Só não vale roubar em causa própria
Assistia pela TV ao Jornal do Rio, em companhia de alguns conhecidos, quando foi noticiada a prisão em flagrante do prefeito de São Sebastião do Alto, uma pequenina cidade do interior do estado, com pouco mais de 10.000 habitantes. Ao ser preso pela Polícia Federal, o indigitado carregava uma mochila com cem mil reais, que acabara de receber de um empresário, autor da denúncia que possibilitou a prisão.
Na mesma hora, começaram as chacotas.
- Só cem mil? Num país onde só se fala em bilhões, esse cara merece uma medalha de honra ao mérito – disse um dos presentes.
- Só quero ver qual vai ser a desculpa desse cidadão, afinal, no Brasil, até o mais escandaloso dos flagrantes tem uma boa explicação – falou outro.
- Ora, o advogado dele vai dizer que é tudo armação do denunciante, que o prefeito não sabia que na mochila (eles adoram uma mochila!) havia dinheiro. Vai aparecer uma versão juridicamente fundamentada segundo a qual o coitadinho imaginava estar recebendo uma doação, digamos, de cuecas usadas para o asilo da cidade, e foi surpreendido pelo aparecimento do dinheiro. Tudo armado pelo empresário malvado, por vingança.
- E você acha que alguém vai acreditar nesse conto da carochinha? – perguntou um terceiro.
- E por que não? O MP e a Justiça não acreditaram que a sua presidenta – considerada pela mídia e pelo público uma gerenta de mancheias -, embora estivesse sentada na cadeira de presidente do Conselho de Administração da Petrobras por sete anos, justamente no período em que nunca se roubou tanto na história daquela estatal, nunca viu nada, nunca desconfiou de nada?
Pano rápido!
É impressionante a capacidade do brasileiro para fazer piada com qualquer coisa. Qualquer situação, por mais escabrosa, logo dispara um turbilhão de “memes” nas redes sociais. Não sei se isso é alguma válvula de escape que utilizamos para poder suportar o descalabro em que se transformou o país, ou se o nosso povo não se incomoda mesmo com coisas como ética, moral, criminalidade, corrupção, etc.
Mas outra questão também chamou a atenção naquele episódio. O Diretório Estadual do Partido dos Trabalhadores, numa atitude pouco usual,expulsou sumariamente o tal prefeito, sem nem mesmo ouvir a defesa do cidadão (logo eles, que vivem falando que todo mundo deve ter direito de ampla defesa e blá, blá, blá). Digo atitude pouco usual porque já tivemos exemplos, no passado recente, de membros do PT que foram julgados e condenados por corrupção, pelo Supremo Tribunal Federal, sem que tivessem a mesma sorte do prefeitinho de São Sebastião do Alto.
É muito estranho, convenhamos, o uso de um peso e duas medidas pelo partido. A única explicação que me ocorre é a de que o coitado do prefeito cometeu o pior dos pecados, de acordo com o código de ética do PT: roubar exclusivamente em causa própria, enquanto os “pesos pesados”, condenados pelo STF pelo mesmo crime do prefeito, agiam para benefício do partido, ou, pelo menos, cediam parte do butim para o partido. Sabem como é: tudo pelo social!
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