quarta-feira, 4 de julho de 2012

OS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOB A ÉGIDE DOS PRINCÍPIOS DA RESERVA DO POSSÍVEL E DA SUBSIDIARIEDADE


É salutar que o Estado tenha a subsidiariedade como princípio, e quando à luz deste princípio se legitimar a intervenção estatal na sociedade, as escolhas devem ser tomadas com a máxima precaução, tendo em vista a preservação da liberdade e da autonomia dos indivíduos e das comunidades menores. 
Monografia de graduação em Direito público apresentada como requisito parcial para o Setor de Ciências Jurídicas, da Universidade Federal do Paraná – UFPR. Orientador: Prof. Rodrigo Luíz Kanayama
Por Felipe Pudell Sobreira - Curitiba, 2009



RESUMO


A efetivação dos direitos fundamentais depende de algumas posturas do Estado Democrático de Direito. Ora pressupõe uma omissão do Estado, ora uma prestação. Contudo, não constitui tarefa fácil a identificação dos direitos fundamentais, sobretudo do seu núcleo essencial, que deve permanecer intocável nas mais variadas situações.
Tendo em vista a manutenção e a promoção dos Direitos Fundamentais, o Estado há que se organizar de modo a não sacrificar alguns deles em favor de outros. Também é perigosa a tendência de chamar de direito fundamental aquilo que não o é em substância.
Com o escopo de resguardar a efetividade dos direitos fundamentais, o Estado deve se organizar de forma a atender as necessidades dos indivíduos e da comunidade, sem, todavia, sacrificar um em relação ao outro. Vêm à baila, então, os princípios da reserva do possível e da subsidiariedade para orientar a organização estatal e a aplicação dos direitos fundamentais, tendo como foco os requisitos e pressupostos que tornem possíveis a sua manutenção e a sua evolução.


SUMÁRIO



1. INTRODUÇÃO................................................................................................. 07
2. TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.................................................... 09
2.1 Explanação Histórica....................................................................................... 10
2.2 Conceitos e classificações dos direitos fundamentais..................................... 14
2.2.1 Caráter objetivo e subjetivo dos direitos fundamentais .............................. 15
2.2.2 Os status de Jellinek e sua contribuição para o estudo dos direitos fundamentais..........................................................................................................16
2.2.3 Gerações ou Dimensões dos direitos fundamentais.....................................18
2.3 Direito ao Mínimo Existencial e o Núcleo Essencial dos Direitos Fundamentais........................................................................................................ 20
2.3.1 O núcleo essencial dos direitos fundamentais.............................................. 21
2.3.2 O mínimo existencial e os direitos fundamentais sociais ............................. 24
2.4 Os deveres fundamentais: a face oculta dos direitos fundamentais................ 25
3. ANÁLISE CRÍTICA DO ESTADO CONTEMPORÂNEO E DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ................................................................................................. 28
3.1 do Estado Liberal ao Estado Social ................................................................ 32
3.2 Os impasses do Estado Social e do Estado Fiscal Contemporâneo............... 38
3.2.1 O Estado Social Insustentável...................................................................... 38
3.2.2 O Estado Fiscal............................................................................................. 41
3.3 Impasses do Estado Contemporâneo à luz dos Direitos Fundamentais..........45
3.3.1 Considerações sobre a Intervenção do Estado na Sociedade..................... 45
3.3.2 Análise crítica sobre a situação atual dos Direitos Fundamentais .............. 48
4. O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE E DA RESERVA DO POSSÍVEL COMO PRESSUPOSTOS PARA A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS...52
4.1 O Princípio da Subsidiariedade........................................................................ 52
4.2 O Princípio da Reserva do Possível e os Custos dos Direitos........................ 59
4.3 A Efetivação dos Direitos Fundamentais conformada à realidade concreta... 62
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................
5 CONCLUSÃO………………………………………………………………………. 68
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS…………………………………………………. 70


  1. INTRODUÇÃO

Nada é mais amplo no Direito Constitucional que abordar a temática dos Direitos Fundamentais. São múltiplas as perspectivas, inúmeras as possibilidades. Seria redundante afirmar que tal fato decorre da importância que seus elementos têm para o Direito e para o desenvolvimento da sociedade. Antes é oportuno salientar que se trata de um tema bastante maleável, no sentido de que interage necessariamente com variados ramos do conhecimento.
A presente monografia trata dos Direitos Fundamentais em sua teoria geral, sem eleger qualquer direito em espécie. Visa a introduzir dois princípios que, de uma forma ou de outra, condicionam a efetivação dos direitos fundamentais. Os princípios da reserva do possível e da subsidiariedade buscam confrontar os direitos fundamentais à realidade social, política e econômica características do atual Estado Democrático de Direito.
Antes da exposição dos princípios, há que se analisar alguns conceitos e estruturas dos direitos fundamentais pertinentes ao desenvolvimento do tema. Tem-se em vista estabelecer, ainda que não de modo taxativo, as principais características identificadoras dos direitos fundamentais, o que permitirá apontá-los independentemente da sua positivação no texto da Constituição.
Após essa etapa, imperioso fazer uma explanação crítica sobre a realidade social. Não particularmente da realidade brasileira, mas, em termos genéricos, de algumas tendências filosóficas, econômicas, políticas e jurídicas que permeiam o pensamento contemporâneo no Ocidente. Busca-se apontar equívocos que ensejaram – e que ensejam - prejuízos à efetivação dos direitos fundamentais.
Por último, cumpre abordar os princípios da reserva do possível e da subsidiariedade, os quais serão tomados como princípios gerais e norteadores da efetivação dos direitos fundamentais. Propugna-se que a observância de ditos princípios são condições para a efetivação dos direitos fundamentais, sobretudo quando se leva em consideração a efetivação sistêmica nos ordenamentos jurídicos.
Cumpre reafirmar, ainda, o caráter genérico deste trabalho. Desde logo, frise-se que não tem o intento de achar soluções práticas e imediatas para a aplicação de um ou de outro direito fundamental. Seu mais ambicioso objetivo é o de ressaltar a importância de alguns pressupostos para a efetivação dos direitos fundamentais. Pressupostos tais que de modo algum se fundam em qualquer tipo de novidade, mas, ao contrário, em alguns conceitos tão antigos e noutros tão auto-evidentes – o que não quer dizer que sejam inválidos - que já caíram em esquecimento para grande parte da doutrina e da produção intelectual dos nossos tempos.


2. TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS


No contexto jurídico e político contemporâneo, os direitos fundamentais passaram a protagonizar teses e debates acadêmicos, a influenciar a jurisprudência e a produção normativa no Brasil e no mundo. As teorias a respeito ganharam tanto destaque quanto diversas nomenclaturas e conteúdos; o mesmo sucedeu no tocante à sua aplicação e efetivação, bem como às suas implicações jurídicas e extra-jurídicas – sociais, políticas, econômicas.
Os direitos fundamentais não são derivados do constitucionalismo, mas, antes dele, foram os que possibilitaram a sua origem. A compreensão dos direitos fundamentais é pressuposto para a compreensão do próprio Estado Moderno e Constitucional. Nesse sentido, Ingo W. SARLET ensina que “a história dos direitos fundamentais é também uma história que desemboca no surgimento do moderno Estado Constitucional, cuja essência e razão de ser residem justamente no reconhecimento e na proteção da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais do homem." 1.
A priori, é imperioso traçar uma breve perspectiva histórica dos direitos fundamentais, com o fito de edificá-los em seus principais conteúdos e concepções e de situá-lo no atual contexto jurídico, político e social.
Mais do que isso, é tão necessário localizá-los nos diversos momentos históricos que se tornam condição sine qua non para a compreensão de sua própria natureza, das suas diversas fontes e de suas formas de legitimação. A precisão conceitual e a identificação dos direitos fundamentais só são passíveis de apreensão se forem historicamente localizados e contextualizados. Para tanto, faz-se imperioso tecer alguns comentários a respeito dos direitos fundamentais sob o ponto de vista histórico.

    1. Explanação Histórica


Seria equivocada qualquer tentativa de precisar o momento e o contexto em que surgiram os direitos fundamentais2, ao menos aqueles não positivados e não sistematizados num documento político. Suas fontes são inúmeras e de momentos históricos bastante diversos. Uma análise mais pormenorizada do assunto, embora fosse desejável, não será possível, tendo em vista os objetivos do presente trabalho. É oportuno, entretanto, recorrer a alguns dentre muitos acontecimentos que marcaram, de alguma forma, o desenvolvimento e a compreensão dos direitos fundamentais.
Embora de forma muito esparsa, é possível identificar incipientes espécies de direitos fundamentais na história antiga, sob diversos espectros. O Código de Hamurabi e a Lei da XII Tábuas são exemplos de reconhecimento de alguns desses direitos. Sob outra perspectiva, os Dez Mandamentos bíblicos, de certo modo, já instituía alguns direitos, como o direito à vida, correlato ao dever de não matar (sexto mandamento) ou à propriedade, correspondendo ao dever de não roubar (sétimo mandamento) e o de “não cobiçar a casa do próximo” (décimo mandamento) 3.
Nesta esteira, Ingo W. SARLET salienta que “[do] antigo testamento, herdamos a idéia de que o ser humano representa o ponto culminante da criação divina, tendo sido feito à imagem e semelhança de Deus. Da doutrina estóica greco-romana e do cristianismo, advieram, por sua vez, as teses da unidade da humanidade e da igualdade de todos os homens em dignidade (para os Cristãos, perante Deus).” 4
Na idade média, merece especial relevo a filosofia e a teologia desenvolvida por Santo Tomás de AQUINO, que instituiu a concepção de direito natural, adotada e desenvolvida ainda hoje por parte dos estudiosos e filósofos do direito.
Predominava o entendimento segundo o qual era permitido ao soberano editar leis, as quais, contudo, jamais poderiam contrariar a ordem natural das coisas, ou seja, o direito natural, proveniente de Deus. A lex naturalis precedia o Estado e qualquer forma de sociedade; uma vez fundada na vontade do Criador, era eterna e imutável. Os indivíduos tinham os direitos naturais como proteção contra abusos do Estado ou dos seus Senhores 5.
Afora o desenvolvimento da doutrina judaico-cristã e da cultura greco-romana na Europa durante grande parte da Idade Media6, foram os ingleses os primeiros a institucionalizar os direitos fundamentais, como sucedeu com a criação da Magna Charta, em 1215 ou da Bill of Rights, do ano de 1688. Tais textos, como bem professa José Afonso da Silva, “condicionaram a formação de regras consuetudinárias de mais ampla proteção dos direitos humanos fundamentais. Realmente a estabilidade e o sempre firme desenvolvimento das instituições inglesas bastaram para tornar ociosa uma lista maior das liberdades públicas.” 7
A edição da Magna Charta Libertarum, na Inglaterra, em 1215, pelo Rei João Sem-Terra, é tida pela doutrina como texto-base para o desenvolvimento das liberdades públicas e da Democracia na Inglaterra, cujo conteúdo gravitava ao redor de incipientes liberdades individuais, tais como os direitos de liberdade de locomoção (direito precursor do hábeas corpus) e de respeito ao que viria a ser o due process of law.
A Declaração de Direitos (Bill of Rights), considerada como o documento mais importante para o constitucionalismo Inglês, foi resultado da Revolução Gloriosa, ocorrida em 1688. Dela surgiu a Monarquia Constitucional na Inglaterra, que, de acordo com as lições de José Afonso da Silva, ficou “submetida à soberania popular (superada a realeza de direito divino), que teve em Locke seu principal teórico e que serviu de inspiração ideológica para os movimentos para a formação das democracias liberais da Europa e da América nos séculos XVIII e XIX.” 8
Indubitavelmente, o contexto sob o qual emergiram os Estados Unidos da América, com sua declaração de independência, bem como com a promulgação da primeira Constituição moderna da história, serve como paradigma para o estudo e para a compreensão da democracia e dos Direitos Fundamentais, sobretudo os de primeira dimensão9. As idéias de liberdade e de igualdade perante a lei entre todos os cidadãos, tão aclamadas por pensadores europeus (Montesquieu, Rousseau, Locke), ganharam tez pela primeira vez em solo norte-americano.
Ainda preponderava a idéia de que esses direitos eram eternos e imutáveis, fruto da percepção racional do homem face à natureza. Consistiam em verdades auto-evidentes e universais, postas pela natureza.10 Vê-se presente tal concepção no segundo parágrafo da Declaração de Independência das Treze Colônias: “Nós temos essas verdades como auto-evidentes, que todos os homens surgem iguais, que são dotados pelo Criador com certos direitos inalienáveis, tais como a vida, a liberdade e a busca da felicidade”11
A Constituição dos Estados Unidos, promulgada em 1787, num primeiro momento, não adotou Direitos Fundamentais, mas tão-somente normas organizacionais. Todavia, alguns Estados-membros condicionaram a adoção da Constituição caso nela se estabelecesse uma Carta de Direitos. Tal sucedeu com a criação de 10 emendas até 1791, elaboradas por Thomas Jefferson e James Madison12. Esses direitos constituem até hoje a denominada Bill of Rights do povo americano.
As idéias que culminaram na revolução americana, desde o começo do século XVIII, tiveram origem no “Velho Continente” e já estavam sedimentadas no seio da sociedade européia. A construção do Estado Liberal já estava em curso na Inglaterra e na França, de sorte que é licito dizer que a revolução francesa foi conseqüência de toda uma geração de ideais promovidos pelos pensadores iluministas (Rosseau, Locke, Hobbes) 13.
No contexto da revolução francesa, surge a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de caráter mais abstrato e universalizante do que os direitos colacionados na Constituição norte-americana. Por seu conteúdo filosófico e por sua abrangência em relação às liberdades individuais, a declaração francesa figurou como a principal fonte de inspiração para o processo de constitucionalização do ordenamento de diversos países nos séculos XIX e início do século XX 14. Na esteira dos ensinamentos de Manoel FERREIRA FILHO, a importância dessa declaração advém do fato “de ter sido por um século e meio o modelo por excelência das declarações, e ainda hoje merecer o respeito e a reverência dos que se preocupam com a liberdade e os direitos do Homem.” 15
No deslinde do século XIX, verificou-se que grande parcela da sociedade não tinha acesso aos direitos fundamentais ou pouco os exercia, sobretudo aquela que compunha as chamadas classes trabalhadoras ou operárias. Os socialistas utópicos e Karl Marx denunciavam recorrentes abusos cometidos pela “burguesia” e a situação degradante a que se submetiam os trabalhadores. Surgiu daí um sem número de movimentos reivindicando, sobretudo, melhores condições de trabalho e outros direitos sociais e econômicos, tendo em vista a aquisição mínima de meios para subsistência e para uma “vida digna”.
Sob outro prisma do mesmo problema, no ano de 1891, o Papa Leão XXIII fundou a “Doutrina Social da Igreja”, consagrada pela encíclica Rerum Novarum. Nela se condenou abusos à dignidade dos trabalhadores e declarou que alguns direitos sociais e econômicos são pressupostos para a vida digna do ser humano.
Sob influência dessas doutrinas, mas sem abandonar a garantia às liberdades individuais, foi promulgada, na Alemanha, no ano de 1919, a Constituição de Weimar, que reconhecia os direitos sociais à proteção da família, à educação e ao trabalho. Não foi a primeira a garantir os direitos sociais e econômicos, mas foi a mais importante e influente da época16. Conforme professa Antonio E. Perez LUNO, a Constituição de Weimar serve como inspiração para outras Cartas que visam conjugar os direitos fundamentais individuais aos direitos sociais, econômicos e culturais.17
Em 1948, na esteira da criação da ONU, foi publicada a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que foi quando, segundo assinala Paulo Bonavides, “o humanismo político da liberdade alcançou seu ponto mais alto no século XX.” Além de enfatizar os direitos clássicos das liberdades, o documento acrescentou alguns direitos sociais, tais como direito ao trabalho, à saúde e à educação. A partir de então, a maioria das Constituições na Europa e mundo afora acrescentou em seu corpo alguns direitos sociais e econômicos. 18
2.2 Conceitos e classificações dos direitos fundamentais


No tópico acima foi utilizada a expressão “direitos fundamentais” em sentido amplo, para designar tanto as raízes filosóficas e “teológicas” dos direitos fundamentais quanto os direitos fundamentais e os direitos humanos nas acepções modernas.
É de se notar que não há consenso doutrinário quanto às designações de direitos fundamentais e de direitos humanos. Antônio Perez Luño postula que a noção de direitos humanos aparece com contornos mais amplos que a de direitos fundamentais 19. Os direitos fundamentais seriam, pois, direitos humanos positivados nas Constituições.20
Os “Direitos Fundamentais” e o “Estado de direito” estão umbilicalmente ligados, de tal sorte que é lícito afirmar que um só existe na presença do outro, ou seja, não há Estado de Direito sem Direitos Fundamentais, e não há Direitos Fundamentais sem Estado de Direito. Antonio Perez LUÑO explica que “[L]a concepción de los derechos fundamentales determina, de este modo, la propria significación del poder público, al existir uma íntima relación entre el papel asignado a tales derechos y el modo de organizar y ejercer las funciones estatales.”21


2.2.1 Caráter objetivo e subjetivo dos direitos fundamentais


A um só tempo, os direitos fundamentais consistem tanto em direitos subjetivos quanto elementos essenciais à ordem constitucional objetiva. 22
Por um lado, Antonio Perez LUÑO professa que direitos fundamentais, em sentido axiológico objetivo, representam o resultado da manifestação entre as diversas forças sociais, que tem como escopo realizar uma convergência de interesses de modo a contemplar o bem comum. São os direitos fundamentais que legitimam o Estado de Direito, ao passo que representam consenso social sobre o valor de tais direitos23, formam a base do ordenamento jurídico do Estado Democrático de Direito. 24
Com efeito, tanto os cidadãos quanto o Estado estão submetidos aos direitos fundamentais, sendo esta relação imprescindível, de tal maneira que é pressuposto para que o Estado carregue as qualificações “de Direito” e “Democrático”.
Por outro lado, a dimensão subjetiva dos direitos fundamentais denota um status jurídico dos cidadãos, seja no âmbito de suas relações com o Estado, seja no tocante às relações estabelecidas entre si.25 Por sua vez, Gilmar MENDES explica que a face subjetiva dos direitos fundamentais confere aos titulares o poder de pleitear certos direitos aos órgãos competentes 26
2.2.2 Os status de Jellinek e sua contribuição para o estudo dos direitos fundamentais

Dentre as mais importantes classificações úteis à análise dos direitos fundamentais figura a dos quatro status dos direitos públicos subjetivos, elaborada pelo jurista alemão George Jellinek. Consistem, em síntese, nos tipos de relações entre os indivíduos e o Estado. É imprescindível para explicar, mormente, as liberdades públicas e definir a posição jurídica dos indivíduos face o estado. 27
Tal teoria não abarca, contudo, os direitos fundamentais coletivos e difusos, mas tão-só aqueles direitos subjetivos – cuja titularidade é individual – a que o Estado se vincula. 28 Trata antes da interação entre os indivíduos e o Estado, ora como imposição da não intervenção estatal na esfera individual, ora como obrigação da intervenção do Estado na esfera individual. 29
O primeiro status não corresponde a propriamente a um direito fundamental, mas a deveres dos indivíduos perante o Estado e sua subordinação ao Poder Público. É o denominado status subjectiones ou status passivo, que transfigura uma posição passiva dos indivíduos em relação às normas emanadas do Estado. 30
Além do status passivo, a teoria de Jellinek é composta pelo status negativus ou status libertatis, que se transfigura na pretensão de resistência à intervenção estatal; pelo status positivus ou pelo status civitatis, que, grosso modo, são os direitos de prestações; e os direitos de status activus, consubstanciados, sobretudo, nos direitos políticos. 31
O status negativus confere aos indivíduos, por um lado, direito de resistência ou de defesa no caso de ilegítima ação estatal, e limitam, por outro, a própria possibilidades de ação do estado. O caráter negativo significa, em síntese, uma obrigação de abstenção estatal. 32 O status libertatis, que se consubstancia na garantia dos cidadãos à não intervenção por parte do poder público em determinadas esferas -classicamente particulares -, ou seja, nas palavras de Perez LUÑO, “comporta o reconhecimento de uma esfera de liberdade individua; negativa dos cidadãos “. 33 As liberdades comporiam o núcleo dos direitos da personalidade, direitos esses inalienáveis e inerentes à dignidade do ser humano.
Neste ínterim, a Constituição de 1988 assegura a todos os indivíduos o direito fundamental à intimidade, no inciso X do art. 5, e à liberdade de locomoção, no inciso LXVIII do mesmo artigo.
Os direitos de status positivus são os direitos sociais ou a prestações exigíveis do Estado. Por um lado, os direitos fundamentais sociais obrigam o estado a agir de modo a proporcionar condições materiais mínimas aos cidadãos. Por outro, de forma simétrica, é direito dos indivíduos o de receber prestações materiais ou imateriais do Estado. 34 Pois bem, o status civitatis outorga faculdades e poderes aos cidadãos para exercer pretensões face os poderes públicos. 35 Como exemplo de direitos fundamentais que integram este status, pode-se citar o “devido processo legal” (art. 5, LIV, Constituição Federal) e a “inafastabilidade de apreciação judicial” nos casos de lesão ou de ameaça de direito (art. 5, XXXV, Constituição Federal).
Ademais, os direitos de status activus são os direitos dos indivíduos de intervir ou de agir ativamente na órbita estatal, já consagrados nas primeiras constituições, com as cláusulas que permitiam filiação partidária, o direito ao sufrágio e o de ter acesso à prestação de contas por parte do Estado. 36


2.2.3 Gerações ou Dimensões dos direitos fundamentais


Dentre as mais tradicionais classificações figura aquela que divide os direitos fundamentais em três gerações ou dimensões que, a priori, correspondem a três momentos históricos distintos, mas unidos pelos três principais valores da Revolução Francesa: liberté, egalité e fraternité.
Os direitos fundamentais de primeira geração seriam as liberdades públicas, adotadas pelas constituições a partir das Constituições francesa e americana. Os direitos de segunda geração seriam os direitos sociais, reconhecidos a partir da Constituição de Weimar e após a Crise de 1929. Os de terceira geração os direitos fundamentais de solidariedade, adotados pelas Constituições após a segunda guerra mundial37. Os primeiros corresponderiam aos direitos relativos à liberdade; os segundos, à igualdade; os terceiros, à solidariedade; correlatos, portanto, aos três lemas da revolução francesa, já citados no parágrafo acima.
Esta classificação, entretanto, não é imune às críticas. Em primeiro lugar, consiste em equívoco entendimento segundo o qual as Constituições e as declarações do século XIX não contemplavam direito sociais. A Constituição imperial de 1824, por exemplo, assegurava gratuidade da “instrução primária” e os “socorros públicos”, colacionados no artigo 179, XXXI e XXXII.38
Na mesma seara, Ricardo Lobo TORRES aponta que, na Inglaterra do séc. XIX, sob a égide do frequentemente esteriotipado Estado Liberal Clássico, era presente a discussão acerca da assistência social aos pobres e aos indigentes, que se transfigurava sob a forma de imunidades tributárias, e que também deu ensejo ao Poor Law Ammendment Atc, de 1834. 39
É de esclarecer que o fato dos direitos sociais terem sido ampliados e mais largamente adotados a partir da primeira guerra mundial não implica em dizer que eram inexistentes. Foram adotados, ao longo da história, com menor ou maior ênfase, ocuparam menor ou maior parte das políticas públicas, mas desde as primeiras constituições já se faziam presentes. O que ocorreu é que houve mudança quantitativa do que já existia na aplicação dos direitos sociais após a Segunda Guerra. 40


2.3 Direito ao Mínimo Existencial e o Núcleo Essencial dos Direitos Fundamentais.


A compreensão dos conceitos de mínimo existencial e de núcleo essencial dos direitos fundamentais é necessária para dimensionar a amplitude e a extensão da efetivação dos Direitos Fundamentais. Questões polêmicas têm-se levantado em torno do tema, sobretudo quando se discute as diferenças na mensuração entre os direitos fundamentais individuais e os sociais.
O mínimo existencial consiste nas condições mínimas de vida e de dignidade intrínsecas e invioláveis a todo ser humano, em face das quais o Estado se obriga, a um só tempo, a não intervir na esfera privada dos indivíduos e a prover prestações positivas aos que se encontram em condições vitais aquém do exigível. 41
Ricardo Lobo TORRES salienta que o mínimo existencial tem caráter pré-constitucional, e fundamenta-se nas idéias de liberdade, de igualdade, da própria justiça e de dignidade humana. 42 Liga-se à idéia de condições materiais mínimas para uma vida digna.
Nesta toada, há que ressaltar que a pobreza e a miséria podem assumir conotações diversas, pois consistem em definições imprecisas, subjetivas e maleáveis. Diferir uma da outra é, contudo, pressuposto necessário para especificar as ocasiões e as condições de vida que justificam a incidência do mínimo existencial, sobretudo em relação aos direitos fundamentais sociais de status positivo ou prestacionais.
É certo que, em essência, o mínimo existencial é objeto de análise do direito constitucional e é umbilicalmente conectado aos direitos fundamentais. Mas também constitui foco de estudo dos demais subsistemas jurídico, como o do direito orçamentário, do direito previdenciário, do direito tributário. 43 Afora o Direito Constitucional propriamente dito, são esses diversos ramos do direito que estabelecem normas para a concretização do mínimo existencial, ou então, para a efetivação dos direitos fundamentais, muitas das quais não facilmente perceptíveis aos nossos olhos. 44
De resto, faz-se mister esclarecer que o mínimo existencial não consiste em valor nem em princípio, mas antes em regra. O que ocorre é que é tocado por diversos valores, como o da justiça, o da solidariedade, o da liberdade. Também é imponderável, pois constitui o núcleo essencial dos direitos fundamentais, que são irredutíveis. 45


2.3.1 O núcleo essencial dos direitos fundamentais


O núcleo essencial dos direitos fundamentais, conceito originário da doutrina alemã, transfigura-se em limites à atuação estatal –em especial a legiferante- no âmbito de proteção desses direitos e na restrição aos limites a eles impostos (limite dos limites). Tornam-nos irredutíveis, intocáveis, protegidos em sua essência e em sua substância. 46
Admitindo-se que os direitos fundamentais são limitáveis, tendo em vista algumas restrições impostas pelas leis ou pelos próprios direitos fundamentais, faz-se necessário estabelecer o âmbito de proteção dos direitos fundamentais. Significa dizer que as limitações aos direitos fundamentais possuem limites. Daí a importância da figura do núcleo essencial de proteção dos direitos fundamentais. 47
Nem os legisladores, tampouco os aplicadores do direito, podem amputar tais limites, ou estes “limites dos limites”, que devem manter incólume o núcleo essencial, protegido de toda sorte de restrições. A proteção do núcleo essencial é o que caracteriza os limites apenas como limites, e, quando descartado esse núcleo essencial, verifica-se a supressão dos direitos fundamentais.
São duas as teorias que tem por objetivo definir a natureza do núcleo essencial dos direitos fundamentais: a teoria absoluta e a teoria relativa. Segundo Ricardo Lobo TORRES, as normas de direitos fundamentais referente à primeira teoria representariam regras, imponderáveis portanto; já as da segunda teoria teriam a configuração de princípios, ponderáveis, por conseguinte. 48
A primeira postula que o núcleo essencial dos direitos fundamentais é substrato autônomo e independente, pouco importando sua análise no caso concreto. Estaria a salvo de toda e qualquer intervenção legislativa que visasse afasta-lo. O direito fundamental em questão, portanto, seria, em numa parte, suscetível de limitação e, na outra, protegido de qualquer restrição legislativa.49
Antônio Perez LUNO destaca que se tem em vista a natureza jurídica do direito fundamental, preexistente à atividade legislativa. Verifica-se, neste passo, a compatibilidade da lei produzida pelo legislador e o direito fundamental in abstrato .50
A segunda teoria defende que a proteção do núcleo essencial seria fruto de ponderação entre meios e fins, sendo definidos de acordo com as contingências do caso concreto em cotejo e tendo como base, para tanto, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Assim, o núcleo essencial só é passível de ser encontrado diante desse processo de ponderação e teria caráter meramente declaratório. 51
Nesta esteira, Antonio Perez LUNO destaca que esta teoria trata dos interesses juridicamente protegidos em cada caso, na medida em que à lei é defeso ultrapassar os limites razoáveis na matéria correspondente ao direito fundamental em questão. 52
Segundo Gilmar MENDES, ambas as teorias apresentam seus equívocos. Por um lado, a materialidade do núcleo essencial defendida pelos adeptos da teoria absolutista seria dificilmente definível, pelo excesso de abstração. Em decorrência disto, restar-se-ia sempre presente o risco de esvaziamento do conteúdo do núcleo essencial a ser protegido, por ser demais intangível.
Por outro lado, a teoria relativa poderia proporcionar excessiva flexibilidade aos direitos fundamentais, o que poderia afastar a importância dos direitos fundamentais do foco central do Direito Constitucional. 53 Ricardo Lobo TORRES assevera que “[...]A garantia do conteúdo essencial se reduz ao princípio da proporcionalidade.” 54
Faz-se oportuno salientar que a definição do núcleo essencial dos direitos fundamentais, embora seja matéria por demais divergente na atual doutrina do Direito Constitucional, constitui tema de primeira importância no estudo e na efetivação dos direitos fundamentais. Até porque, segundo Antonio Perez LUNO, os métodos de delimitar o núcleo essencial não são alternativos, mas podem ser considerados complementares, de modo que, ao confrontarem com todos os direitos nos casos concretos, podem ser conjuntamente utilizados, para que se contraste uma ou outra via a que se poderia chegar. 55
2.3.2 O mínimo existencial e os direitos fundamentais sociais


A efetivação dos direitos fundamentais sociais constitui foco central nas teorias dos direitos fundamentais. Já não são considerados, como em outrora, como normas programáticas, fato que abriu espaço para toda sorte de teorias –muitas das quais antagônicas entre si- sobre seus modos de aplicação e de efetivação.
Mais do que isso, há divergências quanto ao conteúdo dos direitos fundamentais sociais, ou seja, se todos os direitos sociais são fundamentais e, se não, quais deles possuem aderência à jusfundamentalidade e quais não a possui. Sucede neste tópico, por conseguinte, uma sucinta apresentação das principais teorias acerca do assunto.
Primeiramente, Ricardo Lobo TORRES aponta a tese do primado dos direitos sociais, albergada pelos socialistas e pelos social-democratas56. Postula-se que todos os direitos sociais são fundamentais, justificados independentemente de intermediação do Legislativo, vigendo, para tanto, princípios como o da máxima efetividade. 57
Em segundo lugar, vale tomar nota da tese da indivisibilidade dos direitos humanos, que visa equiparar os direitos sociais fundamentais às liberdades públicas (direitos fundamentais de 1ª geração). Segundo esta vertente, os direitos fundamentais sociais se sustentam, sobretudo, na idéia de “justiça social” e de distribuição de renda.
Por último, a tese da redução dos direitos fundamentais sociais ao mínimo existencial, a qual a presente monografia procura acolher. Sustenta-se, neste derradeiro, que a jusfundamentalidade dos direitos sociais se limita ao mínimo existencial, isto é, abarca tão-só as condições mínimas sem as quais não se conseguiria sobreviver dignamente58.
Nesta seara, Ricardo Lobo TORRES afirma que “[o]s direitos sociais se transformam em mínimo existencial quando são tocados pela jusfundamentalidade. A idéia de mínimo existencial, por conseguinte, coincide com a de direitos fundamentais sociais em seu núcleo essencial”. 59
Os direitos sociais carecem de intermediação legislativa para sua efetivação; dependem da reserva de lei. Estão submetidas, vale antecipar, à reserva do possível e à reserva do orçamento. 60


2.4 Os deveres fundamentais: a face oculta dos direitos fundamentais


Um dos aspectos centrais do estudo dos direitos fundamentais, embora pouco considerado pela doutrina contemporânea, é o que José Casalta NABAIS designou de a face oculta das liberdades e dos direitos fundamentais: os deveres fundamentais. 61
A presente explanação não consiste nos deveres diretamente correlatos aos direitos fundamentais, que nada mais são senão a parte passiva dos direitos fundamentais e, por conseqüência, não necessitam ser expressos no texto constitucional. Dirige-se antes a aqueles deveres que compõe um ramo autônomo do Direito Constitucional que, nas palavras de NABAIS, “[...] os deveres fundamentais aqui tidos em consideração que constituem uma categoria ou figura jurídica autônoma.” 62
Assim, segundo os ensinamentos de NABAIS, os deveres fundamentais possuem um significado essencial à sociedade e são passíveis de serem exigidos, eis que encontram certo paralelismo com os direitos fundamentais. Os deveres fundamentais, neste diapasão, são autônomos, subjetivos, individuais, universais e permanentes e essenciais. 63
Os deveres fundamentais não podem ser vistos tão somente como restrições ou limitações dos direitos fundamentais sob a ótica subjetiva, na mesma linha da afirmação de que o limite de uma liberdade se encerra quando atinge a de outrem. Também é dever fundamental as limitações de ordem objetiva, impostas pela moral, pela ordem pública, pela solidariedade e pela idéia de bem comum numa sociedade democrática. Isso porque, conforme a teoria de NABAIS, a ordem constitucional sustenta-se na limitação da liberdade pela responsabilidade. 64
Nesta exegese, é possível estabelecer a correlação entre deveres fundamentais e o status subjectiones da teoria dos status de Jellinek. Observa-se o caráter passivo dos deveres, concretizados pelo legislador e submetidos a alguns princípios, tais como a universalidade, da isonomia, da não discriminação. 65
Muito embora não comumente expressos como tais, os deveres fundamentais fazem-se presentes nas diversas constituições contemporâneas. São os deveres de pagar impostos, os deveres de defesa da pátria, de freqüentar o ensino básico. 66
Enquanto os direitos fundamentais independem da vontade do legislador constituinte – este apenas os reconhece-, os deveres são fruto de sua criação, presentes quer de maneira explícita, quer de maneira implícita na constituição.
NABAIS sustenta que os deveres extraconstitucionais não se caracterizam como fundamentais, mesmo que tenham a mesma substância. Daí se conclui que não há deveres fundamentais não previstos na Constituição. 67 Diferem, portanto, neste ínterim, dos direitos fundamentais.
Os deveres fundamentais, diferentemente do que se passa com as liberdades e os direitos fundamentais, não têm aplicabilidade imediata, mas, em regra, carecem de intermediação legislativa, por inexistir conteúdo concretizável na constituição. A partir disto, resta a conclusão de que o primeiro destinatário dos deveres constitucionais é o legislador ordinário. 68
Demais disto, os deveres fundamentais, conforme se explicitará mais minuciosamente em momento mais oportuno, é, sobretudo, um dever comunitário para com a dignidade das pessoas individuais, ou seja, é um dever que se revela como instrumento de suporte ou de custeio aos direitos fundamentais, custeio este a ser solidariamente distribuído entre os cidadãos.

3. ANÁLISE CRÍTICA DO ESTADO CONTEMPORÂNEO E DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS


Tudo, absolutamente tudo é possível na história –tanto o progresso triunfal e infinito quanto a periódica regressão. Porque a vida, individual ou coletiva, pessoal ou histórica, é a única entidade do universo cuja substância é perigo. Compõe-se de peripécias. Rigorosamente falando, é drama.
JOSÉ ORTEGA Y GASSET.


Cabe iniciar este capítulo com algumas reflexões acerca do atual estágio da civilização e do nível histórico em que ela está submersa, as quais terão como suporte conceitual as lições do filósofo espanhol José ORTEGA Y GASSET, especificamente em sua mais importante obra “A Rebelião das Massas”. É de se notar que a escolha da análise ou do diagnóstico social estabelecido por ORTEGA Y GASSET se deu em virtude de sua atualidade à realidade brasileira e ocidental, ainda que tenha sido elaborado na Espanha do início do século XX. Por isso, o que o filósofo se refere como de sua época vale, em sua quase totalidade, para o mundo contemporâneo.
O autor espanhol postula que a sociedade sempre é composta por homens médios (homens massa), por um lado, e pela aristocracia, por outro. Não uma aristocracia fundamentada meramente em classes sociais, mas em minorias especiais, em indivíduos excepcionais, aqueles que se distinguem dos demais e são especialmente qualificados, que exigem de si mesmos mais que a maioria. O homem médio, por sua vez, tornou-se o homem massa: aquele que não é especialmente qualificado, que é um “tipo genérico de homem”. Sustenta ainda que cada classe social é composta pelas minorias especiais e pelos homens massa. 69
A presença da aristocracia na sociedade, segundo ORTEGA Y GASSET, não é algo desejável; mais do que isso, é inevitável, porquanto a sociedade só é sociedade enquanto é sociedade aristocrática. 70
Cada civilização, conforme postula o filósofo, situa-se num nível histórico, que é cambiante por natureza, ou seja, passível de se elevar ou de sofrer regresso. A civilização, noutras palavras, é herdeira de sua história. Hodiernamente, as massas “executam um repertório vital” 71 que antigamente era privativo das minorias especiais; gozam do conhecimento antes atribuído tão-só às minorias, tanto na área tecnológica quanto nos âmbitos social e jurídico.
O homem genérico adquiriu um status ou uma qualidade que jamais teve. Ou seja, os ideais, descobertos pelas minorias excepcionais do século XVIII, como o da dignidade inerente e inata a todo o ser humano e da soberania de cada um sobre seu próprio destino, concretizaram-se de tal modo que hoje todos, irrefletidamente, têm isso como certeza irrefutável. 72
Significa que decorreu uma elevação geral do nível histórico, do nível vital do ser humano em geral, que se atingiu a “plenitude dos tempos”. Implica dizer que a vida do ser humano de hoje é superior a de outros tempos. Vale transcrever o diagnóstico de ORTEGA Y GASSET sobre a época hodierna:


Não é plenitude dos tempos e, no entanto, sente-se superior a todos os tempos idos e acima de todas as plenitudes já conhecidas. A impressão que nossa época tem de si mesma não é fácil de se expressar: julga-se melhor que outras, e ao mesmo tempo sente-se como um início, sem ter certeza de não ser uma agonia. Que forma escolheríamos? Talvez esta: superior aos outros tempos e inferior a si mesma. Fortíssima e ao mesmo tempo insegura de seu destino. Orgulhosa de suas forças e ao mesmo tempo temerosa delas. 73


O “homem moderno”, no entanto, não possui a consciência do mundo que o rodeia; ignora toda a construção civilizatória que os homens especiais proporcionaram; desconhecem a história e suplantam as minorias. Justamente nesse fato que consiste o título do livro em cotejo: A Rebelião das Massas.
O “homem massa” desconhece o longo e genial passado que tornou possíveis as facilidades que goza; ignora o fato de que esse mundo não foi concebido pela Natureza, mas por um sem número de gerações de minorias excelentes sem cujos esforços inviabilizaria a quase totalidade das possibilidades de que o homem médio de hoje dispõe. A civilização, em síntese, é artifício.74
Isso ocorre porque não se consegue acompanhar o progresso civilizacional: quanto mais avançada a civilização, maiores e mais complexos os problemas a serem compreendidos e solucionados. O filósofo assevera que é cada vez mais raro os homens que compreendem o sutil funcionamento do mundo civilizado. Por isso disse que o homem de hoje é um homem primitivo.75
Conclui o filósofo que a história é a única técnica que torna possível manter a civilização. Não porque resolva os problemas a ela inerentes, mas evita que se cometam os ingênuos erros que se deram no passado. O problema é que o governante de hoje desconhece a história e sua lógica.
Assim, ORTEGA Y GASSET refere-se ao homem vulgar como uma criança mimada. Mimada pelo mundo a sua volta, o qual lhe parece ilimitável. Mimar, explica o filósofo, “é não limitar os desejos, dar a um ser a impressão de que tudo lhe é permitido, que não obriga a nada.” 76 É um homem primitivo emergido no meio de um mundo civilizado. Esse seria, portanto, o homem dos tempos atuais. Atual no século XX, e atualíssimo no século XXI.
Outra questão importante na investigação do filósofo, sobretudo para os fins do presente trabalho, é a abordagem de dois “elementos essenciais que compõe a vida”: as circunstâncias –possibilidades- e as decisões 77. Circunstâncias são o que se impõe ou o que se é dado, é o que constitui o mundo. A vida se situa num mundo pré-concebido, determinado, não passível de ser simplesmente trocado. José ORTEGA Y GASSET afirma que “nosso mundo é a dimensão de fatalidade que integra nossa vida.“ 78 Porém não se é imposta uma trajetória, mas várias, o que implica escolha.
Em suma, diante de determinadas circunstâncias, há um rol de possibilidades para tomada de decisões, mesmo que a decisão escolhida seja não tomar decisão alguma.79 Sendo hoje o homem massa quem domina, é ele quem, por conseguinte, toma as decisões. Frise-se bem que tais decisões não consistem tão-somente nas individuais, mas também, o que é mais importante para a explanação, nas decisões coletivas, nas decisões públicas.
Para ORTEGA Y GASSET, a democracia representativa característica do século XIX não era dirigida pelo povo, não consistia em projeto dos eleitores, mas antes consistia em projetos de homens especiais que eram eleitos e chamavam a população a participar deles, a escolhê-los. Não havia forma direta de governar. O que se passa hoje, contudo, é que o mundo é governado pelos representantes da massa, e é o homem massa quem hoje decide com enorme poderio; no entanto, são carentes de projetos, desprovidas de planos futuros.

3.1 do Estado Liberal ao Estado Social


Como já visto anteriormente, o Estado Liberal surgiu ao mesmo passo que se sistematizaram os direitos fundamentais no corpo das Constituições, sob a configuração de liberdades individuais ou de direitos de defesa, que correspondem ao que a atual doutrina classifica em Direitos Fundamentais de primeira dimensão.
As liberdades individuais foram estabelecidas com o escopo, sobretudo, de defender os cidadãos do arbítrio do Estado. Tais direitos de defesa consistiam – e consistem - em limites definidos do âmbito de atuação estatal e de seus governantes, ou, em suma, limitadores de poder do Estado.
Ao contrário da estrutura do Regime Monárquico, que pouco distinguia as finanças da pessoa do Rei e as do Estado, o Estado Liberal instituiu a completa separação entre os bens de caráter público e os dos Governantes. A utilização de recursos públicos e o poder discricionário do Soberano passaram a se sujeitar aos limites legais e constitucionalmente definidos, e não mais meramente80e à sua vontade ou à do Parlamento. 81
Na esteira do Estado Liberal surgiu o Estado de Direito. Verificou-se a constitucionalização dos institutos orçamentários na Europa e nos Estados Unidos. Como bem ressalta Ricardo Lobo Torres, “[e]nquanto na Constituição a fiscalidade surgia como limitação ao poder de tributar, no direito infraconstitucional se manifestava através de tributos capazes de fornecer os recursos para atender às necessidades mínimas da garantia estatal às liberdades individuais.”
É de destacar que ao Estado não mais era atribuída a responsabilidade pela felicidade do povo, como fora até então ao Estado Patrimonialista. Sua área de estadualidade restringia-se em garantir as liberdades individuais, em normatizar, em promover a justiça e alguns serviços públicos básicos, de tal sorte que a área de atuação do Estado era bem delimitada e o poder de tributar, por conseguinte, bastante restrito.
Era bastante clara e rígida a separação entre Estado e sociedade, ou em outras palavras, entre as órbitas de atuação do Estado face à sociedade. Predominava a idéia de que a “mão invisível” do mercado, de que a espontaneidade das relações privadas e de que a intervenção mínima do Estado seriam suficientes para o desenvolvimento pleno da sociedade e se asseguraria a efetivação dos Direitos do Homem – sobretudo as liberdades e defesas contra o arbítrio estatal.
Constatou-se que o Estado Liberal não cumpriu plenamente o que prometia, porque era uma utopia, e que surgiram inúmeros problemas por ele provocados – de ordem econômica, social e política. Inúmeras obras evidenciam isso, críticas de toda sorte – muitas válidas, outras inválidas e infundadas - foram dirigidas ao Estado Liberal.
Faz-se oportuno fazer um adendo a esta observação: consoante o pensamento de ORTEGA Y GASSET, não se pode incorrer no equívoco de ignorar as virtudes do antigo liberalismo. A partir de uma análise histórica, é de se separar os pontos frágeis do liberalismo dos seus acertos. Simplesmente refutar totalmente suas lições em virtude das suas falhas implica ignorar alguns séculos de desenvolvimento de técnicas (tecnologia, atividade empresarial, mercado) e, mormente, relativas às liberdades e à própria democracia. Não obstante, muitos autores se referem injustamente ao liberalismo como um modelo caricatural, com uma conotação pejorativa, como se ele tivesse munido tão-só de más intenções e tivesse levado a civilização a uma regressão completa.
A princípio, imperiosa é a compreensão de que as liberdades públicas se consubstanciam em doutrina mais antiga que a do Estado Liberal. Este as tomou como principal fundamento, institucionalizando e universalizando-as; entretanto, não as criou. 82 Daí se conclui que as críticas feitas ao antigo Estado Liberal não devem sê-las às Liberdades Públicas.
Com efeito, salienta-se que não se está aqui a defender uma ou outra matiz ideológica, mas a apresentar fatos e elementos que contribuíram, e ainda contribuem, para o desenvolvimento civilizacional – sobretudo sob a ótica da análise feita por José ORTEGA Y GASSET. Corroborando o que se disse, o filósofo madrileno posiciona-se da seguinte forma: “Não acho que o velho liberalismo seja uma idéia plenamente razoável: como pode sê-lo se é velho e se é ismo! Mas, isso sim, acho que é uma doutrina sobre a sociedade, muito mais profunda e clara que pretendem seus detratores coletivistas, que começam por desconhece-lo” 83
Cumpre salientar que foi no seio do Estado Liberal que surgiu pela primeira vez a moderna concepção e aplicação da democracia, ou ao menos da democracia representativa. O povo passou a fazer parte do processo político, vez que se fez possível a escolha dos governantes de acordo com os projetos políticos apresentadas. O mais substancial é que a democracia passou a consistir em forma de governo para o povo, e não mais para elites formalmente privilegiadas, tal como acontecia no ancient regimé.
O cidadão teve sua dignidade ampliada a níveis que até então sequer imaginava – tampouco pleiteava. O homem médio passou a gozar uma esfera de liberdade e de igualdade perante a lei sem precedentes na história e, ao mesmo tempo, adquiriu meios de exigir que esses direitos fossem efetivados, contra quem quer que fosse. As normas eram gerais e recaiam aos cidadãos e ao próprio Estado –inclusive em sua função legiferante -, dando forma ao denominado Estado de Direito.
José ORTEGA Y GASSET elucida magistralmente este ponto de vista ao apresentar algumas conclusões, a saber: a “primeira, que a democracia liberal fundada na criação técnica é o tipo superior de vida pública até agora conhecido; segunda, que esse tipo de vida não será o melhor imaginável; terceira, que é suicida qualquer retorno a formas de vida inferiores à do século XIX.”84
Antes mesmo de se pensar na positivação dos direitos sociais e econômicos, a sociedade do século XIX e do início do século XX criou condições para seu surgimento e para a crescente elevação de sua jusfundamentalidade. Convém comparar a expectativa de vida destes séculos e a dos imediatamente anteriores: é notório seu crescimento. Tal fato fica ainda mais evidente quando se verifica o acréscimo populacional que ocorreu naquele período: a população européia triplicou em decorrência de dois princípios: democracia liberal e técnica. 85
É fato que as novas técnicas criadas nesse período (e ainda hoje), por mais que as pessoas ou a empresas que as desenvolveram visassem ao lucro, auferiram qualidade de vida para o homem de todas as classes sociais. Ressalta-se que foi a produção em massa e a concorrência empresarial que tornaram bens e produtos mais acessíveis86 à população em geral. 87
Sob este prisma, considerando a comparação entre as condições de vida do homem contemporâneo e do homem de séculos anteriores (e até mesmo de poucas décadas), o mínimo existencial se faz mais presente à população pobre de hoje que aos ricos de outrora.
A evolução tecnológica aliada à produção em massa proporcionou incremento do mínimo existencial; possibilitou que o direito contemporâneo considere como “o mínimo para uma vida digna” o que há um século jamais se cogitaria. A partir disto, é lícito dizer que houve um aumento quantitativo e qualitativo de possibilidades. Possibilidades de atribuir e de se considerar como condições básicas de vida o que antes era improvável ou impossível.
Afora as pré-condições para o surgimento de novos direitos fundamentais, o Estado Liberal estabelecia para si rígida margem de atuação, no sentido de não interceder nas relações privadas, não só sob viés econômico, mas nos mais variados âmbitos da vida social. Note-se que Liberal não pode ser visto tão-só sob o espectro econômico e do livre mercado, mas mais amplamente que isso, refere-se à liberdade de atuação dos indivíduos que compõe a sociedade, entre elas a econômica.
Por óbvio, parcela das idéias liberais se demonstrou equivocadas, a exemplo da concepção fortemente arraigada de igualdade formal (exclusivamente) entre os indivíduos, tendo em vista que não se considerava as desigualdades materiais, sem a qual não se garantia a efetivação do mínimo existencial.
No âmbito econômico, o crash da Bolsa de Nova Iorque em 1929 é tido como o marco da crise do Estado Liberal. Em suma, muitos bancos e empresas faliram, a produção desmantelou-se, o desemprego atingiu níveis alarmantes. Tal ocorreu não só nos Estados Unidos, mas adquiriu proporções globais. Estava prenunciada a Grande Depressão e a certeza de que anos difíceis estavam por vir.
Os Estados viram seus cofres públicos esvaziados. Tal situação decorreu, sobretudo, da queda generalizada de preços e de rendas e, por conseguinte, deflagrou uma drástica redução das receitas do Estado. Com as despesas maiores que as receitas, por gerar intenso aumento da dívida pública, o orçamento público entrou em colapso, a economia estagnou.
Após a implementação do New Deal, na década de 30 do século XX, ganharam força os postulados econômicos de John Keynes e o Estado adotou uma postura mais intervencionista na economia e nas esferas privadas. Este assumiu funções diversas daquelas adotadas pelo Estado Liberal, sobretudo quanto à responsabilidade pela felicidade e pelo bem estar do povo. Ganhou corpo o Estado de Bem-Estar Social, ou o Welfare-state, ou ainda sua intensificação, o Estado Providência.
Por um lado, o Estado aumentou suas receitas mediante o aumento dos impostos e por outras fontes, como pela assunção de atividades empresariais e pela cobrança de tributos de natureza diversa (taxas e contribuições). Por outro, o Estado Social passou a ampliar as prestações públicas, sobretudo com a implementação de subsídios, de incentivos fiscais, de políticas referentes à previdência e à seguridade social. 88
Entre as teses de Lord KEYNES, agasalhadas pelo Estado de Bem-Estar Social, aplicou-se aquela segundo a qual os orçamentos deveriam ser deficitários, sobremaneira pela adoção de políticas públicas pelo Estado, com o escopo da geração do pleno emprego e de se evitar as crises cíclicas inerentes ao sistema capitalista.89
Por conseguinte, o Estado Social passou a intervir em parcelas dos direitos de liberdade sob a justificativa da realização da justiça social. A corrente econômica keynesiana concorreu para a implantação deste escopo, a ser perseguido por intermédio de prestações sociais. Emergiu a idéia de que o Estado deveria promover a igualdade material aos cidadãos, não mais se restringindo a garantir as liberdades públicas. 90
Em linhas gerais, o Estado Social tinha como seus principais alicerces políticas relacionadas ao pleno emprego, à previdência social e à justa distribuição de renda. 91
A Lei Fundamental da República Federal da Alemanha de 1949 constitui o melhor exemplo de constitucionalização das teorias econômicas de KEYNES. Sob inspiração do direito alemão, a Constituição de 1988 foi fortemente influenciada pelas teses do economista. 92
Na seara dos direitos fundamentais, os sociais democratas adotaram a concepção do primado dos direitos fundamentais sociais. Segundo esta vertente política, todos os direitos sociais são direitos fundamentais sociais, sendo estes autossuficientes, independentemente da intermediação dos legisladores. São também interpretados à luz dos princípios da máxima efetividade, da concordância prática e da unidade da ordem jurídica.93
. Esta tese, surgida na Alemanha e adotada pela Constituição lusitana de 1976, foi acolhida por grande parte das doutrinas européias e da brasileira, a exemplo de José Gomes Canotilho, em Portugal, e Paulo Bonavides e Andréas Krell, no Brasil. 94
Segundo Andréas KRELL, no Brasil, os Direitos Sociais são sempre fundamentais, pois estariam abrigados pelo Título II, do Capítulo II, da Carta Maior, que traz “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”. Ainda, assevera que seria perigoso e desvantajoso retirar a jusfundamentalidade dos direitos sociais. 95
Em suma, o resultado é o reconhecimento de maior número de direitos fundamentais, muitos dos quais não estão positivados no texto constitucional. Defende-se uma “Constituição Aberta”, no sentido de ser passível a recepção de novos direitos fundamentais.


    1. Os impasses do Estado Social e do Estado Fiscal Contemporâneo


3.2.1 O Estado Social Insustentável


A ascensão do welffare-state concretizou-se com a universalização dos direitos sociais. Surgiu então, do seu agigantamento, o Estado Providência, caracterizado como aquele responsável por promover a felicidade do povo. Como conseqüência, aumentou-se as despesas e imperioso foi o correspondente aumento das receitas.
Primeiramente, cumpre salientar que a estrutura do estado social se demonstrou frágil, insustentável pelo seu peso, irrealizável por suas ambições. Não durou muito tempo a se verificar os “efeitos colaterais” das medidas por ele adotadas.
O Estado Social ampliou até perto do limite as suas receitas, por um lado, e deu ensejo ao crescimento exagerado da dívida pública, por outro. As prestações públicas, de cunho excessivamente assistencialista e paternalista, aumentaram em tal patamar que as receitas não puderam acompanhar ao mesmo ritmo. 96
Ricardo LOBO TORRES, ainda, evidencia o problema referente à tendência dos políticos de adotar medidas “eleitoreiras” de ampliação das despesas públicas, sob a forma de prestações e barganhas, e ao mesmo tempo evitar o aumento da tributação, tendo em vista a mesma “preocupação” de cunho eleitoral. A conseqüência direta disso é o desequilíbrio orçamentário. 97
Outro fator a ser notado é o da ineficiência que se fez presente no setor público, tendo em vista a desproporcionalidade entre os serviços prestados e as despesas efetivamente aplicadas. Noutras palavras, muitos gastos para pouco retorno social efetivo. 98
Faz-se oportuno frisar que o intenso desequilíbrio orçamentário gerou o que se convencionou denominar de “estagflação”, que significa a junção de altas taxas de inflação acompanhadas de estagnação ou recessão econômica. Tal se verificou com a crise do petróleo nos anos 70, ocasião que levou o Estado Social a ser contestado na Europa e nos Estados Unidos. 99
O Estado de Bem-Estar Social, em relação ao seu crescente intervencionismo, se viu incapaz de planejar racionalmente suas ações, haja vista a impossibilidade de prever as mudanças sociais em curso aliada, ainda, à desestruturação monetária que se desdobrou nos anos 70 e 80. 100
A título de ilustração, convém citar algumas observações acerca da problemática da intervenção do Estado na economia. No artigo acadêmico “Direito e Desenvolvimento: qual é a melhor política pública para o Estado dirigir o desenvolvimento?”, os autores sustentam que na implementação de determinadas políticas públicas, o Estado tenta manipular os mercados e estipular metas de crescimento econômico, na forma de incentivos fiscais, subsídios, regulamentos. 101
Ocorre que o Estado é incapaz para tanto, em virtude de falta de informações para determinar os vencedores nos setores empresariais. Isso decorre justamente da capacidade das empresas inovarem. E essa inovação, por conseguinte, ocorre de forma privada, com base em informações privadas. Desse fato pode-se afirmar que as políticas públicas vêem-se limitadas para propiciar o crescimento econômico. 102
Outro fator apontado pelo artigo em comento é a fraca motivação dos agentes públicos para a criação de riqueza. Vislumbra-se o aumento de salários das autoridades públicas, sob a justificativa de maiores responsabilidades nas suas atribuições de propulsores do crescimento econômico, por um lado. Vê-se a criação de maiores oportunidades para os mesmos para o recebimento de propinas. Isso porque há maiores chances de se ensejar “favoritismos políticos” e corrupção na condução de políticas industriais, por outro lado. 103
No Brasil, o Estado intervencionista passou a ser visto como mau administrador, em virtude da impossibilidade do desempenho de todas as tarefas que se dispôs a assumir. Os críticos apontam, como problemas inerentes ao “estatismo” brasileiro, o grande desperdício de recursos públicos, a incapacidade de investimentos, o intenso endividamento, a precariedade dos serviços públicos. 104
Neste jaez, as políticas públicas no Brasil se demonstraram, embora presentes em grande quantidade, desarticuladas umas das outras e ineficientes, em virtude de suas configurações demasiadamente heterogenias, bem como por serem carentes de planos a longo prazo. Egon BOCKMANN MOREIRA salienta que nos dias de hoje a heterogeneidade das políticas públicas se agravou a tal ponto que não se almeja a construção de uma estrada de ferro ligando o norte ao sul do país, mas investimentos em projetos de nanotecnologia característicos de determinado setor restrito a poucas indústrias. 105
Não coube aqui enfrentar de forma minuciosa todos os problemas econômicos pertinentes ao Estado Social Intervencionista, mas antes estabelecer um panorama geral de alguns equívocos de natureza econômica que o Welfare-State ou o Estado Social interventor propiciou (e ainda propicia).


    1. O Estado Fiscal


A priori, faz-se mister esboçar uma reflexão acerca dos deveres fundamentais, sobretudo do dever fundamental de pagar imposto, tema este introduzido na primeira parte do presente trabalho à luz dos ensinamentos do eminente jurista português José CASALTA NABAIS.
Pois bem. A comunidade, tendo em vista a prevalência da liberdade sobre a autoridade em um Estado de Direito, tem como escopo, em última análise, servir de instrumento de realização das pessoas individuais, principalmente por meio da assunção dos custos de tal realização, a serem repartidos por todos. 106
Oportuno notar que, consoante conclusão de José CASALTA NABAIS, não é possível a efetivação de direitos fundamentais sem o cumprimento dos deveres fundamentais, que são indispensáveis ao funcionamento da ordem social e da organização do Estado. A não existência ou a ineficácia dos deveres fundamentais acarretaria na impossibilidade de se assegurar e de se exercer os direitos fundamentais. E, por óbvio, também não se poderia vislumbrar deveres sem direitos, eis que restaria impraticável um Estado Democrático de Direito que não contemplasse os mais elementares valores da justiça e da dignidade humana. Em suma, só há direitos em razão da existência de deveres, sendo também a recíproca verdadeira. 107
Posto isso, cumpre traçar a análise do dever fundamental a que mais interessa para a presente exposição: o dever fundamental de pagar impostos. CASALTA NABAIS afirma de modo categórico que consiste num dos mais sobressalientes deveres fundamentais do Estado Democrático de Direito. A Constituição de 1988 – compreende todo o Capítulo I, do Título VI, do texto constitucional. 108
Os impostos não podem ser vistos como mera relação de poder entre o Estado e seus “súditos”, tampouco como um símples sacrifício dos contribuintes em favor do Estado. Antes consiste em pressuposto para a vida das pessoas em comunidade e para a mínima promoção do bem comum. É justamente dos impostos que o Estado pode prestar o mínimo essencial à vida em comunidade. Desta feita, a figura do imposto (e do tributo) não é um fim em si mesmo, mas um meio para o Estado atender suas tarefas, suas finalidades. 109
É claro que o dever fundamental de pagar impostos subordina-se à medida da capacidade contributiva dos cidadãos. Tal dever, em última análise, é o justo preço pela vigente democracia, por um Estado de Direito que respeita a liberdade dos cidadãos, pela sociedade civilizada. É justamente nesse dever que se fundamenta o Estado Fiscal. 110
O Estado Fiscal configura-se como o contraponto do Estado Proprietário, do Estado Patrimonial ou do Estado Empresarial. José CASALTA NABAIS sustenta que o este foi a primeira forma de Estado, aquele que se assentou no absolutismo monárquico pós-medieval, que tinham como as principais formas de receita sua a propriedade ou seu patrimônio, por um lado, e a atividade industrial e mercantil, por outro. 111
Também se configuram como não fiscais os Estados socialistas, responsáveis pelo monopólio ou pela hegemonia das atividades econômicas. Ainda, o autor português destaca outras formas de Estados não fiscais: aqueles cujas receitas são provenientes predominantemente de recursos naturais (sobretudo do petróleo, como os Emirados Árabes), ou do jogo (como Mônaco). 112
O Estado Fiscal consiste naquele que tenha como principal fonte de receitas a figura dos impostos – e não dos demais tributos. São Fiscais o Estado Liberal –que se caracteriza por uma maior limitação na cobrança de impostos-, bem como o Estado Social –que necessita de maior arrecadação, em virtude de seu caráter economicamente e socialmente interventor.113
Outra questão que se faz salutar desenvolver é a imprescindível e clara separação entre a sociedade e o Estado, e, por conseguinte, entre o Estado e a economia – aspectos imanentes do Estado Fiscal 114-, digressão tal que justificará um maior aprofundamento num tópico a parte. 115
Tem-se que no Estado Social, em decorrência das novas tarefas por ele assumidas, como já bem frisado anteriormente, surgiu o impasse do excessivo incremento de despesas, as quais devem ser supridas pela receita proveniente dos impostos. O maior perigo que se assenta é o de que o caráter pretensamente fiscal do Estado, via tributação excessiva, descaracterize o Estado Fiscal.
Derradeiramente, salienta-se que toda a sociedade é solidariamente responsável pela manutenção do Estado, de modo a ser obrigada a financiar e a suportar o tamanho do Estado, sendo imprescindível ter em mente o princípio da isonomia. Entretanto, uma vez verificada a hipertrofia do Estado Social, tem-se como conseqüência óbvia a tributação excessiva, impondo o dever igualmente excessivo aos cidadãos em pagar impostos O Estado teria chegado ao seu limite máximo. 116
Sem a limitação do Estado Fiscal, este poderá atingir dimensões, sob a via tributária, de um Estado Patrimonial, isto é, o Estado estaria tornando-se novamente um estado proprietário, mediante um processo de “socialização a frio”, que converteria na própria anulação do Estado Fiscal e do Estado de Direito.
Isto porque o Estado passaria de coadjuvante a protagonista da economia, deixando os cidadãos tão-só com o montante necessário à sua subsistência, sem capacidade econômica suficiente para converter-se em agente produtivo ou em agente econômico. 117
Por isso pode-se concluir que o Estado Fiscal deve ser um Estado limitado em si mesmo. Uma vez superados seus próprios limites, seriam outra coisa que não Estado Fiscal; não só limites máximos, como também limites mínimos, cuja superação transformaria o Estado numa espécie de “organização comunitária incipiente”. 118 Contudo, tendo em vista a presente situação brasileira –e do ocidente-, não é esta a tendência da ruptura dos limites do Estado, mas, ao contrário, o perigo reside na primeira hipótese.
Com muita propriedade CASALTA NABAIS adverte acerca do perigo do Estado extravasar seus limites de fiscalidade, sob pena de se impor aos contribuintes a “ferocidade” do fisco. Tal acarretaria a denominada “lei do bronze do imposto”, caracterizada pela idéia de deixar ao particular tão-somente o mínimo necessário à sua sobrevivência, subtraindo-lhe qualquer energia econômica potencial. 119

José CASALTA NABAIS sugere que a resolução ou a atenuação dos problemas referentes à atual dimensão do Estado Social seria por via da moderação do intervencionismo estatal, que deve refletir no recuo de algumas tarefas sociais (relativos aos direitos econômicos, sociais e culturais), ou então ter-se-ia que se restringir as tarefas tradicionais do Estado. 120
.
3.3 Impasses do Estado Contemporâneo à luz dos Direitos Fundamentais


3.3.1 Considerações sobre a Intervenção do Estado na Sociedade


A análise que se inicia no presente tópico tem como principal referencial teórico o estudo do economista austríaco Friedrich A. HAYEK 121, sobretudo em suas teorias acerca da intervenção do Estado no corpo social, em suas implicações de ordem política, econômica e jurídica.
Segundo o economista, a sociedade tem uma característica sobressaliente, que é o fato de constituir uma ordem espontânea, decorrente da adaptação de elementos individuais e circunstanciais. Estes elementos, bem como as interações entre si, são tão complexos que seria impossível o conhecimento do inteiro teor de todas as suas variáveis, sendo passível tão-somente a compreensão dos aspectos mais gerais da ordem social. 122
Deste modo, não havendo possibilidades de pleno conhecimento das ordens espontâneas em seus infindáveis detalhes, há que se aprofundar em alguns fatores a ela inerentes e em suas linhas abstratas, mas faz-se necessário abandonar os pormenores referentes às circunstâncias não passíveis de serem conhecidas. 123
HAYEK subdivide a sociedade em indivíduos e organizações. Estas possuem a função precípua de realizar determinadas tarefas que escapam do poder daqueles para executá-las, justamente em razão da complexidade das circunstâncias e dos elementos que as circundam e as envolvem. Dentre as diversas organizações submersas no corpo da Grande Sociedade, a maior é a figura do Estado, ou do governo, expressão esta que HAYEK julga ser mais apropriada. 124
Consoante a teoria de HAYEK, o Estado tem duas funções principais: a de manter e garantir as normas gerais que tornam possível a vida em sociedade, bem como a sua evolução, de modo a propiciar as condições básicas para o bom funcionamento da ordem social; e, em segundo, prestar serviços que a sociedade por si só, como ordem espontânea, não é capacitada a fornecer de maneira adequada. 125
Posto isto, ressalta-se que sociedade não é uma ordem planejada, previamente projetada por indivíduos, mas fruto do desenvolvimento histórico e civilizacional complexo e espontâneo. Portanto, a evolução da sociedade pode ser propiciada por um conjunto “regras” definidas e ordenadas pelo Estado, mas não construídas e dirigidas por ele. 126
Antes consiste na compreensão, a partir da experiência, do que se demonstra (e se demonstrou) benéfico para a sociedade ao longo da história. Neste ínterim, note-se bem, a análise de HAYEK aproxima-se da exposição crítica da filosofia de ORTEGA Y GASSET, que salienta a necessidade da compreensão histórica das conquistas e dos fracassos da civilização. Daí se demonstra quais as regras gerais devem ser adotadas e quais devem ser evitadas nas ações que influenciam os elementos constitutivos da sociedade.
Pois bem. Um dos mais essenciais fatores que possibilitam a manutenção da ordem espontânea da sociedade é a liberdade. Faz-se necessária sua convivência com os demais elementos desejáveis em face dos quais deve viger uma ordem coerente de princípios que possibilite a manutenção da liberdade. 127
Nesta esteira, se para cada ação estatal só forem considerados os aspectos positivos e voltados tão-só para os fins a que se almeja, a liberdade restará sacrificada na quase totalidade dos casos. Isto significa que a implementação dos mais diversos tipos de políticas trazem, direta e indiretamente, explícita e implicitamente, conseqüências de toda sorte que influem no bojo da ordem espontânea. HAYEK adverte que se forem praticadas tendo em vista o oportunismo e o pragmatismo o resultado dificilmente será diferente senão a supressão das liberdades. 128
O economista denota o duplo aspecto de certas medidas políticas. Primeiro, em relação aos desdobramentos positivos, servem de justificativa para as suas ações. A outra face –a das conseqüências negativas- são geralmente atribuídas às circunstâncias que “fugiram” do controle, que seriam conseqüências necessárias das ações justificadas pelos objetivos explícitos. HAYEK salienta que carece ao homem moderno a idéia de que não é possível ter o controle da sociedade em seus múltiplos aspectos, tal como um mosaico, e que as medidas adotadas tendo em vista tais objetivos, mesmo que bem-intencionadas, podem gerar conseqüências imprevistas e indesejadas. 129

Demais disso, é certo que muitas dessas medidas a serem adotadas parecem necessárias à persecução de determinados fins almejados, mas que resultam em custos dificilmente auferíveis previamente e posteriormente. Por isso HAYEK diz que a preservação de um sistema de liberdade consiste numa tarefa especialmente difícil de ser concretizada. Os problemas gerados por políticas equivocadas podem ser piores que os problemas que se visavam resolver. Os remédios podem se revelar mais amargos que a doença. 130
A conclusão a que se chega, a partir dessas considerações, é de que o governo, ao tentar manipular sem parcimônia a ordem social, assume uma tendência à arbitrariedade. 131 A supressão da liberdade poderá se concretizar, aos poucos, independentemente da intenção a que se almejou.
Resta o esclarecimento de que não há como se levar ao extremo as concepções expostas acima, no sentido de se defender inexistência de planos de governo ou de projetos e de políticas públicas. Fez-se oportuno tais apontamentos no sentido de propiciar algumas reflexões sobre a intervenção estatal na economia e na vida privada, bem como de juntar alguns elementos pertinentes à parte final da monografia.

3.3.2 Análise crítica sobre a situação atual dos Direitos Fundamentais

José CASALTA NABAIS analisa com muita propriedade o modo com que os direitos fundamentais são tratados no Estado de Direito contemporâneo. Evidencia o que chamou de jusfundamentalismo, que é o teor superlativo pelo qual parte da doutrina dogmática constitucional adota em relação aos direitos fundamentais.
Aponta que se tem introduzido em demasia novos direitos fundamentais, o que acarreta certa banalização de todos eles, acarretando prejuízo aos mais elementares. Tem-se valorizado a quantidade dos direitos fundamentais em desfavor de sua qualidade. CASALTA NABAIS propõe “menos direitos fundamentais, em nome dos direitos fundamentais”, ou “menos direitos fundamentais, melhores direitos fundamentais”. 132
José CASALTA NABAIS sugere, ainda, que o discurso jusfundamentalista ora dominante no Direito Constitucional seja “uma maneira, inconsciente e cômoda de tranqüilizar nossas consciências face às cada vez mais amplas e drásticas violações dos direitos fundamentais, procurando assim como que compensar com a quantidade a cada vez mais manifesta falta de qualidade” 133
É de se buscar formas de aderência e de concretização dos direitos fundamentais à realidade econômica, política e social do país, sem as quais estarão fadados ao mero discurso e “utopismo”. Para tanto, é mister identificar com maiores detalhes os equívocos do “panjusfundamentalismo” e as conseqüências deste sobre os direitos fundamentais. 134
Em primeiro lugar, ressalta-se a importância da separação entre os espectros do Estado e da Sociedade Civil; não uma separação pura e absoluta, mas “uma separação dos núcleos essenciais de cada um destes pólos de maneira que à auto-responsabilidade dos indivíduos e da sociedade, em que estes se inserem, caiba o essencial do processo e do mundo da economia (máxime, da micro-economia), e ao Estado (enquanto um no productive state) seja reservado o essencial do processo e do mundo da política”. 135
A partir dessa leitura, José CASALTA NABAIS destaca três características (consequências) essenciais do Estado Providencial fruto da “inflação” jusfundamental:
  1. o Estado Ausente – vislumbra-se a carência de atuação do Estado no que se refere à efetivação dos direitos fundamentais justamente nas áreas clássicas de atuação do estado, relativas, sobretudo, aos direitos fundamentais de primeira geração. Ilustra-se bem tal situação a ausência e ineficácia da atividade policial ou então a morosidade da justiça na solução de lides. José Casalta Nabais adverte sobre a privatização de determinados setores, até então considerados como privativos do âmbito do Estado, tais como a segurança (polícia) e a justiça (autocomposição). 136
  2. o Estado Ubíquo – ao mesmo passo que se constata a manifesta ausência do Estado em áreas essenciais de sua atuação, verifica-se também o Estado Ubíquo, que consiste na invasão do Estado em tradicionais espaços de liberdade. Ressalta que o Estado assume papel excessivamente paternalista, invadindo a órbita de liberdade das relações privadas. É claro que não está em questão, como bem frisa o autor, a interferência do Estado face aos perigos decorrentes de novas tecnologias ou então a necessidade de regular a concorrência no mercado. Ao contrário, o Estado, por exemplo, faz às vezes de protetor do cidadão contra si mesmo, como é o caso da lei que o obriga a colocar cinto de segurança, mesmo que para circular nos limites urbano numa velocidade baixa. 137
  3. O Estado Salamizado – nas palavras de CASALTA NABAIS, “trata-se da fragmentação ou fracionamento do (poder do) Estado em virtude sobretudo da intensa disputa que os mais diversos pólos de poder político e sócio-econômico vêm travando, reivindicando para si parcelas cada vez mais significativas do poder estadual como se este estivesse em saldos ou mesmo em liquidação”. Tais grupos, sob o manto de defensores de interesses públicos e coletivos, agem de modo a concentrar poderes até então próprios do Estado e a proteger alguns de seus interesses “corporativos”. Torna-se imperiosa a separação entre os domínios do Estado e da sociedade, aspecto pelo qual é imprescindível para o Estado Democrático de Direito. 138
O autor rechaça a idéia do Estado corporativista atual sob a ótica da pós-modernidade, a qual afirma sobre a existência de um “neocorporativismo” semelhante ao que se passava na idade média. Afirma que as corporações não questionam o Estado moderno, mas antes se aproveitam dele. Adverte que a maior parte da sociedade fica “de fora” das corporações, ou então estão inseridas naquelas que não têm poder suficiente para participar efetivamente do “jogo político”. Por conseguinte, a democracia resta enfraquecida e a igualdade política entre os cidadãos cerceada, embora de forma muito sutil.139

4. O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE E DA RESERVA DO POSSÍVEL COMO PRESSUPOSTOS PARA A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS


Antes de mais, faz-se imperioso tecer alguns comentários sobre a parte conclusiva da monografia que a partir daqui se dará ensejo. Postos acima alguns problemas e tensões inerentes à relação Sociedade e Estado, propõe-se a adoção de dois pressupostos que, embora não taxativos, são necessários à efetivação dos direitos fundamentais e à manutenção da Democracia e do Estado de Direito: a reserva do possível e o princípio da subsidiariedade.
Por um lado, a reserva do possível possui natureza econômica, referente às possibilidades fáticas do Estado prover meios para a efetivação dos direitos sociais, do mínimo existencial (entenda-se como os direitos fundamentais sociais) e dos demais direitos fundamentais. Por outro lado, o princípio da subsidiariedade, já mais inclinado aos campos da filosofia e da ciência política. É evidente que ambos não são autônomos, mas interdependentes, e que assumem também uma natureza jurídica.
Derradeiramente, a observância desses pressupostos é essencial (e repita-se, não taxativos) para a manutenção das conquistas civilizacionais em relação à dignidade da pessoa humana, ao Estado e à Sociedade, bem como para a evolução destes mesmos âmbitos.
Isto quer dizer, noutras palavras, que estes pressupostos atentam para, a um só tempo, a conservação dos direitos fundamentais cuja efetivação já se façam presentes e para o desenvolvimento nas áreas em que se verifique carência na aplicação dos direitos fundamentais.

4.1 O Princípio da Subsidiariedade

O princípio da subsidiariedade, ainda que pouco divulgado pela doutrina brasileira, vêm ganhando importância no debate político mundial, sobretudo na União Européia, em cuja Constituição já se encontra positivado. Trata-se de um princípio resgatado da filosofia aristotélica, que ganhou contornos contemporâneos com a Doutrina Social da Igreja.
Uma vez que as principais ideologias adotadas pelos países nos séculos XIX e XX não prosperaram, quer seja pela exacerbação do individualismo e pela intransponível abstenção do Estado, quer pela intensa coletivização, estatização e intervencionismo (estas dando ensejo para toda sorte de regimes totalitários ou Estados inoperantes), faz-se imperiosa a adoção de um modelo de Estado que estabeleça um saudável equilíbrio entre o intervencionismo estatal e a liberdade dos indivíduos e da sociedade civil. 140
A adoção de tais ideologias, pendendo ora para um lado ora para outro, entre a liberdade e a igualdade, entre o Estado e a sociedade, entre o coletivo e o individual, demonstraram-se insustentáveis, em razão ou de seus excessos ou de suas carências. Nesta esteira, o princípio da subsidiariedade foi resgatado com o escopo de equilibrar estas tensões –entre o Estado e os cidadãos- e, sobretudo, de estatuir um novo paradigma de legitimidade para os fins do Estado.141
Pois bem. O princípio da subsidiariedade foi formulado pela primeira vez, sob tal denominação, na Encíclica Quadragesimo Anno do Papa PIO XI, em 1931.142, muito embora a Encíclica Rerum Novarum do Papa LEÃO XIII, de 1891, já tenha formulado de modo implícito seu conceito e tenha exposto de modo geral os seus elementos. 143
O conceito mais claro do princípio da subsidiariedade encontra-se na já citada Encíclica Quadragésimo Anno, que consiste, em síntese, em não permitir que a coletividade suprima o que pode ser feito pelo indivíduo. As sociedades maiores e mais elevadas não devem desempenhar as funções que as sociedades menores são mais aptas a realizar. A finalidade da sociedade seria, por conseguinte, a de apoiar os seus membros, e não de absorvê-los nem de destruí-los. 144
O princípio da subsidiariedade, antes de mais nada, é um princípio de justiça, porque eleva o status da sociedade civil na estrutura organizacional do Estado. Este, por seu turno, passa a não ser um fim em si mesmo, mas um ente em que cuja finalidade é a de auxiliar, cooperar, ajudar, suprir necessidades das quais a sociedade civil é incapaz de resolvê-las por si só. Desta feita, como já se ressaltou, a subsidiariedade só excepcionalmente atribui ao Estado a tarefa de suplência ou de substituição de determinadas atividades a ser desenvolvidas pelos indivíduos ou pela sociedade como um todo. 145
Dito princípio assume uma característica aparentemente paradoxal: a um só tempo, visa inibir a indevida intervenção estatal nas esferas particulares e das sociais, colocando limites à atuação do Estado, e estimular sua atuação nos terrenos em que a sociedade e os particulares se vêem impossibilitados de atuar e de suprir suas necessidades. 146 Desta maneira, é de se notar que o princípio da subsidiariedade não subentende tão só uma ação negativa do Estado perante os organismos menores, mas um limite.
Consoante os ensinamentos de Silvia FABER TORRES, a subsidiariedade define-se pela distribuição de competência e de atribuição de poderes ao Estado, às comunidades e aos indivíduos, tendo em vista, em última análise, a justiça distributiva, o bem comum e a dignidade da pessoa humana. 147
É de destacar que a subsidiariedade, afora a questão entre público e privado, aponta um caminho de descentralização administrativa e do poder de intervenção. Quer dizer que é preferível a intervenção da comunidade maior nas menores pelas autoridades mais próximas dos cidadãos, porquanto suas ações teriam maior eficácia e legitimidade. Daí conclui-se que, no plano político, a subsidiariedade visa induzir o princípio federativo. 148
Ainda, é imperioso aprofundar-se nos fundamentos do princípio da subsidiariedade. Cumpre notar, a priori, que é um princípio que se fundamenta diretamente na natureza humana, de sua dignidade que se condiciona pelo poder do indivíduo de auto-determinação e pelo direito à personalidade. A partir disso, pode-se afirmar que a subsidiariedade tem como dois basilares fundamentos as concepções de liberdade e de justiça. 149
Silvia FABER TORRES explica que na liberdade a subsidiariedade ganha contornos mais salientes, uma vez que é pressuposto para o desenvolvimento da personalidade e da criatividade humana. Sem ela, a capacidade de ação humana verifica-se diminuta ou até ausente. A liberdade e a autonomia dos indivíduos são, portanto, condições inerentes à dignidade da pessoa humana e à persecução do bem comum.150
O segundo fundamento central é a idéia de justiça, vez que a competência para a realização de tarefas deve ser atribuída, sempre que possível, às sociedades menores e que, quando, nas mesmas condições, é assumida pelo Estado, incorre-se em injustiça e no desrespeito dos direitos das comunidades menores e dos indivíduos. 151
Ademais, vale frisar outros princípios que se fazem oportunos citar para melhor compreensão da subsidiariedade. Primeiramente, a idéia de bem comum. É o que legitima e o que fundamenta a intervenção e, ao mesmo tempo, a abstenção do Estado. Quando justificada, a intervenção, seja na forma econômica, seja na social, visa ajudar e incentivar os cidadãos e as entidades à persecução do bem comum. Consiste, acima de tudo, numa noção ética, eis que sua ausência como escopo para intervenção estatal constituiria afronta à justiça perante a sociedade. Nesta toada, o bem comum conecta-se ao próprio fim do Estado e da sociedade. 152
Nas palavras de Silvia FABER TORRES, “[O] bem comum, em virtude de sua própria natureza, é um auxílio ou ajuda para que os homens realizem, com responsabilidade própria, suas finalidades vitais.” 153
Salutar para o princípio da subsidiariedade, bem como para a efetivação dos Direitos Fundamentais, é o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. É bem verdade que se trata de um princípio bastante vago e aberto, em torno do qual gravitam todos os direitos fundamentais. A preservação da Dignidade Humana é imanente ao ser humano, pré-estatal e causa e fim de toda sociedade e do Estado. 154
A subsidiariedade se assenta também na manutenção do pluralismo social. O respeito às diversas formas com que a sociedade se configura é uma das facetas do princípio da subsidiariedade. O Estado deve abster-se de intervir no sadio e espontâneo desenvolvimento de cada grupo social e dos indivíduos nele inseridos, restando o papel de auxílio e de ajuda a estes diversos grupos. Nesta esteira, o Estado, à luz do princípio da subsidiariedade, refuta tanto as formas unilaterais coletivistas quanto as individualistas de organização social.155
Por fim, a solidariedade, princípio este que aparenta contradição ao da subsidiariedade; todavia, na realidade, complementa-o. Dito princípio assume algumas feições correlatas às idéias de igualdade, de justiça distributiva. Consiste no dever dos indivíduos em zelar, ao mesmo tempo, pelos bens particulares e pelo bem comum; ou, em outras palavras, em cooperação mútua entre indivíduos. Assim como a liberdade é essencial à personalidade e à dignidade humana, a solidariedade constitui princípio fundamental à natureza social do homem. 156
Sob o prisma econômico, salienta-se que a subsidiariedade não se foca estritamente à ordem econômica, ainda que seja um de seus principais objetos. Pressupõe, por certo, uma separação clara, embora não absoluta, entre a sociedade e o Estado, e a premissa da qual a atividade econômica não constitui vocação do Estado, mas da ordem espontânea que é a sociedade. Todavia, não supõe qualquer conflito entre o Estado e a sociedade, mas visa harmonizar as relações entre um e outro, e ordenar a intervenção do Estado quando se fizer necessária ao bem comum.157
Neste ínterim, uma questão que merece destaque é a relação entre a subsidiariedade e a disponibilidade econômica dos indivíduos. Este é um princípio apontado por José CASALTA NABAIS, segundo o qual impõe que se permita aos indivíduos, com a maior amplitude possível, autonomia e livre decisão em todos os domínios da vida. Como conseqüência, a ordem jurídica deve garantir que a atividade econômica deve ser desempenhada primeiramente pelos indivíduos e pelos grupos menores, papel que o Estado só deve assumir quando não se fizer possível a realização pelo mercado e pela livre iniciativa. 158
O princípio da livre disponibilidade econômica configura-se, em suma, como “o princípio da subsidiariedade em sentido amplo no domínio econômico.” 159 Tal princípio indica que o Estado Fiscal pressupõe a adoção do princípio da subsidiariedade, pois o Estado não possui a atividade econômica como fonte de receita, uma vez que o livre mercado protagoniza o desempenho das atividades econômicas, restando ao Estado a cobrança de impostos como principal modo de arrecadação de recursos. 160
Na encíclica Matre et Magistra, de 1961, o Sumo Pontífice João XXIII relaciona o princípio da subsidiariedade à economia, trecho do qual vale ser trasncrito:

Mas é preciso reafirmar sempre o princípio que a presença do Estado no campo econômico, por mais ampla e penetrante que seja, não pode ter como meta reduzir cada vez mais a esfera da liberdade na iniciativa pessoal dos cidadãos; mas, deve, pelo contrário, garantir a essa esfera a maior amplidão possível, protegendo efetivamente, em favor de todos e de cada um, os direitos essenciais da pessoa humana. Entre estes há de enumerar-se o direito, que todos têm, de serem e permanecerem normalmente os primeiros responsáveis pela manutenção própria e da família; ora, isso implica que, nos sistemas econômicos, se consinta e facilite o livre exercício das atividades produtivas.”161


No plano político-administrativo, o princípio da subsidiariedade relaciona-se com o federalismo, eis que os postulados daquele se coadunam com os princípios de uma estrutura federal de Estado, “na qual se encontram distintos grupos superpostos, reconhecidos em sua pluralidade e relativa auto-suficiência.” 162
Evidencia-se, segundo este espectro da subsidiariedade, o respeito ao princípio da pluralidade social, pois que, com a descentralização política e administrativa, as particularidades dos organismos sociais menores e mais próximos ao poder local são mais facilmente levadas em consideração. 163 Neste aspecto, Marçal JUSTEN FILHO ressalta que “há uma pluralidade de interesses públicos e privados, inconfundíveis e reciprocamente excludentes, que não podem ser considerados como se fossem homogêneos”.164 Daí a virtude do princípio federativo e, por conseguinte, do princípio da subsidiariedade.
Oportuniza-se, desta forma, o tratamento diferenciado, por parte do Estado, das comunidades diferentes, consoante suas características particulares. A título exemplificativo equivale dizer que devem ser diferentes as decisões públicas destinadas a uma região carente das voltadas a outra mais desenvolvida.

4.2 O Princípio da Reserva do Possível e os Custos dos Direitos

Do mesmo modo que o princípio da subsidiariedade, o da reserva do possível versa sobre os poderes e as limitações de ação do Estado sobre a sociedade e sobre os indivíduos. Entretanto, as diferenças se iniciam quanto à natureza de ambos: o princípio da subsidiariedade é eminentemente ético, refere-se antes sobre a legitimidade da atuação estatal ante a sociedade e os indivíduos; já a reserva do possível assume uma perspectiva essencialmente econômica e financeira, vinculada às possibilidades e à capacidade do estado de intervir no corpo social, tendo em vista a escassez de recursos e as limitações materiais que se impõe à consecução de fins do Estado.
Primeiramente, cabe salientar que a expressão reserva do possível teve origem na jurisprudência alemã, a partir de uma discussão acerca da criação de vagas para estudantes não classificados no vestibular prestado para uma faculdade de medicina. O Tribunal Constitucional alemão decidiu que as prestações sociais estão subordinadas à reserva do possível, em consonância com a razoabilidade da pretensão. Faz-se mister ter em vista o equilíbrio financeiro geral e que os recursos públicos 165
Imperioso frisar que a efetivação dos direitos fundamentais sempre implica, direta ou indiretamente, custos para os cofres públicos. Obviamente, as reservas financeiras do Estado não são inesgotáveis, o que é o mesmo que dizer que os recursos são escassos. Insta repetir o argumento segundo o qual a efetivação dos direitos fundamentais depende inevitavelmente dos recursos públicos, que são limitados. 166
Dito isso, conclui-se que os direitos fundamentais jamais poderão ser absolutos, vez que os meios materiais à sua realização também não o são. Nothing that costs money can be an absolute”167: eis a maxima sustentada por Cass SUSTEIN e Stephen HOLMES. Daí dizer que a efetivação dos direitos sociais estão condicionados pela cláusula da reserva do possível. 168
A reserva do possível, nas palavras de Ricardo LOBO TORRES, “[E]quivale à reserva democrática, no sentido de que as prestações sociais se legitimam pelo princípio democrático da maioria e pela sua concessão discricionária pelo legislador.”169
A preocupação dos operadores do direito com a viabilidade das prestações públicas, dentre as quais a efetivação de direitos fundamentais, equivale a se preocupar com a realidade, e não só com o mundo das idéias. Ou melhor, é adaptar as idéias à realidade concreta, com suas nuances e com as limitações por ela impostas. 170
Sob outro prisma, é necessário destacar que a receita pública é proveniente, em sua maior parcela, dos impostos, ou seja, estes constituem o suporte para a efetivação concreta de todos os direitos, ao menos no Estado Fiscal contemporâneo. Os direitos fundamentais são efetivados, em última instância, por meio do pagamento de impostos, que consiste em dever fundamental, a ser cumprido solidariamente pelos contribuintes. 171
Cabe uma análise mais pormenorizada acerca dos custos dos direitos. Consoante as lições dos juristas norte-americanos Stephen HOLMES e Cass SUSTEIN, todos os direitos fundamentais são, de certa forma, positivos, mesmo aqueles que se configuram como liberdades públicas (ou os de primeira geração). Significa dizer que a efetivação de todos os direitos pressupõe realização de gastos, que a proteção até mesmo dos mais elementares direitos e liberdades demanda adequada alocação de recursos públicos. 172
Isto quer dizer que os direitos fundamentais, quer sejam os clássicos direitos de liberdade, quer sejam os direitos sociais, implicam custos aos cofres públicos. A diferença é que os gastos com direitos sociais são mais visíveis, em virtude da singularização das titularidades, ativa e passiva, destes direitos. 173 Já os custos dos clássicos direitos fundamentais são menos notáveis, haja vista a generalidade da titularidade passiva destes direitos e de seus custos, que consistem na manutenção de uma ordem burocrático-administrativa e legal do Estado para a tutela e proteção destes direitos, estas diluidamente voltadas à sociedade.174
Cass SUSTEIN e Stephen HOLMES ressaltam que, exempli gratia, até mesmo aquele que é um dos mais “liberais” dos direitos, os direitos de propriedade, dependem de custeio do Estado, ou da coletividade, mediante o pagamento de impostos, no sentido de garantir e manter a ordem legal e o sistema protetivo dos referidos direitos. O sistema de propriedade, em suma, depende da existência do Estado, de impostos e de gastos.175
Tendo em vista tal premissa, volta-se a ressaltar que os recursos públicos são escassos, fato que demandará sempre escolhas na alocação de recursos por parte de autoridades públicas. E essas escolhas far-se-ão, via de regra, pela elaboração do orçamento público, instrumento que conterá as prioridades do governo na realização despesas públicas. A efetivação dos direitos sociais, portanto, dependerá das decisões políticas legalmente instituídas na figura do orçamento.
Ricardo LOBO TORRES assevera, contudo, que o mínimo existencial não está adstrito à reserva do possível, contanto que, note-se bem, não se assuma como pressuposto que os direitos fundamentais sociais –o mínimo existencial- contenham significado idêntico aos dos direitos sociais. É dizer que a cláusula da reserva do possível só serve como parâmetro para limitar o conteúdo não fundamental dos direitos sociais. 176

4.3 A Efetivação dos Direitos Fundamentais conformada à realidade concreta

Não sem motivo, o presente trabalho procurou resgatar alguns elementos da filosofia política de José ORTEGA Y GASSET. É justamente à guisa de seu raciocínio que se visa a estabelecer considerações sobre a efetivação dos direitos fundamentais.
Vale repetir a lição do filósofo segundo a qual a geração de hoje é fruto de uma construção histórica, a partir do pensamento e da ação de homens especiais –ou das minorias excelentes, segundo o filósofo espanhol. Contudo, o homem de hoje comporta-se como uma “criança mimada”, porquanto não possui a consciência dessa construção civilizacional, eis que tem a impressão de que grande parte das condições vitais é pré-constituída naturalmente e não obtida através de uma lenta e árdua evolução ao longo da história. 177


Sob tal perspectiva, é de se notar que a efetivação dos direitos fundamentais não pode desvincular-se dessa realidade histórica conquistada pela civilização, nesta que compreende, frise-se bem, tanto as conquistas técnicas quanto as relativas à dignidade humana. Isso porque ela deve estar em plena aderência à realidade, caso se proponha ter os direitos fundamentais além de promessas vazias.
Flávio GALDINO pondera, neste sentido, que não pouco freqüente os operadores do direito distanciam o mundo jurídico da realidade. O que tem ocorrido é a inversão da máxima descartiana “penso, logo existo” (cogito, ergo sum) para “penso, logo é” (cogito, ergo est).178
O maior perigo desse distanciamento entre o mundo jurídico e o real é justamente o enfraquecimento generalizado dos direitos fundamentais –bem como dos demais direitos-, uma vez que se equipara os direitos fundamentais plenamente realizáveis aos supostos direitos irrealizáveis, isto é, tenta-se trazer a realidade ao mundo das idéias, quando o correto é justamente o contrário.
Desse modo, acaba por se esvaziar o conteúdo dos verdadeiros direitos fundamentais, já que estes passam a ter seu valor equivalente a aqueles irrealizáveis, que não passam muitas vezes de mero artifício retórico e de utopias impossíveis.
Tendo em vista o custo dos direitos, tanto o incremento quantitativo quanto o qualitativo dos direitos fundamentais obrigam o Estado a aumentar suas despesas. Estas são arrecadadas, no Estado Fiscal, via tributação, sobretudo mediante pagamento de impostos. Ocorre que é imprescindível que haja determinado limite na arrecadação fiscal pelo Estado, porquanto a sociedade arca solidariamente com os impostos. Caso se exceda tal limite fiscal, a sociedade certamente sofrerá violações em seus direitos fundamentais, mormente sobre as clássicas liberdades e sobre a dignidade humana em geral.
Em outras palavras, mais direitos fundamentais representam um aumento na exigência referente ao dever fundamental de pagar impostos. Considerar o mínimo existencial como algo que ele não é, no sentido de superestimá-lo, implica na consequentemente a majoração das despesas do Estado, que se refletem, por sua vez, necessariamente no aumento da carga de impostos. É exatamente neste sentido que José CASALTA NABAIS postula “menos direitos fundamentais, melhores direitos fundamentais”. 179
A extrapolação do limite do Estado como arrecadador e como controlador (regulamentador) torna a sociedade economicamente incapaz de produzir e de desempenhar as atividades que lhe cabem, colocando em cheque a própria fonte de financiamento de sua receita. O Estado invade, desta maneira, uma importante esfera inerente à sociedade, pois suprime a primazia da liberdade dos indivíduos. O Estado passa a não ser mais Fiscal, pois assume características de Estado Patrimonial, de Estado Proprietário, já que o Estado Fiscal pressupõe uma separação entre Estado e Sociedade e entre Estado e Economia. Acaba por destruir sua própria base que lhe imprime a característica de Estado Fiscal, que são justamente os indivíduos e grupos autônomos com capacidade produtiva e, por conseguinte, contributiva. Nesta hipótese, o Estado passa a descartar o princípio da subsidiariedade. 180
Isto posto, faz-se lícito dizer que a efetividade dos direitos fundamentais depende, como imprescindível condição, do reconhecimento dos fatores da realidade que os (de)limitam, quer seja por parte da classe política e das demais autoridades públicas, quer por parte dos operadores do direito de modo geral. Em outras palavras, só são fundamentais aqueles direitos que são aplicáveis.
Estes limites de aplicabilidade são, por um lado, de natureza ética, pertinentes à justiça, que se transfiguram sob a forma do princípio da subsidiariedade; e, por outro, de natureza financeira e econômica (limitação fática), referentes ao princípio da reserva do possível. Não quer dizer, todavia, que a subsidiariedade não se preocupe com os mais variados aspectos da economia, ou que não importe à reserva do possível as considerações éticas, concernentes à justiça.
Dado que vivemos num mundo, nas palavras de José ORTEGA Y GASSET, “determinado que não pode ser trocado”, e sendo “a dimensão de fatalidade que integra nossa vida”181 ou “o conjunto das possibilidades vitais”182, ele é limitado pelas circunstâncias e possibilidades, nas quais necessáriamente implicará uma escolha.183 E assevera o filósofo que não são as circunstâncias que decidem, mas, “ [...]Ao contrário: as circunstâncias são o dilema, sempre novo, ante o qual temos que nos decidir. Mas o que decide é o nosso caráter.”184
Estas escolhas a que se refere o filósofo servem igualmente para a vida coletiva e para o Poder Público e, consequentemente, para a aplicação dos direitos fundamentais. As escolhas, diante das circunstâncias que nos são impostas, podem relacionar-se com o princípio da reserva do possível, eis que estas circunstâncias compõem as limitações materiais (fáticas), ao passo que as escolhas são correlatas às vias de efetivação dos direitos fundamentais. O caráter (conteúdo ético) de tais escolhas, deve sempre visar ao bem comum, à dignidade humana, tendo em vista, in casu, o princípio da subsidiariedade, bem como os demais princípios de justiça, como o da solidariedade.
Daí a necessidade de conhecer a realidade, levando-se em consideração todo o tônus histórico que ela carrega, tendo em vista o conhecimento mais exato possível das circunstâncias, com o fito de se adotar a melhor escolha possível para cada contexto. A compreensão histórica é necessária na medida em que é pressuposta para a compreensão das circunstâncias –possibilidades- presentes e futuras; portanto, é condição essencial ao próprio conhecimento da realidade, no que implicam as escolhas em dado contexto, e quais as conseqüências destas escolhas.
Ante tais considerações é que se pretende inserir as lições expostas pelo economista austríaco HAYEK, vinculadas justamente às escolhas –públicas- adotadas e suas respectivas conseqüências na ordem social. É salutar que o Estado tenha a subsidiariedade como princípio, e quando à luz deste princípio se legitimar a intervenção estatal na sociedade, as escolhas devem ser tomadas com a máxima precaução, tendo em vista a preservação da liberdade e da autonomia dos indivíduos e das comunidades menores.
Salienta-se que dita precaução não deve ser tomada apenas num contexto isolado de cada tipo de intervenção, mas também sob um ponto de vista conjuntural. São duas questões a serem levantadas: uma relativa à subsidiariedade, outra à reserva do possível. Sob o prisma deste princípio, as intervenções devem ser analisadas em conjunto porque elas sempre implicam gastos por parte do Estado
, fato que pode inviabilizar a aplicação de todas as quais, mas não delas quando individualizadamente consideradas.
no que tange ao princípio da subsidiariedade, pode não se verificar sua violação caso sejam consideradas tão-só as intervenções de formas isoladas, mas quando analisadas sob um ângulo mais abrangente. Ou seja, a autonomia e a espontaneidade sociais poderão restar sacrificadas justamente em virtude das várias intervenções que tolhem parcela da liberdade e/ou que implicam gastos. Exemplo disto é a já frisada carga tributária muito além do razoável resultante da necessidade de custeio da estrutura do Estado. Deste modo, a liberdade e a autonomia da sociedade são afetadas ou suprimidas, pois a extrapolação do limite referente ao dever de pagar impostos implica, como já salientado anteriormente, a anulação do Estado Fiscal.
Há que se frisar, ademais, que a efetivação dos direitos fundamentais negativos e positivos, bem como os sociais e os referentes às liberdades, pressupõe condições básicas para que uns não excluam os outros, mas, ao contrário, para que se complementem, tendo como finalidade o bem comum, os princípios de justiça, a dignidade humana.


4. CONSIDERAÇÕES FINAIS


Se o presente trabalho tivesse que se restringir a uma única mensagem ou a uma breve síntese não haveria melhor proposição senão a do filósofo Julián Marías: “Há algo que não se pode sacrificar, porque significa uma violência exercida sobre uma coisa que tem os direitos fundamentais: a realidade. Esta é irrenunciável e, se lhe é infiel, as conseqüências são gravíssimas.” 185
Os princípios da reserva do possível e da subsidiariedade, neste sentido, são instrumentos para confrontar a realidade à efetivação dos direitos fundamentais. A partir do princípio da reserva do possível há que se enfatizar a necessidade de manter a “fonte produtora” de bens materiais pertinentes à efetivação dos direitos fundamentais: a economia. A economia de mercado, típica do Estado Fiscal, que propicia ao Estado a sua principal fonte de receitas para a instituição de políticas públicas: os impostos. Sob nenhum pretexto os direitos fundamentais poderão ser sacrificados em sua substância para a efetivação dos próprios direitos fundamentais. Igualmente se deve dizer dos impostos: estes não podem sacrificar a si mesmos, o que ocorre quando atingem patamares tão elevados que sufocam as suas próprias fontes.
A presença do Estado, por seu turno, deve respeitar a autonomia dos indivíduos e das comunidades. O princípio da subsidiariedade, nesta esteira, vem para afastar tanto as concepções individualistas quanto as coletivistas de sociedade, reconhecendo o valor da dignidade humana e dos direitos da personalidade sem, no entanto, desprezar o valor da comunidade.
Questão mais penosa, todavia, é indagar sobre quais são os direitos fundamentais que merecem o status de fundamentais? Dentre os direitos fundamentais, quais são, afinal, seus núcleos essenciais inafastáveis? Quais as dimensões que definem o mínimo existencial?
Não há resposta definitiva e acabada, sobretudo no presente trabalho, ainda que tais conceitos necessitem de um mínimo de objetividade. É certo que uma das premissas essenciais para a resposta de tais indagações é, como bem já se ressaltou, a análise da realidade. Esta também não é passível de ser conhecida integralmente; mas parcialmente ela é. Para tanto, é imprescindível para a efetivação dos direitos fundamentais o estudo da realidade a partir da história, da filosofia, da teologia, da economia, e de tantas outras ciências.

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1 SARLET, I. W. Eficácia dos Direitos Fundamentais. 7ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 39
2 Nesta acepção, a expressão ‘direitos fundamentais’ deve ser tomada em sentido amplo e de forma geral, como raiz filosófica dos positivados direitos fundamentais, sendo, neste caso, ora sinônimo de direito natural, ora de direitos humano. Em momento mais oportuno serão analisadas as principais terminologias e definições.
3 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Estado de Direito e Constituição: 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 6
4 SARLET, I. W. Eficácia dos Direitos Fundamentais. 7ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 39
5 Nesta esteira, Michel VILLEY “Durante toda a sua vida espiritual, o cristão deixa de ser parte do organismo político, ele é um todo, um valor em si. Ele mesmo é um fim superior aos fins temporais da política, e sua pessoa transcende o Estado. Daqui provêm os germens das liberdades que serão opostas ao Estado nos futuros “direitos do homem”. VILLEY, Michel . Filosofia do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 127
6 Faz-se necessária a compreensão de que a cultura judaico-cristã e greco-romana não se estabilizou na Europa de uma hora para outra, mas foi fruto se um processo que durou séculos. A cultura pagã dominou a Europa durante considerável parte da idade média.
7 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional. 29 ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 152
8 Ibidem, p. 152
9 A construção doutrinária acerca das dimensões serão abordadas a seguir, concomitantemente aos períodos históricos a cada qual correspondentes.
10FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Estado de Direito e Constituição. 4ª ed. São Paulo. Saraiva, 2007, p. 23
11“We hold these truths to be self-evident, that all men are created equal, that they are endowed by their Creator with certain unalienable Rights, that among these are Life, Liberty and the pursuit of Happiness.” (tradução livre) Disponível na Internet: http://www.ushistory.org/declaration/document/index.htm. Acesso em: 20 de abril de 2009
12 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional. 29 ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 155
13 Ibidem, p.157
14 Ibidem, p.158
15 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 19
16 A Constituição mexicana de 1917 já contemplava em seu texto os direitos fundamentais sociais.
17 “La Constituición de Weimar ha sido, durante mucho tiempo, el texto inspirador de las cartas constitucionales que han tentado conjugar en su sistema de derechos fundamentales las libertades con los derechos econômicos, sociales y culturales.” (LUNO, Antonio E. Perez Los Derechos Fundamentales. 8 ed. Madrid. Tecnos, 2004, p. 40)
18 Vale frisar que os apontamentos históricos não se esgotam neste capítulo, mas, ao contrário, sempre serão utilizados conforme se faça oportuno.
19 No original, “(...) derechos humanos aparecen como un concepto de contornos más amplios e imprecisos que la noción de derechos fundamentales” LUNO, Antonio E. Perez Los Derechos Fundamentales. 8 ed. Madrid. Tecnos, 2004, p. 46
20 Para os fins desta monografia, para afastar qualquer confusão, os termos direitos fundamentais e direitos humanos são utilizados como sinônimos, embora a doutrina discuta sobre diferenças na natureza de cada qual. Também serão entendidas como direitos fundamentais e, caso se faça oportuno, explicadas, as terminologias direitos públicos subjetivos, liberdades públicas, liberdades individuais, etc.
21 Ibidem, p. 20
22 MENDES, Gilmar. Os direitos fundamentais e seus múltiplos significados na ordem constitucional. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, nº. 10, janeiro, 2002. Disponível na Internet: . Acesso em: 20 de abril de 2009
23 No original: “En su significación axiológica objetiva, los derechos fundamentales representan el resultado del acuerdo básico de las diferentes fuerzas sociales, logrando a partir de relaciones de tensión y de los consieguintes esfuerzos de cooperación encaminados al logro de metas comunes. sistema de derechos fundamentales las libertades con los derechos econômicos, sociales y culturales.” (LUNO, Antonio E. Perez Los Derechos Fundamentales. 8 ed. Madrid. Tecnos, 2004, p. 21)
24 MENDES, Gilmar. Os direitos fundamentais e seus múltiplos significados na ordem constitucional. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, nº. 10, janeiro, 2002. Disponível na Internet: . Acesso em: 20 de abril de 2009
25 No original, “determinan el estatuto jurídico de los ciudadanos, lo mismo en sus relaciones con el Estado que en sus relaciones entre si. Tales derechos tienden, por tanto, a tutelar la libertad, autonomia y seguridad de la persona no solo frente al poder, sino también frente a los demás miembros del cuerpo social.” (LUNO, Antonio E. Perez Los Derechos Fundamentales. 8 ed. Madrid. Tecnos, 2004, p. 22)
26 Ainda, continua o autor: “enquanto direitos subjetivos, os direitos fundamentais outorgam aos titulares a possibilidade de impor os seus interesses em face dos órgãos obrigados.”MENDES, Gilmar. Os direitos fundamentais e seus múltiplos significados na ordem constitucional. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, nº. 10, janeiro, 2002. Disponível na Internet: . Acesso em: 20 de abril de 2009.
27 LUNO, Antonio E. Perez Los Derechos Fundamentales. 8 ed. Madrid. Tecnos, 2004, p.174
28 DIMOULIS, Dimitri, MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais 1ª ed. São Paulo: RT, 2006, p. 63
29 Nesse sentido, os autores ressaltam a importância das classificações propostas por Jellinek: “Se denominarmos a esfera do Estado com a letra E a esfera de cada indivíduo(titular de direito) com a letra I, podemos distinguir três categorias ou espécies de direitos fundamentais conforme o relacionamento entre E e I. Esta tipologia permite estabelecer uma distinção entre direitos negativos (de resistência), os direitos sociais e os direitos políticos, conforme as definições dadas por Jellinek nos finais do século XIX e utilizadas pela doutrina contemporânea.” 64 A presente monografia elegeu esta discussão como ponto central, e, por isso, mais a frente se discutirá minuciosamente a problemática da interação entre Estado e Indivíduo, ou melhor, entre Estado e Sociedade. Ibdem, p. 64
30 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio.; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 255
31 DIMOULIS, Dimitri, MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais 1ª ed. São Paulo: RT, 2006, p. 64-71
32 Cumpre salientar, ainda nas palavras do autor que “a essência do direito está na proibição imediata de interferência imposta ao Estado. Trata-se de um direito negativo, pois gera a obrigação negativa endereçada ao Estado de deixar de fazer algo. Trata-se de uma obrigação de abster-se da intervenção na esfera de liberdade garantida pela Constituição. (imperativo de omissão – unterlassungsgebot)” Ibdem, p.65
33 No original, “conporta el reconocimentode una esfera de libertad individual negativa de los ciudadanos”. Imperioso acrescentar, nas palavras do autor: “De ahí que, pese a la intima conexión existente entre este conjunto de derechos , se pueda trazar uma distinción entre aquellos que prioritariamente se dirigen a la afirmación de la integridad moral de la persona, como expresiones concretas de su dignidad, y aquellos otros que persiquen la protección de su integridad física y el despliegue de su libertad” (LUNO, Antonio E. Perez Los Derechos Fundamentales. 8 ed. Madrid. Tecnos, 2004 p 24)
34 Ibdem, p. 67- 68
35 Ibdem, p. 178
36 A possibilidade de participação dos indivíduos nos processos de decisão do Estado e de “pedir contas”já eram previstas nas Declarações e Constituições do séc XVIII. Os direitos políticos sempre constituíram a base do regime democrático, segundo o brocardo governo do povo pelo povo” (Ibdem, p. 68)
37 Os direitos fundamentais de terceira dimensão trazem algumas particularidades, como a titularidade passiva. Segundo Gilmar Mendes, “os direitos fundamentais de terceira dimensão peculiarizam-se pela titularidade difusa ou coletiva, uma vez que são concebidos para proteção não do homem isoladamente, mas de coletividades, de grupos. Tem-se, aqui, o direito à paz, ao desenvolvimento, à qualidade do meio ambiente, à conservação do patrimônio histórico e cultural.” (MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio.; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 234)
38 Segundo os autores: “a Declaração francesa de 1793 (pertencente à Constituição jacobina da fase radical de esquerda da Revolução Francesa) garantia a assistência aos necessitados como uma “dívida sagrada” da sociedade e o direito de acesso à educação(arts. 21 e 22)” (DIMOULIS, Dimitri, MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais 1ª ed. São Paulo: RT, 2006, p. 35)
39 TORRES, Ricardo Lobo, Direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 7.
40. Neste sentido, “isso indica que é inexato se referir a gerações dos direitos fundamentais, considerando que os direitos sociais sejam posteriores aos direitos de inspiração liberal-individualista ou que estes tenham substituído, ultrapassado os direitos fundamentais clássicos da dita primeira geração liberal-individualista. Não há dúvida que a parcela do orçamento estatal dedicada ao financiamento dos direitos sociais após Segunda Guerra Mundial é bem maior do que aquelas de inícios dos séculos XIX. Mas essa é uma alteração quantitativa, que indica uma mudança nas políticas públicas, e não de uma inovação no âmbito dos direitos fundamentais, cuja teoria e prática conheceram, desde o início do constitucionalismo, os direitos sociais.”, Ibdem p. 35
41 TORRES, Ricardo Lobo, Direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 08
42 “A proteção do mínimo existencial, sendo pré-constitucional, está ancorada na ética e se fundamenta na liberdade, ou melhor, nas condições iniciais para o exercício da liberdade, na idéia de felicidade, nos direitos humanos e nos princípios da igualdade e da dignidade humana.”, Ibidem p. 13
43 TORRES, Ricardo Lobo, Direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 14
44 A efetivação dos direitos fundamentais através das normas infraconstitucionais dos diversos ramos do direito serão objeto de analise em capítulo posterior.
45 TORRES, Ricardo Lobo, Direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 83-84
46 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio.; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 294
47 Ibidem p.295
48 TORRES, Ricardo Lobo, Direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009 p. 90
49 Ibdem p. 317
50 No original, o núcleo essencial “equivale a la naturaleza jurídica de cada derecho que se considera preexistente al momento legislativo; en este sentido se puede hablar de una recognoscibilidad de ese tipo abstracto en la regulación concreta, de forma que los especialistas en Derecho pueden responder si lo que el legislador ha regulado se ajusta o no a lo que generalmente se entiende por un derecho de tal tipo [...]” (LUNO, Antonio E. Perez Los Derechos Fundamentales. 8 ed. Madrid. Tecnos, 2004 p.77)
51 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio.; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008 p. 317
52 LUNO, Antonio E. Perez Los Derechos Fundamentales. 8 ed. Madrid. Tecnos, 2004 p. 77
53 Nas palavras de Gilmar Mendes, a crítica às teorias se desenvolve da seguinte forma: “ É verdade que a teoria absoluta , ao acolher uma noção material do núcleo essncial, insuscetível de redução por parte do legislador, pode converter-se, em muitos casos, numa fórmula vazia, dada a dificuldade ou até mesmo a impossibilidade de se demonstrar ou caracterizar in abstracto a existência desse mínimo essencial. É certo, outrossim, que a idéia de uma proteção ao núcleo essencial do direito fundamental, de difícil identificação, pode ensejar o sacrifício do objeto que se pretende proteger. Não é preciso dizer também que a idéia de núcleo essencial sugere a existência clara de elementos centrais ou essenciais e elementos acidentais, o que não deixa de preparar significativos embaraços teóricos e práticos. [...] Por seu turno, a opção pela teoria relativa pode conferir uma flexibilidade exagerada ao estatuto dos direitos fundamentais o que acaba por descaracteriza-los como princípios centrais do sistema constitucional. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio.; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008 p. 317-318
54 TORRES, Ricardo Lobo, Direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009 p. 90
55 Traduzido do original: “Estos métodos de delimitar el contenido esencial no son alternativos, sino que se pueden considerar complementarios, de modo que, al enfrentarse con la determinación del contenido esencial de todo concreto derecho, pueden ser conjuntamente utilizados, para contrastar los resultados a los que por una u otra vía pueda llegarse.” (LUNO, Antonio E. Perez Los Derechos Fundamentales. 8 ed. Madrid. Tecnos, 2004. p. 77)
56 TORRES, Ricardo Lobo, Direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009 p. 43
57 O autor enumera as principais características da seguinte forma: “a) todos os direitos sociais são direitos fundamentais sociais; b) os direitos fundamentais sociais são plenamente justificáveis, independentemente da intermediação do legislador; c) os direitos sociais fundamentais são interpretados de acordo com os princípios da interpretação constitucional, tais como os da máxima efetividade, concordância prática e unidade da ordem jurídica.” Ibidem p. 45
58 Ibidem p. 53
59 Ibdem p. 42
60 O tema será desenvolvido em capítulo próprio.
61 NABAIS, José Casalta. Por Um Estado Fiscal Suportável: estudos de direito fiscal. Coimbra: Almedina, 2005 p. 10
62 Ibidem p. 13
63 “[...]deveres jurídicos do homem e do cidadão que, por determinarem a posição fundamental do indivíduo, têm especial significado para a comunidade e podem por esta ser exigidos. Uma noção que, decomposta com base num certo paralelismo com o conceito de direitos fundamentais, nos apresentam deveres fundamentais como posições jurídicas passivas, autônomas subjetivas individuais, universais e permanentes e essenciais NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Imposto. 3ª ed. Coimbra: Almedina, 2007 p. 64
64 Ibidem p. 31
65 Ibdem p. 19
66 Ibdem p.15
67 Ibdem p. 16-17
68 Ibdem p. 19

69 ORTEGA Y GASSET, José A rebelião das Massas. Martins Fontes, São Paulo, 2002 p. 41-48
70 Nas palavras do autor, “[...] eu nunca disse que a sociedade humana deve ser aristocrática, mas muito mais que isso. Disse e continuo acreditando, cada dia com mais convicção, que a sociedade humana é sempre aristocrática, queira ou não, por sua própria essência, a ponto de ser sociedade na medida em que é aristocrática, e deixa de sê-lo na medida em que se desaristocratiza.” Ibidem p.50
71 Ibdem p. 52
72 Nesse sentido, Ortega y Gasset expõe “[...] as massas conhecem e empregam hoje, com relativa eficiência, muitas das técnicas que antes só eram empregadas por indivíduos especializados. E não só as técnicas materiais, como também, o que é mais importante, as técnicas jurídicas e sociais. No século XVII, certas minorias descobriram que todo ser humano, pelo simples fato de nascer, e sem necessidade de nenhuma qualificação especial, possuía certos direitos políticos fundamentais, os chamados Direitos do Homem e do Cidadão, e que, a rigor, esses direitos comuns são os únicos existentes. [...] A soberania do indivíduo não qualificado, do indivíduo humano genérico e como tal, passou de idéia ou ideal jurídico que era a um dote psicológico constitutivo do homem médio. E note-se bem: quando algo que foi ideal torna-se ingrediente da realidade deixa, inexorávelmente, de ser ideal. O prestígio e a magia autorizante, que são seu efeito sobre o homem, se volatizam. Os direitos niveladores da generosa inspiração democrática se converteram, de aspirações e ideais, em apetites e supostos inconscientes. Pois bem, o sentido daqueles direitos não era outro senão o de libertar aquelas almas humanas de sua servidão interior e proclamar dentro delas uma certa consciência de domínio e dignidade.” Ibdem p. 53
73 Esta passagem, em especial, faz jus a uma transcrição literal no corpo do texto. Qualquer tentativa de resumi-la sacrificaria a originalidade e o brilhantismo do raciocínio do filósofo espanhol. Ibdem p. 65-66
74 Ibidem. p. 121
75 Ibidem p. 122
76 Ibidem p. 89
77 Será deveras pertinente estabelecer uma conexão entre esta abordagem e a reserva do possível, a ser desenvolvida na terceira parte desta monografia. Ibidem p. 77-83
78 Ibidem. p. 78
79 Ainda, o filósofo complementa que “[...]é falso dizer que são as “circunstâncias que decidem”. Ao contrário: as circunstâncias são o dilema, sempre novo, ante o qual temos que nos decidir. Mas o que decide é o nosso caráter.” Idem
80 TORRES, Ricardo Lobo, Tratado de Direito Constitucional: Financeiro e Tributário. 15ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009 p. 11
81 Idem
82 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007 p. 14
83 ORTEGA Y GASSET, José A rebelião das Massas. Martins Fontes, São Paulo, 2002 p. 15
84 Ibidem p. 82
85 Idem
86 Por óbvio, a acessibilidade neste caso é relativa. Mesmo para as classes mais baixas, os bens essenciais à subsistência são mais acessíveis que para a população pobre de um século atrás, por exemplo.
87 Faz-se jus a transcrição, neste ínterim, do texto original: “por mais rico que um indivíduo fosse em relação aos demais, como a totalidade do mundo era pobre, a esfera de facilidades e comodidades que sua riqueza podia proporcionar era muito reduzida. A vida do homem médio de hoje é mais fácil, cômoda e segura que a do mais poderoso homem de outros tempos. O que importa não ser mais rico que os outros se o mundo lhe proporciona magníficos caminhos, estradas de ferro, telégrafo, hotéis, segurança física e aspirina?”ORTEGA Y GASSET, José A rebelião das Massas. Martins Fontes, São Paulo, 2002 p. 88
88 TORRES, Ricardo Lobo, Tratado de Direito Constitucional: Financeiro e Tributário. 15ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009 p. 13
89 Ibidem pg -71-72
90 GALDINO, Flávio. Introdução à teoria dos Custos dos Direitos: Direitos não nascem em árvores. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005 p.153-155
91 NICZ, Alvacir Alfredo; DINIZ, Cláudio Smirne. O desenvolvimento econômico segundo o pensamento neoliberal e seus reflexos nas Emendas à Constituição da República de 1988. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 6, n. 24, p. 9-23, out/dez.. 2008
92 TORRES, Ricardo Lobo, Tratado de Direito Constitucional: Financeiro e Tributário. 15ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009 p. 70-73
93 Ricardo Lobo, Direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009 p. 44-48
94 Idem
95 Segundo o autor, “[...] o texto da Lei Fundamental brasileira –ao contrário da alemã- não permite tal interpretação. O Poder Constituinte de 1988, face aos enormes desafios do poder público na área social, inseriu uma vasta gama de direitos sociais, localizando-os no Capítulo II (“Dos Direitos Sociais”) do Título II da Carta, denominado “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”. KRELL, Andréas J. Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos de um direito constitucional comparado. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 2002, p. 49
96 TORRES, Ricardo Lobo, Tratado de Direito Constitucional: Financeiro e Tributário. 15ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p.13-14
97 Ibidem, p. 16
98 Ibidem p. 13-16
99 Ibidem p. 13-16
100 TIMM, Luciano Benetti; MACHADO, Rafael Bicca Direito, Mercado e Função Social. http://www.viadesignlabs.com/lawandeconomics/Direito_Mercado_Funcao_Social.pdf .Acesso em 19/08/2009
101 TIMM, Luciano Benetti; SCHAFER, Hans-Bernd; COOTER, Robert. Direito e Desenvolvimento: qual a melhor política pública para o Estado dirigir o Desenvolvimento? http://www.cmted.com.br/restrito/upload/artigos/38.pdf Acesso em 19/08/2009.
102 Ibiden
103 Ibiden
104 NICZ, Alvacir Alfredo; DINIZ, Cláudio Smirne. O desenvolvimento econômico segundo o pensamento neoliberal e seus reflexos nas Emendas à Constituição da República de 1988. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 6, n. 24, p. 9-23, out/dez.. 2008
105 MOREIRA, Egon Bockmann. Desenvolvimento econômico, políticas públicas e pessoas privadas (passado, presente e futuro de uma perene transformação) Revista de Direito do Estado – RDE, Rio de Janeiro, ano 3, n. 10, p. 195-222, abr/jun. 2008
106 NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Imposto. 3ª ed. Coimbra: Almedina, 2007 p. 97
107 Ibidem. P. 119
108 Ibidem p. 185
109 Ibidem p. 185
110 Ibidem p. 186
111 Ibidem p. 192-193
112 Ibidem p. 193
113 Ibidem p. 195
114 De acordo com NABAIS, “A “estadualidade fiscal” significa, pois, uma separação fundamental entre o Estado e a economia e a conseqüente sustentação financeira daquele através da sua participação nas receitas da economia produtiva pela via do imposto. Só essa separação permite que o estado e a economia actuem segundo critérios próprios ou autônomos.O Estado está orientado pelo interesse geral ou comunitário da realização da justiça, critério que pode falhar uma vez que nem sempre o mesmo é suficientemente claro, para além das vias para a sua efetivação não estarem totalmente isentas de conduzirem a avaliações erradas ou mesmo a confusões do interesse geral com os interesses particulares.” (NABAIS, José Casalta. Por Um Estado Fiscal Suportável: estudos de direito fiscal. Coimbra: Almedina, 2005 p. 47)
115 Será mais oportuno estabelecer considerações acerca do assunto no desenvolvimento do princípio da subsidiariedade.
116 NABAIS, José Casalta. Por Um Estado Fiscal Suportável: estudos de direito fiscal. Coimbra: Almedina, 2005 p. 52
117 Ibidem p. 63
118 Ibidem p.52
119 “Não podem ser colocados numa frasquia tão baixa que equivalha, ao fim e ao cabo, abandonar os contribuintes à “ferocidade” do fisco, o que ocorrerá seguramente se a tributação, de alguma maneira, se aproximar da verificação da chamada “lei do bronze do imposto”, segundo a qual “ao particular deve ser deixado só o mínimo necessário para o seu consumo de modo que junto dele não se possa constituir qualquer energia econômica potencial”Ibidem p. 52-53
120 Ibidem. p. 45-49
121 Trata-se de um dos maiores economistas do século XX. Foi vencedor do prêmio Nobel de economia em 1974, sendo sua mais famosa obra “Os Caminhos da Servidão”, tendo também escrito sobre direito, sobretudo no livro “Direito, Legislação e Liberdade”. Foi um notável teórico e defensor do liberalismo, ou o que se convencionou chamar de neoliberalismo. A presente monografia não visa adotar a teoria integral sobre o liberalismo do autor, tampouco defende um Estado “Ultra-Mínimo”. Antes busca alguns elementos críticos sobre as idéias de liberdade e de intervenção do Estado na sociedade. Convém asseverar que as noções de liberdade expostas pelo autor austríaco não se restringem tão-só à esfera econômica: muito mais que isso, trata-se do direito fundamental à liberdade em sentido amplo, que inclui a liberdade econômica.
122 HAYEK, F. V. Direito, Legislação e Liberdade: uma nova formulação dos princípios liberais de justiça e economia política. v.1 São Paulo: Visão, 1985. p. 43
123 Ibidem p. 43
124 Ibidem p..48-49
125 Ibidem. p.. 49-50
126 NICZ, Alvacir Alfredo; DINIZ, Cláudio Smirne. O desenvolvimento econômico segundo o pensamento neoliberal e seus reflexos nas Emendas à Constituição da República de 1988. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 6, n. 24, p. 9-23, out/dez.. 2008
127 Nesse sentido, o economista frisa que “[E]mbora provavelmente todo aperfeiçoamento benéfico deva ser feito pouco a pouco, se cada passo não for orientado por um corpo de princípios coerentes o resultado tenderá a ser uma supressão da liberdade individual.” HAYEK, F. V. Direito, Legislação e Liberdade: uma nova formulação dos princípios liberais de justiça e economia política. v.1 São Paulo: Visão, 1985.
p. 63
128 Ibidem p. 65
129 “[A] idéia de que não temos inteira liberdade de escolha e seguir qualquer combinação de características que desejamos conferir à nossa sociedade, ou de agregá-las num conjunto viável –ou seja, de que não podemos compor uma ordem social desejável como um mosaico, pela seleção dos elementos de nossa preferência, e que muitas medidas bem-intencionadas podem ter uma longa série de conseqüências imprevisíveis e indesejáveis -, parece intolerável ao homem moderno. Foi-lhe ensinado que pode alterar à vontade tudo o que ele mesmo fez e, inversamente, que tudo que é capaz de alterar deve também ter sido feito por ele. Ainda não aprendeu que essa idéia ingênua deriva da ambigüidade da palavra ’feito’[...]” Ibidem p. 66-67
130 Ibidem p. 68-69
131 NICZ, Alvacir Alfredo; DINIZ, Cláudio Smirne. O desenvolvimento econômico segundo o pensamento neoliberal e seus reflexos nas Emendas à Constituição da República de 1988. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 6, n. 24, p. 9-23, out/dez.. 2008
132 NABAIS, José Casalta. Por uma Liberdade com Responsabilidade. Lisboa: Coimbra editora, 2007, p. 87
133 Ibidem p. 88
134 Ibidem p. 88-89
135 Ibidem p. 89-90
136 Ibidem p. 91-92
137 Ibidem p. 93-95
138 Ibidem p. 95-97
139 Ibidem p. 97-98
140 FABER TORRES, Silvia. O Princípio da Subsidiariedade no Direito Público Contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001 p. 1-3
141 Neste sentido, Silvia FABER TORRES expõe de forma mais minuciosamente o tema: “[A] alternativa que se vislumbra para que se estabeleça um equilíbrio entre a ideologia interventiva e a supressora do Estado na ordem econômica e social, a revelar um novo paradigma de legitimidade do papel do Estado, é resgatada da doutrina social da Igreja Católica, que concebe o princípio da subsidiariedade como justificativa de substituição do Estado de Bem-Estar Social, hoje em refluxo, em homenagem à valorização da sociedade e à liberdade humana, que têm como pressuposto a livre iniciativa e a responsabilidade dos indivíduos e grupos menores no exercício de seus direitos e obrigações. [...] O princípio da subsidiariedade vem contribuir para o estabelecimento de uma relação equilibrada entre o poder público e os cidadãos e, de um ponto de vista jurídico, indicar os parâmetros para uma distribuição subsidiária das competências e de poderes entre autoridades de distintos níveis, públicas ou não, visando ao atendimento das demandas sociais de modo mais eficiente, observando, sempre, os valores e vontades da sociedade.” Ibidem p. 3
142 Ibidem p. 7
143 Senão vejamos, in verbis, o exposto na Encíclica: “[D]issemos que não é justo que o indivíduo ou a família sejam absorvidos pelo Estado, mas é justo, pelo contrário, que aquele e esta tenham a faculdade de proceder com liberdade, contando que não atentem contra o bem geral, e não prejudiquem ninguém. Entretanto, aos governantes pertence proteger a comunidade e as suas partes: a comunidade, porque a natureza confiou a sua conservação ao poder soberano, de modo que a salvação pública não é somente aqui a lei suprema, mas é a própria a causa e a razão de ser do principado; as partes, porque, de direito natural, o governo não deve visar só os interesses daqueles que têm o poder nas mãos, mas ainda o bem dos que lhe estão submetidos. Tal é o ensino da filosofia, não menos que da fé cristã. Por outra parte, a autoridade vem de Deus e é uma participação da Sua autoridade suprema; desde então, aqueles que são os depositários dela devem exercê-la à imitação de Deus, cuja paternal solicitude se não estende menos a cada uma das criaturas em particular do que a todo o seu conjunto. Se, pois, os interesses gerais, ou o interesse duma classe em particular, se encontram ou lesadós ou simplesmente ameaçados, e se não for possível remediar ou obviar a isso doutro modo, é de toda a necessidade recorrer à autoridade pública. PAPA LEÃO XIII, Rerum Novarum. Extraída do site:
144 [...]assim como é injusto subtrair aos indivíduos o que eles podem efectuar com a própria iniciativa e indústria, para o confiar à colectividade, do mesmo modo passar para uma sociedade maior e mais elevada o que sociedades menores e inferiores podiam conseguir, é uma injustiça, um grave dano e perturbação da boa ordem social. O fim natural da sociedade e da sua acção é coadjuvar os seus membros, não destruí-los nem absorvê-los. PAPA PIO XI, Quadragesimo Anno Extraída do site: http://www.vatican.va/holy_father/pius_xi/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_19310515_quadragesimo-anno_po.html, acesso na data de 8/7/2009
145FABER TORRES, Silvia. O Princípio da Subsidiariedade no Direito Público Contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001 p. 15-17
146 Ibidem p. 09
147 Ibidem p. 18-19
148 Ibidem p. 35
149 Ibidem p. 68
150 Ibidem p. 69-70
151 Ibidem p. 72
152 Ibidem p. 73-80
153 Ibidem p. 76
154 Ibidem p. 81-83
155 Ibidem p. 83-88
156 Ibidem p. 88- 92
157 Ibidem p. 152-153
158 NABAIS, José Casalta. Por Um Estado Fiscal Suportável: estudos de direito fiscal. Coimbra: Almedina, 2005 p. 205
159 Ibidem p. 205
160 Ibidem p. 205
162 NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Imposto. 3ª ed. Coimbra: Almedina, 2007 p. 211
163 FABER TORRES, Silvia. O Princípio da Subsidiariedade no Direito Público Contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001 p. 211-212
164 JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público, São Paulo, Dialética, 2003, p. 12.

165 Ricardo Lobo, Direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009 p.103
166 WANG, D. W. L. Escassez de recursos, custos dos direitos e reserva do possível na jurisprudência do STF. Revista Direito GV, v. 4, p. 539-568, 2009. p. 24
167 Esta frase comporta a seguinte tradução: “Nada que custe dinheiro pode ser absoluto” SUSTEIN, Cass; HOLMES, Stephen. The Cost of Rights: Why Liberty Depends on Taxes. Nova Iorque-Londres: Norton, 1999 p. 97
168 Ibiden pg 23-24
169 Ricardo Lobo, Direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009 p. 105
170 GALDINO, Flávio. Introdução à teoria dos Custos dos Direitos: Direitos não nascem em árvores. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. p. 333
171 NABAIS, José Casalta. Por Um Estado Fiscal Suportável: estudos de direito fiscal. Coimbra: Almedina, 2005. p. 51-56
172 Segundo estes autores, “[A]ll rights are claims to an affirmative governmental response. All rights, descriptively speaking, amount to entitlements defined and safeguarded by law. A cease-and-desist order handed down by a judge whose injunctions are regulary obeyed is a good example of government “intrusion” for the sake of individual liberty. But government is involved at an even more fundamental rights that such judges protect. Every thou-shalt-not, to whomever it is addressed, implies both an affirmative grant of right by the state and legitimate request for assistance addressed to an agent of the state.” SUSTEIN, Cass; HOLMES, Stephen. The Cost of Rights: Why Liberty Depends on Taxes. Nova Iorque-Londres: Norton, 1999 p. 44
173 José Casalta NABAIS ressalta, nesse sentido, que “[...]os custos dos direitos sociais concretizam-se em despesas públicas com imediata expressão na esfera de cada um de seus titulares, uma esfera que assim se aplica na exacta medida dessas despesas. Uma individualização que torna tais custos particularmente visíveis tanto do ponto de vista de quem os suporta, isto é, do ponto de vista do estado, ou melhor, dos contribuintes, como do ponto de vista de quem deles se benificia, isto é, do ponto de vista dos titulares dos direitos sociais.” NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Imposto. 3ª ed. Coimbra: Almedina, 2007 p. 31
174 Ainda, acerca do assunto, cumpre destacar novamente os ensinamentos do jurista português: “[J]á os custos dos clássicos direitos e liberdades se materializam em despesas do estado com a sua realização e protecção, ou seja, com despesas com serviços públicos adstritos basicamente à produção de bens públicos em sentido estrito. Despesas essas que, não obstante aproveitarem aos cidadãos na razão directa das possibilidades de exercício desses direitos e liberdades , porque não se concretizam em custos individualizáveis junto de cada titular, mas em custos gerais ligados à sua realização e proteção, têm ficado na penumbra ou mesmo no esquecimento” Ibidem p. 22
175 SUSTEIN, Cass; HOLMES, Stephen. The Cost of Rights: Why Liberty Depends on Taxes. Nova Iorque-Londres: Norton, 1999 p. 59-76
176 Ricardo Lobo, Direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009 p.105-106
177 ORTEGA Y GASSET, José A rebelião das Massas. Martins Fontes, São Paulo, 2002 p. 89
178 GALDINO, Flávio. Introdução à teoria dos Custos dos Direitos: Direitos não nascem em árvores. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. p.333

179 NABAIS, José Casalta. Por uma Liberdade com Responsabilidade. Lisboa: Coimbra editora, 2007, p. 87
180 Faz-se jus transcrever o raciocínio de José CASALTA NABAIS: “[A] separação em causa não só permite a realização estadual de interesses gerais, como impede automaticamente que a sua realização subverta o sistema autônomo (livre). É que, tendo o Estado Fiscal um interesse próprio, se bem que indirecto, nas receitas da economia, ele não pode, a título das suas tarefas de controlo e correcção ou a qualquer outro, afectar inteiramente a produtividade da economia. É que as suas missões de ordenação e de providência, assim como seus obectivos sociais e culturais, apenas podem ser prosseguidos se e na medida em que o sector produtivo se mantenha duradouramente numa situação de propiciar os meios necessários às tarefas comunitárias. Pois um estado que, através da regula(menta)cão exarcebada ou de impostos exagerados, estorve, paralize ou destrua a produtividade da economia, destrói-se como estado fiscal, pois que, ao minar a sua base, mina, ao fim e ao cabo, automaticamente a sua própria capacidade financeira. [O] estado fiscal é assim, por natureza, um estado separado da economia e, simultaneamente e por consequência, um estado limitado no que ao domínio econômico concerne. O que, naturalmente, não significa que ele tenha de ser um estado aeconómico, como a doutrina e a teoria de estado do século passado qualificou o estado liberal, ou um estado econômico negativo como hoje se designa o estado oitocentista. Efectivamente, o estado fiscal não está impedido de se assumir como um estado econômico positivo, como é o actual estado capitalista, reconhecido, de resto, tanto por keynesianos como por neoliberais, uma vez que o que distingue estas doutrinas econômicas, quanto ao aspecto aqui em consideração, é tão-só é um maior ou menor grau de intervenção e acção econômica do estado contemporâneo. Nomeadamente, ninguém contesta que este tem de ser o responsável pelo equilíbrio global da economia e que lhe cabe um insubstituível na sua direcção, sobretudo ao nível da macroeconomia. O que o estado fiscal não pode, sob pena de se negar enquanto tal, é atingir uma dimensão tal que ponha em causa o princípio da subsidiariedade ou supletividade do estado no domínio econômico ou, o que é a mesma coisa vista de outro lado, não pode pôr em causa a primazia da liberdade dos indivíduos ou o princípio da repartição.” NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Imposto. 3ª ed. Coimbra: Almedina, 2007 p. 198-199
181 ORTEGA Y GASSET, José A rebelião das Massas. Martins Fontes, São Paulo, 2002 p. 78
182 Ibidem p. 70
183 Ibidem p. 77-78
184 Ibidem p. 78
185 MARÍAS, Julian. Tratado Sobre a Convivência. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 23

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