Por Klauber Cristofen Pires
Este artigo pretende fazer uma análise do texto[i] intitulado “Pontos sobre a Previdência Social (I)”, da lavra do Dr Paulo Kliass[ii], articulista do site “Carta Maior. A abordagem que adotarei será primeiramente a de destacar os seus principais argumentos e dados, oferecendo ao leitor a cada assunto os questionamentos ou refutações devidas, bem como os números das fontes que coletei com o justo fim de validar (ou não) os “pontos” do autor.
De antemão, a apresentação das contas da Previdência Social é um tanto complexa, senão confusa mesmo, cuja plêiade de rubricas propicia enormemente o favorecimento da parcialidade do discurso dos seus defensores, que passam a selecionar estas e aquelas receitas e despesas como válidas para os seus argumentos. Pasmem os leitores, mas os mesmíssimos balanços apresentados pela Previdência Social apresentam distorções de um ano para outro, ao se referirem aos mesmos anos!
Portanto, tanto quanto possível, dos relatórios e balanços a serem apresentados, tomei a minha própria posição de extrair deles as informações que segundo um mínimo de entendimento possam responder às seguintes questões: 1 – A Previdência Social brasileira é auto-sustentável? 2 – Quanto a Previdência Social tem consumido de recursos externos (Tesouro) para se manter?
Por fim, apresentarei um contraponto teórico entre a proposta pública e a privada, e tentarei, verificar se estas se aplicam às situações concretas existentes atualmente, malgrado nem sempre estas ajustem-se perfeitamente, já que mesmo os sistemas de previdência privada existentes atualmente são fortemente regulados por seus respectivos governos.
O Dr Paulo Kliass inicia sua introdução levantando a questão sobre dois temas complicados, quais sejam, as reformas tributária e previdenciária, para então nos parágrafos seguintes concentrar-se nesta última. Segundo seu entendimento, a dificuldade com que certos temas não tenham conseguido ter sido ser aprovados em legislaturas anteriores faz com que certos lobbies se movimentem em torno de alguma estratégia para que voltem a ser apreciados. Concordo, pelo menos parcialmente. A atuação de lobbies, ao meu ver, perturba o processo legislativo e lança dúvidas sobre a isenção dos congressistas. Ressalto, entretanto, que também os há para aumentar os impostos e os benefícios a cargo do estado[iii], e que estes, afinal, têm sido muito mais bem sucedidos nos últimos anos. Entretanto, não tenho de pronto uma solução para isto (os lobbies), a não ser aquela em que tenho defendido um mínimo de atribuições ao estado.
A seguir, nota-se um tropeço em na redação, neste trecho “O discurso começa de forma ampla e genérica, na linha do “nosso País necessita reformas estruturais urgentes que estrangulam a capacidade de desenvolvimento” e por aí vai.” Talvez ele quisesse escrever algo assim: “...reformas estruturais urgentes (sobre áreas ou leis) que estrangulam a capacidade...”. Há quem aprecie muito se apegar com preciosidade sobre falhas desta natureza como triunfos. A não ser quando a contumácia revela do meu interlocutor um indício flagrante de ignorância generalizada, eu evito tais comentários, tendo a registrado aqui apenas para evitar uma possível compreensão equivocada.
Todavia, no mesmo parágrafo, o articulista faz uma defesa bastante retórica de sua visão de mundo esquerdista. Reparem no tom, seguido dos meus comentários:
Em tese, por exemplo, ninguém se coloca contra uma reforma tributária. A questão se torna mais complicada, porém, quando começam os debates a respeito de qual o tipo de alteração que se pretende implementar. Adotar um sistema tributário menos desigual, com maior progressividade, de maneira a fazer com que o capital e os setores que obtêm mais renda e patrimônio paguem o que deveriam? Não, não! Os interesses que vão por aqui se orientam pelo discurso pretensamente liberal da nossa suposta carga tributária excessiva e coisa e tal. As propostas se resumem à redução de impostos. Se faltarem recursos orçamentários para cumprir as obrigações previstas na Constituição e as urgentes necessidades da maioria da população, paciência. Reduza-se o tamanho do Estado e a solução está dada.
Concordo com o Dr Kliass que não é nada fácil discutir num Congresso uma reforma tributária. Discordo, no entanto, quando ele põe de antemão a sua posição como a apodicticamente correta e moralmente inatacável, em oposição às propostas alheias, que só servem a “interesses”, como se a que ele se alinha também não servisse aos dos defensores dos aumentos de impostos. Ademais, se o articulista vê as suas posições socialistas como mais louváveis ou acertadas, pouco lhe custaria, como um doutor que é, justificá-las, mesmo que, dado o espaço reservado de que dispõe, o tivesse de fazer de forma bastante sintética, ao invés de apelar para a pobre chantagem emocional. Por exemplo, ele poderia usar umas poucas palavras para defender por que propõe um aumento da progressividade e porque entende que “o capital e os setores que obtêm mais renda e patrimônio paguem o que deveriam”. Em tempo: Quanto e a quem eles estão devendo, Dr Kliass?
Em face da sua falta, eu ponho os motivos de quem opta por uma menor carga tributária: esta discussão não se situa no plano de prover ou não o estado com recursos para que ele cumpra estas ou aquelas atribuições que a Constituição ou as leis lhe conferirem. Significa, sim, decidir quem será o administrador destes recursos, se a pessoa que a gerou com o seu trabalho, ou o estado. Significa também discutirmos se devemos ser uma autêntica federação ou um estado unitário, de acordo com o princípio da subsidiariedade, ou se o estado deve ditar como devemos levar nossas vidas, já que a União atualmente concentra mais de 80% de toda a arrecadação tributária.
Além disso, ao expropriar o cidadão, o estado retira-lhe simultaneamente todas as oportunidades de dar-lhe um outro destino que ele mesmo julgaria ser mais urgente e necessário, e isto poderia se refletir, por exemplo, na negativa desta pessoa em autorizar a construção de prédios públicos suntuosos, dispendiosos patrocínios a projetos culturais de relevância duvidosa, aviões nababescamente luxuosos, milionárias propagandas eleitorais, milhares de DAS criados com finalidades meramente políticas e assim por diante, o que revela de pronto que o estado historicamente pouco tem se importado com as “urgentes necessidades da maioria da população”, assim como do dinheiro que facilmente toma de quem deixa de comprar um iogurte ou uma roupa para seu filho para pagar tributos. Afinal, tanto dinheiro desperdiçado desta forma poderia gerar riqueza e empregos produtivos e economicamente sustentáveis.
Continuando, a exposição vai tomando o rumo para o assunto das contas previdenciárias, iniciando-se por um prólogo que pretende denunciar o que seria um disseminado engodo, nos seguintes termos:
“Com a questão previdenciária ocorre algo semelhante. Vira e mexe os meios de comunicação começam a ser municiados com números e análises catastrofistas a respeito da situação das nossas contas previdenciárias. E assim vieram as reformas previdenciárias de Fernando Henrique Cardoso em 1998 e de Lula em 2003, por meio de emendas à Constituição Federal.
Isso sem contar a outra maldade do famigerado fator previdenciário, criado por FHC em 1999 e cuja lei foi considerada “imexível” desde então, inclusive pelos governos do PT. O discurso mentiroso e alarmista joga com números que assustam, buscando criar o falso consenso de que o modelo do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) estaria falido e seria insustentável para o País.”
Aqui parece que a lógica elementar foi trancada num armário do sótão e as chaves jogadas no vaso sanitário com a descarga dada. Peço que o leitor preste atenção especialmente ao afirmado na última frase acima, pois mais adiante farei bom uso dela. Em todo caso, se eram de fato improcedentes as notícias amplamente divulgadas pela imprensa sobre a insolubilidade das contas previdenciárias, por quê se fizeram necessárias todas estas reformas? E por quê a Sra presidente Dilma Roussef – sim, a terceira mandatária petista - já se pronunciou sobre a possível alteração das idades mínimas para aposentadoria?
Alguns parágrafos seguintes buscam explicar as diferenças entre os regimes de repartição e de capitalização, lançando feroz verborragia sobre o segundo, para desqualificar os países que o adotaram “naqueles tristes tempos da violência ideológica do neoliberalismo”, como o Chile, a Argentina e a Inglaterra, os quais, de acordo com o autor, depois se arrependeram amargamente da aventura. Além disso, apontam as “manobras da turma das finanças”, no sentido de desconstruir a credibilidade do regime e com isto, “comendo pelas beiradas”, seguir implementando gradativamente os regimes de previdência complementar, como que “numa guerra de guerrilhas”, tudo para aplicar este dinheiro “na ciranda financeira”, este que financia o setor produtivo e nos provê de roupas, comida, teto, remédios, e coisas assim, e bem, que paga os salários...
Incrível mesmo é a pirueta da inversão do discurso, que atribui à turma do “olho gordo” do mercado financeiro a responsabilidade pelo estelionato perpetrado pelo governo, justamente por conta de sua óbvia insolvência: “Outro detalhe que amplia ainda as opções de negócios desse ramo é a contenção do teto-limite dos benefícios do INSS – que deveria ser de 10 salários mínimos – R$ 5.100, mas na prática não passa de pouco mais de R$ 3.700.” Dá para imaginar o quanto maior seria o rombo se o INSS realmente pagasse o teto de R$ 5.100,00?
Mais uma vez, talvez vítima da empolgação, o autor tropeça no uso culto da língua. Será que ele deseja atingir o povão com espasmos de eloquência lulista? Olhem só:
Vai lá, corre, ataca, tenta fazer um belo estrago e volta correndinho prá trincheira. Se não há espaço político para defender abertamente a privatização do modelo, imaginam, ao menos tentemos reduzir sua credibilidade e vamos continuar comendo pelas beiradinhas.
Tudo bem, entendo que o articulista fez um esforço literário para emular uma linguagem coloquial, mas mesmo assim, aquele “prá”, sejamos sinceros, é de lascar! Além disso, o “correndinho” poderia vir entre aspas, bem como a expressão que cita como seria a imaginação de quem se fala, sob pena de induzir o leitor a confundir-se sobre quem realmente está a tentar reduzir a credibilidade e continuar a comer pelas beiradinhas...
Vamos, contudo, ao ponto crucial do artigo: valendo-se de um estudo intitulado “Análise da Implementação e Alcance do programa Salário-Família[iv]”, Volume 23, datado de janeiro de 2011, de autoria de Leonardo José Rolim Guimarães, Secretário de Políticas de Previdência Social/SPS/MPS, o Dr. Kliass procura defender que o Regime Geral de Previdência Social - RGPS é superavitário, pelo menos em sua fórmula original, tendo inclusive as contas dos trabalhadores urbanos conquistado um resultado positivo de R$ 8 bilhões durante o ano de 2010. De acordo com o autor do texto e ainda baseado no estudo apresentado, o que faz a Previdência Social “parecer” deficitária é a conta dos trabalhadores rurais, já que o governo ordenou ao INSS pagar os benefícios previdenciários a milhares de trabalhadores rurais, importando no exercício passado em um saldo negativo de R$ 52 bilhões de reais, sem que tenha transferido àquela autarquia o aporte hipotético das contribuições dos referidos trabalhadores ao longo de suas vidas produtivas, o que serviria para garantir o equilíbrio atuarial do sistema. Em outras palavras, o que se defende é que o governo deveria “fazer de conta” que de fato eles contribuíram.
Entretanto, alguns dados não encaixam. No momento em que escrevi esta análise, a Previdência Social ainda não havia publicado o balanço completo do exercício de 2010, mas em seu site já estavam à disposição do internauta o balanço parcial (1º semestre de 2010) e os balanços completos dos exercícios anteriores[v].
Conforme as informações, que aliás são oriundas das mesmas fontes e utilizam – presumo, as mesmas rubricas – o 1º semestre de 2010 teve um resultado negativo de R$ 1.539 bilhões de reais para a conta dos trabalhadores urbanos. Assim sendo, para que o ano inteiro pudesse resultar em R$ 7.704,9 bilhões de saldo positivo, o segundo semestre deveria ter galgado uma miraculosa virada da ordem de R$ 9.243,9 bilhões! Destarte, ainda para as contas de trabalhadores urbanos, os balanços fornecidos pela Previdência Social indicam sucessivos saldos em vermelho, a seguir (em bilhões de reais)[vi] : 2009: (- 2.734); 2008: (- 1497); 2007: (- 14.306); 2006: (-15.398); 2005: (-14.890); 2004: (-13.030); 2003: (-9.877); e 2002: (-2705). Pois então, com os dados históricos em mãos até o 1º semestre de 2010 a apontar sucessivos buracos, é de se acreditar que tão extraordinária reviravolta realmente tenha acontecido? Mais: ainda que de fato tenha ocorrido, não seria prudente a um doutor em Economia confrontar o último magistral resultado com todo o histórico anterior, ao invés de usá-lo isoladamente para com base só nele pretender apresentá-lo como prova insofismável do equilíbrio do RGPS? Afinal, ele poderia representar apenas algum fato isolado...
Prudencialmente, fui buscar o fluxo de caixa da Previdência Social no site do Banco central do Brasil, que apresento abaixo. Embora não faça a distinção entre urbanos e rurais, a tabela mostra amplamente seguidos e desabonadores saldos em vermelho. De 2004 a 2010, o rombo, em R$ bilhões, foi respectivamente de (-45.191); (-50.440); (-55.494); (-56.293); (-40.982); (-47.513); e (-45.399). Descontando as transferências da União, o confronto entre arrecadação e despesas gerou os seguintes déficits, em R$ bilhões: (-58.943); (-59.729); (-87.734); (-84.072); (-69.669); (-76.941); e (-83.405), gerando uma cratera acumulada de 520.493 bilhões de reais!
| | | | | | | | | | | | R$ milhões1/ | ||
Fim | | Receitas | | | | Despesas | | | | Saldo | Saldo | |||
de | | | | | | | | | | | | opera- | previden- | |
período | Arreca- | Outras | Ante- | Transfe- | Total | Benefícios | Outras | Transfe- | Total | cional | ciário7/ | |||
| | dação2/ | recei- | cipação | rências | | | | despe- | rências | | | | |
| | | tas3/ | Recei- | da União4/ | | Previden- | Não-previ- | sas5/ | a tercei- | | | | |
| | | | tas-TN | | | ciários | denciários | | ros6/ | | | | |
| | (a) | (b) | (c) | (d) | (e=a+b+c+d) | (f) | (g) | (h) | (i) | (j=f+g+h+i) | (k=e-j) | | |
2004 | | 143 375 | 3 620 | 8 858 | 70 393 | 226 245 | 178 089 | 11 593 | 14 637 | 10 476 | 214 795 | 11 451 | -45 191 | |
2005 | | 155 624 | 1 184 | 14 060 | 60 955 | 231 823 | 195 963 | 13 425 | 11 109 | 10 101 | 230 597 | 1 226 | -50 440 | |
2006 | | 175 213 | 1 816 | -531 | 89 383 | 265 881 | 218 184 | 16 259 | 17 265 | 12 524 | 264 232 | 1 649 | -55 494 | |
2007 | | 192 479 | -387 | 1 762 | 77 544 | 271 399 | 231 985 | 18 804 | 10 350 | 16 787 | 277 927 | -6 528 | -56 293 | |
2008 | | 202 753 | 4 369 | -3 366 | 70 991 | 274 747 | 224 907 | 19 236 | 10 454 | 18 828 | 273 425 | 1 322 | -40 982 | |
2009 | | 222 107 | -39 | 3 375 | 77 434 | 302 876 | 249 408 | 22 163 | 10 600 | 20 212 | 302 383 | 493 | -47 513 | |
2010 | | 244 369 | 109 | - 532 | 84 798 | 328 744 | 267 159 | 24 463 | 13 515 | 22 214 | 327 351 | 1 393 | -45 399 | |
Variação % | | | | | | | | | | | | | ||
2010/2009 | 10,0 | - 378,7 | -115,8 | 9,5 | 8,5 | 7,1 | 10,4 | 27,5 | 9,9 | 8,3 | 60,5 | -4,4 | ||
Fonte: Ministério da Previdência e Assistência Social | ||||||||||||||
1/ A preços do último mês (IGP-DI). | ||||||||||||||
2/ Inclui: arrecadação bancária, Simples, depósitos judiciais e restituições de arrecadação. | ||||||||||||||
3/ Inclui: rendimentos financeiros e outros recebimentos próprios. | ||||||||||||||
4/ Referem-se a receitas da Cofins e da Contribuição sobre o lucro líquido | ||||||||||||||
5/ Inclui: pessoal e custeio. | ||||||||||||||
6/ Inclui: Transferências para o Sesi, Senac e Senai. | ||||||||||||||
7/ Inclui: arrecadação bancária + Simples + depósitos judiciais - transferências a terceiros - restituições de arrecadação - benefícios previdenciários. | ||||||||||||||
Ainda assim, o debate sobre a previdência Social ainda não está completo. Não sei por qual motivo o autor do texto omitiu o rombo com as aposentadorias dos servidores públicos, este sim muito mais grave do que o do RGPS. De acordo com o Professor Ricardo Bergamini, Doutor em Economia, com base nos dados fornecidos pelo Ministério da Fazenda, ele assim se expõe sobre o resultado das aposentadorias do serviço público[vii]:
“Em 2010 a receita previdenciária pelo Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) das contribuições dos 1.215.939 servidores ativos do governo federal (872.369 civis e 343.570 militares), com salário médio mensal de R$ 7.044,10, foi de R$ 22,7 bilhões (0,65% do PIB). A despesa previdenciária dos benefícios dos 992.657 servidores aposentados e pensionistas (707.957 civis e 284.700 militares), com salário médio de mensal de R$ 6.757,60, foi de R$ 80,5 bilhões (2,30% do PIB), fazendo com que o resultado previdenciário tenha sido negativo em R$ 57,8 bilhões (1,65% do PIB).”
Então vejamos: temos 57,8 bilhões de déficit no RPPS, que somado ao déficit de 83,4 bilhões conforme o fluxo de caixa acima apresentado, resulta em uma formidável falta de cobertura da ordem de 141,2 bilhões de reais! Onde está o equilíbrio do sistema previdenciário brasileiro, Dr Kliass?
Regime de Repartição X Regime de Capitalização
Afirma o articulista da Carta Maior que o Chile, a Argentina e a Inglaterra arrependem-se amargamente de terem optado pelo regime privado de previdência. Disto ele fala sem dizer o motivo nem explicar fatos que corroborem a sua afirmação, em confronto com os países que adotam regimes públicos de previdência social.
Sempre em minha vida tomei o cuidado de perceber que praticamente tudo o que é obrigatório não é lá coisa muito boa. Por acaso, eu sou obrigado a jantar gratuitamente em um restaurante fino, ou a ganhar o prêmio acumulado da Megasena? Obviamente que não, mas sim, sou obrigado a pagar impostos e a recolher para a Previdência Social, bem como a alistar-me para o serviço militar, e também a votar. Se todas estas coisas fossem boas, haveria a necessidade de serem compulsórias?
A grande diferença entre o sistema de repartição e o de capitalização é que o primeiro consiste em uma fórmula de consumo e despesa, enquanto o outro, em poupança e investimento. Grandes conseqüências surgem da diferença entre ambos.
No sistema de repartição, parte do produto do trabalho da população ativa é transferida dela para os aposentados. Isto, além de empobrecer imediatamente a primeira parcela, tende a gerar inflação, na medida em que os aposentados passam a competir pelos bens e serviços postos à disposição no mercado.
Quanto a este aspecto, bastante diferente é o sistema de capitalização, pois é o próprio indivíduo quem adia o consumo imediato para direcioná-lo para o investimento. Fazendo isto, ele deflaciona os bens e serviços atuais e ajuda a produzir mais deles para o futuro. Sua poupança gera riqueza e empregos com salários cada vez mais altos. Não foi à toa, portanto, que o Chile tem mantido altas taxas de desenvolvimento desde que optou pelo sistema de previdência privada (de capitalização).
A alegação de que há pessoas que não têm conseguido reservar recursos para contribuir com a sua previdência privada naquele país vai perdendo o sentido quando observamos o quanto este tem se desenvolvido e desta forma incluído progressivamente uma fatia maior da parte mais pobre da população no mercado de trabalho. Conseqüentemente, muito embora o governo chileno também complemente ou pague as aposentadorias das pessoas mais pobres, a tendência é de que, com o passar do tempo, uma menor e menor parcela da sociedade há de demandar por tal assistência. Afinal, o sistema deles atualmente conta com pouco mais de vinte anos.
Outro aspecto a ser comentado quanto aos críticos dos regimes de capitalização relaciona-se com a denúncia de que os administradores destes fundos vêm cobrando taxas muito altas. Talvez isto possa ser verdade, conquanto estas empresas tenham garantido a solvência dos seus balanços, de forma que as parcelas pagas pelos seus clientes sustentam completamente o sistema. No caso brasileiro, conforme a tabela de fluxo de caixa acima, o custeio em 2010 representou algo como 5,5% da arrecadação, embora eu desconfie que esta quantia careça de exatidão, haja vista que aparentemente não esteja a computar os bens imóveis e móveis da Previdência Social, nem as aposentadorias dos servidores previdenciários, bem como ainda outras despesas realizadas por outros órgãos com finalidades previdenciárias.
Em todo caso, o mercado livre tem a oferecer saídas para os cidadãos muito mais amplas do que o estanque pensamento burocrático socialista há de imaginar. Há quem decida passar a vida investindo em imóveis para aluguel, por exemplo, ou mesmo quem invista em seu futuro adquirindo ações na “ciranda financeira”, tal como acontece principalmente com os trabalhadores japoneses. Isto explica porque nem todos os cidadãos chilenos com renda suficiente para contratar um plano de aposentadoria têm optado estritamente por esta opção. Todavia, isto é algo para se reclamar?
Em uma novela televisiva, o ator Flavio Miggliaccio desempenhava um papel de um aposentado à eterna espera da revisão de sua aposentadoria, segundo o próprio, injustamente apurada pelo INSS. Em suas cenas, constantemente bradava “- Eles querem me ver morto!”. Não imaginava (ou talvez sim) o quanto sua eloqüente queixa tinha sentido. De fato, no regime de repartição, o aposentado é um problema, sobretudo em um momento em que a população inativa tende a sobrepujar a dos que estão a contribuir. Vem bem a calhar, oportunamente, que a maioria da população beneficiária do INSS seja a mesma cliente dos serviços de saúde pública. Neste caso, uma “controladazinha” na demanda pode ser uma medida contabilmente muito providencial.
Conclusão: o Dr Kliass parece ter se apegado a um único dado – o balanço de 2010 – que aliás, faz parte de um estudo com outra finalidade, para tentar demonstrar com isto o equilíbrio do sistema previdenciário brasileiro, embora uma ampla série histórica esteja flagrantemente a apontar o contrário. Não hei de pronto a negar a veracidade das informações por ele usadas, mas os indícios mais robustos sugerem que alguma cautela evitaria precipitações; afinal, contar com uma virada de quase 10 bi logo no último semestre de 2010, justamente a época das campanhas eleitorais, parece um tanto temerário. Além disso, olvidou o grave caso das aposentadorias dos servidores públicos civis e militares, que oras, todos pagamos com dinheiro de impostos, e muito, a sufocar a atividade produtiva, esta sim o verdadeiro vetor de inclusão social.
[i] http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=4998
[ii] Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.
[iii] Como de há muito já tenho esclarecido, escrevo “estado” com a inicial minúscula.
[vi] De ano para ano, cada balanço traz disparidades em relação aos mesmos anos anteriores, o que gera ainda mais descrédito com relação aos dados. Desta forma, optei por utilizar os seguintes saldos: balanço de 2009, usei os dados de 2009, 2008 e 2007; no balanço de 2007 utilizei os dados de 2006, 2005 e 2004; no balanço de 2005, utilizei os dados de 2003, e no balanço de 2004, utilizei os dados de 2002. Desprezei os balanços anteriores e dados anteriores.
[vii] http://www.ricardobergamini.com.br/ee/psui/2010.html. Na tabela apresentada pelo Professor Ricardo Bergamini o déficit do RGPS está na ordem de 33,6 bilhões, mais uma vez díspare com os números até então encontrados, de forma que arbitrariamente mantive os dados do fluxo de caixa apresentado pelo Banco Central do Brasil.
Muito bom.Excelente!
ResponderExcluirabraços