O lugar dos partidos nas manifestações
À medida que as aguardadas manifestações do dia 15 de março vão ficando mais próximas, os diferentes grupos de interesse prestam maior atenção aos movimentos que as organizam e compreendem a dimensão que elas podem atingir. A preocupação prévia do Planalto com a articulação dos protestos e a queda retumbante de popularidade da presidente apenas jogam tempero nesse cenário. Diante desse desenho, e do fato de a palavra “impeachment” estar presente como nunca antes, desde Collor, no dia-a-dia nacional, os partidos começam a acordar para a realidade.
Um tanto tarde. Quem mobiliza e desperta consciências para a necessidade de uma oposição legítima – não limitada a uma disputa rasteira por cargos, mas disposta a um verdadeiro confronto de princípios e projetos de país, o que não é para covardes hesitantes – são movimentos sociais, como o Movimento Brasil Livre, que recentemente entrevistamos para este blog, e que demonstram a origem espontânea de sua articulação, sem o incentivo direto ou o investimento de legendas ou de “medalhões” da política brasileira. As manifestações de 15 de março são obra desses movimentos, convidando abertamente a todos os cidadãos. Têm bandeira: a do Brasil. Isso quer dizer que são apartidárias, e assim deveriam permanecer, para que sejam capazes de passar o melhor recado à sociedade, bem como por uma questão de justiça com aqueles que de fato tiveram a iniciativa e as organizaram.
Nesta quarta-feira, o maior partido de oposição, o PSDB, divulgou nota oficial em que declara apoio aos eventos que prometem levar multidões pelas ruas de vários estados, apontando-os como “manifestações de indignação dos brasileiros diante da flagrante degradação moral e do desastre econômico-social promovidos pelo governo Dilma Rousseff”. Os tucanos sustentaram o princípio da liberdade de expressão, alfinetando os arroubos autoritários do petismo, e anunciaram que participarão dos aglomerados “através de seu militantes, simpatizantes e várias de suas lideranças”. Essa declaração acontece pouco depois de Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente do país e grande símbolo “humano” do partido, ter dito que “não adianta nada tirar Dilma”, e Aloysio Nunes, que até então vinha demonstrando um espírito combativo incomum para os companheiros de tucanismo, dizer que não quer impeachment, pois prefere “ver a Dilma sangrar” – o que enxergamos como uma afirmação lamentável, afinal a sangria prolongada da presidente representa a continuidade do sofrimento atroz do povo brasileiro, diante da crise instalada. Ora, exigir o impeachment – ou a renúncia – de Dilma é o principal clamor dos manifestantes, conquanto não seja o único, já que a indignação é bastante mais geral e abrangente. Posicionamento similar foi adotado em 2005, diante do falso “herói popular dos trabalhadores” Lula da Silva – que na verdade se orgulha de não gostar de ler e nunca foi lá muito chegado a trabalho -, quando o PSDB preferiu vê-lo “sangrar”. Quem sangra hoje, depois do maior escândalo de corrupção da história das Repúblicas, é o Brasil. O apoio tímido e tardio do PSDB, que não pode ser meramente reprovado pelos amantes da democracia, também não pode ser aproveitado de maneira oportunista pelas lideranças tucanas. Escrevemos na intenção de fazer um apelo, defendendo um ponto de vista que acreditamos prudente: bandeiras, símbolos e slogans, apenas aqueles que são genericamente de interesse nacional. Nada de propaganda partidária.
Não somos contra manifestações de partidos, de maneira nenhuma; apenas não é o propósito. Sabemos que o MBL não é tucano, o povo que vai às ruas não é necessariamente tucano, esta não é uma manifestação do PSDB. Isto é o que deve ficar claro – e, felizmente, a julgar pelas declarações dos políticos do partido, eles também compreendem essa realidade.
Por outro lado, caso ações efetivas contra o governo possam se concretizar, no âmbito de processos políticos, em especial o impeachment, podemos prever que a anuência de partidos e representantes políticos formais se fará necessária. Não será o caso, então, de encarar os fatos com ingenuidade; não precisamos louvar ou apreciar as lideranças que possivelmente estiverem então fazendo acontecer, mas devemos entender que os limites pragmáticos nos impõem a aceitação dos trâmites institucionais democráticos, tal como funcionam. Os diferentes podem agir conjuntamente, se tiverem um propósito em comum.
A surpresa da semana é que quem toma iniciativas concretas, no momento, não é o PSDB; o Partido Solidariedade, presidido por Paulinho da Força, foi o primeiro a formalizar uma campanha oficial pelo impeachment. O partido alega estar há alguns meses buscando pareceres jurídicos que embasem a ousada decisão, como o do renomado Ives Gandra Martins, e pretende promover uma coleta de assinaturas favoráveis. Além disso, o que é mais importante, a coluna de Reinaldo Azevedo na Veja informa que o Solidariedade está em diálogo a respeito dessa possibilidade com o bloco de partidos que se uniram a ele para a eleição da Câmara, especialmente os nada desprezíveis PSB, PPS e PV. AFolha de São Paulo acrescenta que Paulinho já teria conversado sobre essa intenção com Eduardo Cunha, presidente da Câmara, visivelmente descontente com o relacionamento com o Planalto. Para tomar medidas concretas, precisamos de agentes concretos. Para os fatos que podem estar por vir, os partidos e representantes terão seu lugar. No domingo, porém, que esse lugar seja dimensionado, restrito aos seus méritos e à sua conveniência. Que os que assim desejam, não marchem como militantes de alguma sigla; marchem tão somente – o que já é muito – como patriotas.
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