terça-feira, 31 de março de 2015

A privatização da agricultura chinesa

Por e

agricultura chinesa

A experiência chinesa sempre desperta interesse especial, pelo tamanho do país, suas tradições, seu particularíssimo estilo de fazer as coisas… Enquanto a China continental continua tentando conciliar alguma liberdade econômica com tirania política, as três pequenas Chinas, que são Formosa, Hong Kong e Cingapura, se encarregam de mostrar de maneira convincente a capacidade que têm a liberdade econômica e os direitos de propriedade de gerar o progresso material. Tão insinuante lição tem sido parcialmente aproveitada pela China comunista, que há anos e pacientemente vem testando a economia de mercado nas províncias situadas num arco geográfico de 700 km, no extremo sul do país. Os resultados têm sido espetaculares, com taxas anuais de crescimento que chegam a superar os 12%! Mesmo assim a experiência continua restrita a essas poucas províncias.
Não se sabe por quanto tempo ainda os comunistas chineses serão capazes de manter esse hibridismo organizacional que associa a tirania política com a germinação bem-sucedida de umas poucas sementes de liberdade econômica. Mas há um fenômeno em ação no país, de enormes proporções e capaz de apressar a revisão, pelo governo da China, do seu cada vez mais precário socialismo marxista.

Esse novo fenômeno é a completa privatização de fato que vem ocorrendo no campo, onde praticamente já não existe propriedade pública nem coletiva. A nova revolução agrária chinesa mexe com números gigantescos. Estamos falando de uma população total de quase 1 bilhão e 300 milhões de habitantes, dos quais 80 % (!), isto é, mais de um 1 bilhão, estão no campo e são hoje donos do pedaço de terra que cultivam para seu sustento e do resto do país.

Os comunistas vêm tentando tapar o sol com a peneira, mas é imperioso reconhecer a dificuldade enorme de conciliar a força da evidência rural chinesa com qualquer tentativa de racionalização baseada numa “teoria” marxista suficientemente engenhosa para manter o status quo. E essa dificuldade se impõe a despeito da aparente disposição que os chineses têm demonstrado para aceitar racionalizações políticas desse tipo.

Há um fator na equação econômica chinesa que poderá abreviar a extensão do processo de privatização às áreas urbanas, criando dessa maneira forte pressão a favor de uma economia de mercado. Esse fator que, no caso, operaria como força conspiradora, é o processo de modernização da agricultura, que universalmente se baseia em ganhos de produtividade e progressiva liberação de mão de obra rural, um contingente de trabalho que acaba buscando sua sobrevivência na zona urbana.

No caso chinês, esse movimento migratório pode ter proporções dramática por dois fatos: diferentemente da história econômica do longínquo passado, quando esse processo ocorria lentamente, em função da lenta evolução da tecnologia agrícola, e as cidades iam podendo paulatinamente deglutir suas adições demográficas, hoje são teoricamente concebíveis verdadeiros saltos tecnológicos. Se eles ocorrerem, produzirão na China êxodos e avalanches demográficos, pois estamos falando de milhões de pessoas em movimento. Não haverá provavelmente racionalização política, hipocrisia social consentida nem quaisquer outros “panos quentes” que solucionem o problema, a não ser uma ampla abertura econômica, capaz de dar à economia urbana a vitalidade e a flexibilidade de que necessitará para absorver números enormes de pessoas em muito pouco tempo.

O único país que até hoje se mostrou capaz de metabolizar grandes números de imigrantes é o EUA, graças às suas dimensões geográficas, mas sobretudo à sua capacidade de assegurar a liberdade econômica e a eficácia dos direitos de propriedade. A China provavelmente terá que lidar com números muitíssimo maiores e muito menos tempo, sem dispor, como dispunham os EUA, de instituições jurídicas e regras gerais adequadas para lidar com esse tipo de problema.
Até agora o governo comunista tem conseguido, com ajuda da sorte, manter em vigência um hibridismo organizacional que se torna cada vez mais precário, em função da tendência modernizadora da agricultura chinesa que tenderá a exigir, como contrapartida, a abertura econômica modernizadora das cidades.

Artigo retirado do livro de crônicas Og Leme, um liberal, editado pelo Instituto Liberal em 2011 e à venda em nossa livraria por R$ 10,00 (frete não incluso). Adquira essa e outras obras e colabore com o trabalho do IL.
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Sobre o autor

Og Leme
Og Leme foi um dos fundadores do Instituto Liberal, permanecendo por décadas como lastro intelectual da instituição. Com formação acadêmica em Ciências Sociais, Direito e Economia, chegou a fazer doutorado pela Universidade de Chicago, quando foi aluno de notáveis como Milton Friedman e Frank Knight. Em sua carreira, foi professor da FGV, trabalhou como economista da ONU e participou da Assessoria Econômica do Ministro Roberto Campos. O didatismo e a simplicidade de Og na exposição de ideias atraíam e fascinavam estudantes, intelectuais, empresários, militares, juristas, professores e jornalistas. Faleceu em 2004, aos 81 anos, deixando um imenso legado ao movimento liberal brasileiro.
Matéria extraída do website do Instituto Liberal

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