por Antony Mueller
Todos os caminhos keynesianos levam à estagflação. Foi assim na Europa e nos EUA na década de 1970, quando tanto a estagnação econômica quanto a inflação de preços atingiram suas economias ao mesmo tempo. Atualmente, esse é o caso do Brasil.
Desde que chegou ao poder, em 2003, o governo trabalhista brasileiro se dedicou, religiosamente, a implantar a doutrina econômica do "crescimento por meio do consumismo". Atualmente, o país vive as inevitáveis consequências dessa política simplista, que culminou em endividamento recorde da população, acentuada desvalorização cambial, estagnação econômica e inflação de preços em ascensão.
Todos os indicadores econômicos já estão piscando uma luz vermelha: do crescimento econômico à taxa de câmbio, passando pela inflação de preços, pela produtividade, pelo investimento e pela produção industrial (que encolhe há 11 meses). A confiança do empresariado está no menor nível da série histórica. Já a confiança do consumidor é a pior em 10 anos.
Expansões e bolhas, ao estilo brasileiro
Mais uma vez, as políticas keynesianas levaram à estagflação. A realidade finalmente se impôs. A ilusão da riqueza fácil foi despedaçada. O arsenal keynesiano, que parecia tão eficiente em criar milagres, se tornou impotente.
A equipe econômica da Fazenda e do Banco Central não tem a mais mínima noção do que fazer. Os pronunciamentos de seus integrantes são divergentes e desencontrados.
Pudera: na prática, eles desconhecem qualquer outra doutrina econômica que não seja aquela de estimular a economia pelo consumo das famílias e pelos gastos do governo.
No entanto, com o endividamento das famílias em níveis recordes, com os cofres do governo vazios e com a inflação de preços em alta, as políticas de expansão do crédito e déficits orçamentários do governo se exauriram.
As condições externas favoráveis, como o forte crescimento da China e a alta demanda por commodities, beneficiaram a economia brasileira durante a presidência de Luiz Inácio Lula da Silva. Esses fatores externos em conjunto com maciços estímulos internos aceleraram o crescimento econômico. No entanto, com o fim do boom das commodities e a desaceleração do crescimento econômico da China, os fatores externos não mais podem ajudar. Para piorar, o consumo interno da população estagnou à medida que seu endividamento — assim como o do governo — aparentemente chegou ao limite.
No início de 2015, finalmente tornou-se óbvio que o país havia vivido em um mundo ilusório sob a batuta do Partido dos Trabalhadores durante os últimos doze anos. Olhando retroativamente, hoje parece piada o fato de Lula, certa vez, ter anunciado que a economia brasileira estava prestes a ultrapassar a do Reino Unido e que, dali em diante, continuaria ultrapassando as outras principais economias do mundo.
Quando foi anunciado, em 2007, que o Brasil iria sediar a Copa do Mundo de 2014, e também quando, em 2009, foi anunciado que o Comitê Olímpico escolhera o Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas de 2016, parecia que o tão desejado reconhecimento internacional para as façanhas do presidente havia finalmente sido alcançado.
O júbilo interno foi igualado pela exuberância externa, e todos falavam sobre como Lula levaria o Brasil para o século XXI.
Assim como muitos brasileiros não queriam enxergar a realidade, os observadores externos também fizeram vista grossa para o fato de que o Partido dos Trabalhadores estava simplesmente praticando uma das formas mais grosseiras de keynesianismo. O keynesianismo brasileiro é de um tipo que vem profundamente misturado com o marxismo de Michael Kalecki. Na Europa e nos EUA, ainda há resíduos de um pensamento econômico sólido, o qual conseguiu sobreviver aos ataques da "nova economia". No Brasil, no entanto, houve uma vitória quase que completa do "keynesianismo kaleckiano", que logrou jogar a maioria das outras escolas de pensamento econômico no limbo.
Pode o governo transformar pedras em pães?
Até hoje, o economista polonês Kalecki ainda é tido em alta estima por algumas das mais proeminentes universidades brasileiras.
A corrente de keynesianismo que Kalecki desenvolveu na década de 1930 se transformou no principal paradigma das políticas econômicas no Brasil, não obstante o fato de que esse tipo de macroeconomia carece de fundamentos micro e é totalmente vaga em termos de conteúdo realista.
A corrente kaleckiana de keynesianismo leva a sério os símbolos da literatura macroeconômica convencional e, ao manipulá-los de acordo com as regras básicas da álgebra, o modelo chega à conclusão de que "trabalhadores gastam o que ganham" ao passo que "capitalistas ganham o que gastam" (foi assim que essa teoria foi resumida por Nicholas Kaldor).
Kalecki e seus seguidores marxistas consequentemente decidiram que, quando o estado assume a função do capitalista, os gastos do governo se tornam capazes de enriquecer o país ao mesmo tempo em que garantem que os trabalhadores recebam sua fatia justa na condição de consumidores. Ainda mais do que Keyens, o evangelho de Kalecki pregava que seus seguidores eram capazes de transformar pedras em pães. Os gastos do governo, em qualquer área e com qualquer propósito, em conjunto com o consumismo em massa seriam o caminho mais prazeroso para a prosperidade.
Essa promessa tem sido o norte das políticas econômicas do governo do PT ao longo da última década.
Durante a maior parte dos dois mandatos presidenciais de Lula, de 2003 a 2010, a receita kaleckiana pareceu funcionar. Sob o comando do ex-líder sindical, o governo brasileiro gastou, os consumidores consumiram, e aeconomia cresceu. Ao mesmo tempo, em decorrência de conjunturas externas, a taxa de câmbio se apreciou, o que garantiu que a inflação de preços permanecesse contida não obstante toda a expansão do crédito e todo o consumismo. A taxa de desemprego caiu.
Não é de se estranhar, portanto, que Lula tenha usufruído uma imensa popularidade durante seus dois mandatos, e que o PT tenha conseguido se manter no poder quando Lula escolheu a dedo sua sucessora, que venceu as eleições em 2010 e 2014.
Dilma Rousseff, no entanto, uma burocrata de carreira e ex-guerrilheira urbana, teve enormes dificuldades para se reeleger. Logo no início do seu segundo mandato, nuvens escuras começaram a ofuscar o ainda flagrante otimismo do partido. Em 2011, seu primeiro ano de governo, a taxa de crescimento econômico começou a desacelerar. O governo, entretanto, foi rápido em alegar que tudo não passava de um soluço passageiro. Porém, quando a taxa de crescimento continuou caindo em 2012, o governo começou a entrar em pânico. Aquilo simplesmente não constava em seus modelos.
Em 2014, com as eleições no final do ano, o governo fez exatamente aquilo que a receita kaleckiana-keynesiana prescreve, e acelerou ainda mais suas políticas expansionistas. Isso pode ter lhe garantido a reeleição, mas o preço veio logo em seguida, e está sendo alto.
A desilusão se instala
No início de 2015, o desencantamento veio com tudo. As pessoas, principalmente seus eleitores, se sentiram enganadas pelo falso otimismo e pelas falsas promessas de campanha. Além da inflação de preços que não dá sinais de arrefecimento, os juros estão em ascensão, as tarifas de energia elétrica foram elevadas acentuadamente e o preço da gasolina chegou a níveis recordes — três medidas que Dilma jurou durante sua campanha que não iria tomar.
Para piorar, o escândalo de corrupção na Petrobras em conjunto com uma economia que está rapidamente se deteriorando levaram dois milhões de pessoas às ruas, no dia 15 de março, para protestar contra o governo e pedir o impeachment da presidente.
No entanto, o que vários manifestantes ainda não entenderam é que o Brasil necessita de muito mais do que uma simples mudança de governo. O país necessita urgentemente de uma mudança de mentalidade. Para encontrar o caminho da prosperidade, o Brasil tem de descartar sua ideologia econômica dominante. O Brasil tem de se livrar de sua tradição de ter governos perdulários e de acreditar que a expansão do crédito resolve todos os problemas. O país não pode continuar imaginando que a participação do estado — de inspiração marxista — na economia e o protecionismo instituído pela Cepal irão enriquecer o país.
Não há nenhuma circunstância especial no cerne do atual desarranjo econômico; há apenas ideias erradas sobre política econômica.
Para encontrar a saída da atual crise, o Brasil precisa de uma grande dose de liberalização econômica. Menos intervenção estatal e muito mais liberdade de empreendimento devem ser os primeiros passos. E, para que isso aconteça, uma mudança de mentalidade é necessária. Os brasileiros devem adotar uma alternativa ao atualcapitalismo de estado.
O país tem de abraçar o laissez-faire para poder prosperar.
Essa tarefa é tremendamente desafiadora, pois praticamente todos os partidos políticos atualmente representados no Congresso são de esquerda e de extrema-esquerda. Não há nenhum partido genuinamente conservador e nenhum partido autenticamente pró-mercado. Essa situação é mais do peculiar porque, como pesquisas consistentemente mostram, a maioria dos brasileiros se situa na centro-direita em termos de orientação política.
O marxismo ainda domina as universidades
O motivo dessa discrepância jaz no fato de que a esquerda domina o ensino superior, especialmente nas ciências sociais, nas ciências econômicas e no direito. São desses setores que a maioria dos ativistas políticos vem. Quando a ditadura militar acabou, em 1984, o sistema universitário já estava sob controle quase que completo de esquerdistas de todos os tipos. Consequentemente, a vida acadêmica é ideologicamente muito diferente dos costumes do resto da sociedade brasileira, onde o bom senso ainda prevalece, embora não tenha voz.
Felizmente, a evolução intelectual não mais depende exclusivamente da academia. Embora a corrente kaleckiana de keynesianismo e marxismo ainda domine as universidades, um robusto movimento libertário está em ascensão no Brasil. Assim como o proverbial viajante do deserto está à procura de água, vários jovens estão à procura de ideias novas para combater o crescente estatismo que está arruinando a economia brasileira.
No passado, mudanças na mentalidade levavam décadas, até mesmo séculos, para ocorrer. Hoje, com o advento da internet, ideias têm um mercado próprio, e há livre acesso para todos. Será fácil para os brasileiros entenderem que não basta apenas ficar bravo com o atual governo; para prosperar, a solução é transformar o capitalismo de estado vigente no país em um sistema de livre mercado. Só assim o enriquecimento será contínuo.
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Antony Mueller é doutor pela Universidade de Erlangen-Nuremberg, Alemanha (FAU) e, desde 2008, professor de economia na Universidade Federal de Sergipe (UFS), onde ele atua também no Centro de Economia Aplicada. Antony Mueller é fundador do The Continental Economics Institute (CEI) e mantém em português os blogs Economia Nova e Sociologia econômica.
Matéria extraída do website do Instituto Ludwig von Mises Brasil
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