Por trás dos 35 reais
Após cada manifestação organizada por sindicatos e movimentos sociais, vem a público o valor pago aos participantes. Os comentários são sempre em tom pejorativo e até debochado, mas eu não vejo nenhum problema nisso. As pessoas estão trabalhando, prestando serviço, compondo cena assim como figurantes em programas de televisão. Anões cobram uns trocados para serem jogados de um lado para o outro nos circos. Pobres cobram uns trocados para ficar balançando bandeiras do PT e da CUT. É quase a mesma coisa. Eu mesmo já passei por situação parecida, quando panfletava para o sindicato da CSN, em Volta Redonda, quase 20 anos atrás. Eu precisava do dinheiro. Absurdo mesmo são as manifestações orquestradas por partidos do governo, em todas as esferas, que coagem funcionários públicos a comparecer, de graça, em eventos para “fazer volume” diante da imprensa.
O problema que vejo no caso das pessoas que recebem dinheiro para participar de protestos é outro: A origem do dinheiro.
Já participei de alguns eventos da UNE, e a “coisa” começava assim: Primeiro alguém do DCE surgia na faculdade anunciando o evento e dizendo, de ouvindo em ouvido, que seria uma viagem super legal, que aconteceriam umas festas muito loucas e também as reuniões e a plenária final – exatamente nessa ordem. Depois, as listas eram preenchidas com os nomes das centenas de estudantes interessados na VIAGEM, a principal motivação da maioria. A seleção das pessoas era feita de acordo com o potencial de engajamento de cada uma. A terceira etapa era a viagem propriamente dita, com a festinha no ônibus e com as refeições na estrada pagas pelo representante do DCE em cada ônibus. Lembro-me sempre de uma dessas vezes, logo que chegamos a Brasília para o Congresso da UNE de 1995.
Como já havia passado da hora do jantar oferecido no alojamento, o comboio de ônibus do qual fazíamos parte foi levado para um… Mcdonalds! Todos podiam pedir o que quisessem! Foi uma verdadeira farra!
Eu estava bem ao lado da menina do DCE quando ela, ao final do banquete, colocou uma bolsa sobre o balcão, abriu e tirou de dentro um maço de dinheiro; e dentro dessa bolsa havia muitos outros maços de dinheiro.
A quarta etapa era o evento em si, com as reuniões de dia e as festas de noite. Só os militantes participavam das reuniões, já que a maioria das pessoas se dispersava pela cidade, mas a noite todos se encontravam nas festas.
A quinta etapa era o último dia. O dia da plenária final. Tudo era organizado de forma que nenhum participante conseguisse deixar o local. Neste congresso especificamente, fomos levados logo cedo para um clube afastado, aonde não chegava transporte coletivo. O almoço foi uma improvisação irresponsável, com a comida sendo servida no meio da tarde e debaixo do sol. Grande parte dos participantes estava desidratada, muitas pessoas com diarreia, mesmo assim a única providência tomada foi a encomenda de um caminhão com água mineral.
Ficamos o dia todo dentro de um ginásio junto com mais 5 ou 6 mil pessoas. No palco montado num dos cantos da quadra, os líderes se alternavam ao microfone para falar, sem, no entanto, conseguirem ser ouvidos, já que a bancada oposta sempre os vaiava raivosamente. Eram basicamente duas bancadas, uma apadrinhada pelo PSTU e a outra apadrinhada pelo PT. Os dois grupos se odiavam apenas por um estar no controle da UNE e o outro não. No momento das votações, feitas por contraste visual, os delegados de cada faculdade iam e vinham pelas arquibancadas organizando a posição de cada pessoa para maximizar o efeito visual na hora em que os crachás eram levantados, sempre a mando deles – e coitado de quem não atendesse! Ao final das votações, eclodiu uma briga na fronteira (não há outro termo mais adequado) entre as duas bancadas.
Obs: Os únicos consensos eram a respeito do posicionamento da UNE em questões internacionais, com a entidade devendo apoiar o fuzilamento de “traidores” em Cuba, todos os grupos guerrilheiros da América Latina e, obviamente, a abertura de um processo de impeachment de FHC, que não havia completado nem 18 meses de seu primeiro mandato.
Obs 2: Foi FHC quem acabou com o monopólio da UNE na emissão de carteiras de estudante.
A sensação da maioria das pessoas ali presente, composta por meros estudantes que desejavam apenas aproveitar uma oportunidade de viagem, era um misto de vergonha e arrependimento. Lembro-me que, nesse dia, ficamos reféns da UNE até às 4hs da madrugada, sem comida além do almoço que poucos se aventuraram comer, usando banheiros indescritivelmente sujos e o pior: sendo, de certa forma, coniventes com os absurdos que víamos e ouvíamos. Eu olhava para aquela infraestrutura toda, lembrava-me das centenas de ônibus fretados, das dezenas de milhares de refeições oferecidas, dos shows que aconteceram nas festas… “De onde vem esse dinheiro?”, me perguntava.
Os sindicatos, em tese, têm uma fonte de renda legal, a contribuição OBRIGATÓRIA dos trabalhadores, mas… e os “movimentos sociais”? E o MST? Os sindicatos representam categorias profissionais e cobram por isso. A lei permite. Movimentos como o MST são entidades informais. Não tem sequer CNPJ! Sendo assim, como um governo justifica contabilmente um repasse de verbas para uma COISA que juridicamente não existe? Qualquer cidadão que deseja pegar um empréstimo no banco precisa apresentar uma pilha de documentos. Quais documentos o MST apresenta para justificar as doações que pleiteia? O absurdo que sempre vem a mente de qualquer pessoa honesta é que, sendo informal a destinação das verbas, a população não tem controle sobre os caminhos desse dinheiro. Qual a garantia de que as quantias anunciadas representam realmente as quantias que são repassadas? As transferências são feitas para contas registradas sob quais CPFs? Qual o controle do governo sobre o destino final desse dinheiro que, precisamos lembrar, é dos pagadores de impostos?
Outro absurdo é o próprio conceito de movimentos social financiado pelo Estado. Se um dito “movimento social” não consegue captar apoio financeiro diretamente na sociedade, é porque a sociedade simplesmente não se enxerga representada por este movimento. Fato. Fato sistematicamente ignorado pelos partidos mais à esquerda, que utilizam-se de demandas sociais para criar tais movimentos com o único objetivo de mobilização política; e para isso, criam formas de desviar dinheiro dos cofres da União.
Já que os socialistas gostam tanto de falar sobre “participação social” e “democratização das decisões”, façamos algumas perguntas: A maioria da sociedade brasileira apoia que parte dos impostos seja destinada à confecção de dezenas de milhares de blusas e bandeiras vermelhas? Apoia que parte dos impostos seja gasta no aluguel de carros de som e balões de propaganda de movimentos que, num mesmo evento, manifestam-se a favor da democracia e também das ditaduras de Cuba e da Venezuela? Apoia que parte dos impostos seja gasta para alugar centenas de ônibus para levar militantes que não trabalham para manifestações em prol dos “direitos dos trabalhadores”? Apoia que parte dos impostos seja destinada a entidades que não prestam contas a ninguém?
A resposta provável é não. Um “não” que na maioria das vezes é esmagado pela essência do socialismo: a crença na IMPOSIÇÃO de ideias e de procedimentos. O governo nos obriga a financiar movimentos que cobram que o mesmo governo obrigue a sociedade a trabalhar pelos que não trabalham.
Poderíamos fazer perguntas semelhantes aos trabalhadores que veem todo mês parte do salário indo para os sindicatos e que gasta a maior parte desse dinheiro em manifestações que, na maioria das vezes, não tem nenhum objetivo além de um posicionamento político de ocasião. E é sempre bom lembrar: raríssimas são as assembleias de sindicatos nas quais as decisões são tomadas por meio do voto da maioria dos representados; cada manifestação custa centenas de milhares de reais oriundos de empresas estatais como Petrobrás, Caixa Econômica e Banco do Brasil.
Os tantos pobres coitados (que não são os militantes profissionais) aliciados pelo MST e pelos sindicatos para figurarem em suas manifestações deveriam cobrar o dobro, o triplo do valor pelo trabalho moralmente insalubre que fazem; e a sociedade deveria cobrar cem vezes mais responsabilidade do Estado no uso do dinheiro que ele nos toma, a força.
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