo como o comunismo seriam proibidos e o crime de se opor a qualquer religião fosse banido (entre outras “correções”). O que isso mudaria? Absolutamente nada, porque pensar que um ditador é necessário para planejar a liberdade de expressão no mundo é supor que haja um problema com a mesma. Somos donos dos nossos corpos e podemos fazer qualquer coisa com eles sem pedir permissão a ninguém. O único limite é não agredir outras pessoas (que é uma derivação lógica de dizer que “somos donos dos nossos próprios corpos”). Então não há justificativa ética para restringir a liberdade de expressão. Isso não quer dizer que somos obrigados a aceitar qualquer opinião. Assim como existe um direito absoluto de se expressar livremente, existe outro de não interagir com pessoas cujas posições achamos absurdas. Qualquer pessoa sensata tem o direito de ignorar posições racistas, por exemplo. Um racista pode ser alvo de boicote por parte da sociedade civilizada, que se recusa a manter contato até ele abandonar sua posição (como um vendedor se recusar a vender um produto para o racista). O importante para existir uma sociedade avançada é que a liberdade seja preservada, e qualquer aventureiro que se candidate a ditador da nossa opinião seja banido.

Como Voltaire falou brilhantemente: “posso não concordar com nenhuma das palavras que você diz, mas defenderei até a morte seu direito de dizê-las”. Mesmo quando concordo que uma posição seja absurda (criticar homossexuais por serem homossexuais), não defendo que ela seja criminalizada (como um recente projeto de lei pretende). Procuro extinguir ideias ruins mostrando as boas ideias. O ideal é sermos contra qualquer tentativa de reprimir a nossa liberdade de expressão, pois, mesmo que hoje nós concordemos atualmente com alguma restrição, amanhã poderemos ser alvo dela.

Thiago Beserra Gomes – UFPE – thiagoeconomics@gmail.com

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