A Petrobras não é mais caso de privatização, mas de desmonte
De acordo com nova pesquisa feita pelo DataFolha, o mesmo instituto que disse que Marina Silva iria para o segundo turno nas eleições de 2014 e que só tinham 210 mil cidadãos na Av. Paulista no último 15/03, mesmo com a cabal comprovação do saqueamento da Petrobras e com o preço do litro da gasolina já beirando os 4 reais no Rio de Janeiro, ainda assim cerca de 61% dos brasileiros são contra a privatização da Petrobras, contra 24% a seu favor e um contingente de indecisos. A se considerarem corretos os números do instituto que, convenhamos, goza de pouca credibilidade junto à opinião pública brasileira no momento, seria algo de estarrecedor que o brasileiro médio persista em um modelo fadado à ineficiência e corrupção.
Agora vamos ignorar esses números por um tempo e partir do pressuposto que o brasileiro médio aprendeu com os erros e quer privatizar a Petrobras. Após algum tempo refletindo sobre isso, a conclusão que cheguei é que, mesmo que as condições políticas necessárias para a privatização ocorressem, ela seria de dificílima realização, e caso ocorresse, provavelmente se daria em moldes amplamente desfavoráveis aos brasileiros.
A Petrobras hoje é a empresa mais endividada do mundo. Com a alta do dólar e parte de sua dívida vinculada a essa moeda, estima-se que a empresa hoje esteja devendo aproximadamente 400 bilhões de reais. Com a não expedição do seu balanço, pois essa publicação necessariamente contabilizará os prejuízos de diversos desvios comprovados pela Operação Lava-Jato, é possível que metade dessa dívida venha a precisar ser paga nos próximos meses, já que a Petrobras não tem mercado para se refinanciar, por motivos óbvios. E uma condenação em um processo que está correndo numa corte de justiça dos EUA pode adicionar uma conta bilionária, mais precisamente 20 bilhões de dólares, aos já combalidos cofres da estatal.
Por outro lado, uma recapitalização da Petrobras pelo Governo, via BNDES, seria provavelmente o maior escândalo financeiro da história do banco, pois não há garantias financeiras suficientes para que a Petrobras atinja o rating necessário que autorize essa operação, o que caracterizaria totalmente o viés político de tal medida, abrindo definitivamente o caminho para uma total estatização da empresa e sua saída do mercado financeiro. Além disso, esse dinheiro sairia dos cofres públicos, o que acabaria com qualquer discurso em prol da austeridade e responsabilidade fiscal, na prática engavetando os ajustes fiscais propostos pelo Governo por falta de viabilidade política, afinal, os deputados do PMDB jamais votariam uma MP acabando com direitos trabalhistas enquanto o dinheiro que poderia bancar esses direitos estivesse sendo canalizado para a estatal.
Se isso não fosse o suficiente, o péssimo regime de partilha impõe à Petrobras a realização de grandes investimentos no pré-sal, que cada vez mais se mostra economicamente inviável, e a falta de recursos da empresa pode simplesmente parar a produção do bem.
A empresa está em estado de calamidade. E nesse estado de calamidade, nenhum investidor racionalmente compraria uma bomba como a Petrobras. Seria literalmente comprar dívida impagável. Uma OGX ainda mais inchada e endividada. Privatizar a Petrobras, vendendo suas ações, seria como vender uma maçã podre. Em um sistema de verdadeiro livre-mercado, a Petrobras não teria valor de mercado e seria mais simples falir e desmontar a empresa (se isso fosse possível pela legislação brasileira), do que tentar vendê-la como um pacote endividado.
Esse raciocínio só não se aplica na realidade prática por um motivo: as prerrogativas institucionais da Petrobras e a falta de livre-mercado no setor.
Embora formalmente já não haja monopólio na exploração do petróleo no Brasil (desde 1997), a Agência Nacional do Petróleo (ANP), através de regulações e direcionamento de mercado, manteve a Petrobras protegida da concorrência e, de certa forma, ditando a exploração, refino e distribuição de petróleo e derivados. O regime de partilha agravou esse cenário, quando no mínimo 30% das joint-ventures que explorassem novos poços de petróleo deveriam pertencer à Petrobras. Essas prerrogativas institucionais, com suas múltiplas concessões, benefícios e proteções, fruto de seu forte relacionamento com o Governo, é que fazem a Petrobras ainda possuir algum valor de mercado.
Para que a venda da Petrobras tenha relevante valor econômico, tais prerrogativas teriam de subsistir à sua privatização, gerando ainda as péssimas distorções de mercado que sempre criticamos, mas agora não diretamente pelo Governo, e sim indiretamente, através de um conluio entre Governo e empresários que assumissem a gestão da Petrobras. Em suma, é trocar gestão “socialista” (estatal) por gestão “fascista” (arranjo entre Estado e grupos empresariais oligopolistas).
Em termos relativos, é uma troca levemente melhor? Talvez, afinal, no arranjo fascista aumentam um pouco mais os elementos de mercado em relação ao arranjo socialista/estatal. Mas não é uma boa troca em termos absolutos, pois se perde a oportunidade de realmente se instituir um sistema livre e concorrencial que beneficia a nós, consumidores, e ainda aumenta a produtividade e eficiência no lado da oferta.
Até para que se drible a insatisfação popular em torno de uma privatização da Petrobras, que se faça um grande esforço em prol da completa desregulamentação do setor de petróleo, com o fim da ANP e instituição de reais direitos de propriedade sobre a exploração dos bens. Pondo a Petrobras para competir em verdadeira igualdade com empresas petrolíferas privadas, sem nenhum tipo de favorecimento estatal a ninguém, não tenho a menor dúvida que a ineficiência e o abuso econômico da Petrobras sobre o povo brasileiro seriam expostos de tal maneira que rapidamente a população se revoltaria e exigiria a sua venda ao setor privado, seja por que preço fosse.
Partir da desestatização do setor com a posterior privatização da Petrobras é um caminho política e economicamente mais prudente que privatizar primeiro e tentar desestatizar depois. Se tem uma coisa que o Governo brasileiro nos ensinou é que uma vez criado o mercado regulado de um setor, o Governo nunca mais solta suas garras dele.
Ou o Governo libera o setor, ou o Brasil afundará em uma crise petrolífera e energética sem precedentes, mesmo repousando em cima de bilhões de barris e com o preço internacional em baixíssimo patamar. E o povo brasileiro, bovinamente, continuará pagando essa conta descabida.
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