segunda-feira, 22 de junho de 2015

A Política do Medo

Bastou mais um pavoroso massacre nos Estados Unidos, perpetrado por um psicopata contra uma comunidade absolutamente desarmada, para começarem as campanhas, tanto lá como cá, pedindo maior controle da venda de armas, quando não a sua proibição total.
Se alguém pudesse garantir que tais medidas realmente evitariam novos massacres, essas campanhas até fariam algum sentido e mereceriam meu aplauso.  O problema é que a experiência, mundo afora, demonstra que isso não ocorrerá.  Ao contrário, desarmar a população ordeira só dará mais vantagem aos assassinos.  No caso em tela, por exemplo, é muito provável que, caso houvesse alguém armado no local, além do assassino, a tragédia teria sido menor.
A grande verdade é que, quando o bandido não encontra resistência, ele tem todo o tempo do mundo para agir, inclusive recarregando suas armas quantas vezes achar necessário.  A maior vantagem de um assassino desse tipo é a certeza de que não encontrará adversários pela frente.
Confesso que, para mim, ainda é uma grande incógnita o fato de haver tantos episódios e tragédias semelhantes a esse nos Estados Unidos, mas a lógica nos indica que a explicação não está na alegada facilidade de aquisição de armas pela população. Países como Israel e Suíça, por exemplo, onde o número de armas per capita é semelhante ao da América, os índices de criminalidade, inclusive crimes do tipo em questão, são mínimos.  Se houvesse alguma relação de causalidade, ou mesmo uma mera correlação, entre as duas coisas, certamente aqueles países não escapariam das estatísticas.
Como escrevi alhures, quem quer que pretenda analisar os fatos e as possíveis soluções de forma racional e objetiva precisa, antes de tudo, colocá-los em perspectiva.  Muito embora massacres como aquele sejam cruéis e chocantes, é necessário relativizá-los para saber até que ponto uma ação política restritiva das liberdades individuais, francamente conflitante com alguns princípios constitucionais fundamentais da nação americana, seria realmente necessária, urgente e efetiva.
Vejamos então alguns dados relevantes. No livro “Risco: a Ciência e a Política do Medo“, o jornalista canadense Dan Gardner calculou que a probabilidade de um estudante americano ser assassinado na escola era praticamente irrisória – menos de 1 em 1,5 milhão.  Muitos sequer imaginam, mas nos últimos 30 anos morreram, em média, três vezes mais pessoas atingidas por raios nos EUA do que vítimas de atiradores possessos – 51 a 18 por ano.
Diante desses números, a pergunta lógica é: vale à pena propor medidas restritivas para tentar reduzir ainda mais as ocorrências desses massacres, tendo em vista os eventuais efeitos colaterais indesejáveis dessas medidas?  Em outras palavras, será que o tratamento não seria pior que a doença?
Calcula-se que existam na América 310 milhões de armas não militares nas mãos dos cidadãos (mais de uma arma por cabeça), enquanto o índice de homicídios praticados por tais armas é de cerca de 4 para cada 100.000 pessoas, com tendência fortemente declinante nas últimas décadas. Não dá para avaliar com precisão quantos crimes são evitados, todos os dias, por conta do farto arsenal mantido pela população ordeira, mas a lógica nos induz a pensar que tirar do cidadão honesto a prerrogativa de legítima defesa só dará mais vantagem e confiança aos bandidos.  Senão, vejamos:
No Brasil, o acesso a uma arma, pelo menos legalmente, é muito difícil, quase impossível.  Apesar disso, o índice de homicídios por armas de fogo está na casa dos 20 para cada 100.000 habitantes ou 5 vezes o padrão americano. A experiência brasileira demonstra, portanto, que dificultar a aquisição legal de armas não é sinônimo de mais segurança, muito pelo contrário.
Como muito bem resumiu o Jornal O Estado de São Paulo em editorial de dois anos atrás, “o discurso das campanhas de desarmamento transformou o ato de se defender em uma violência equivalente à cometida pelos bandidos – se não pior, porque os criminosos, de acordo com o sociologuês acadêmico que pauta esse debate, agem porque são vítimas do “sistema”, enquanto os indivíduos que se defendem usando armas de fogo são, estes sim, elementos violentos. Somente neste ano, três inocentes que reagiram a assaltantes armados foram processados por crime de homicídio doloso triplamente qualificado. Em um dos casos, uma senhora de 86 anos cuja casa estava sendo assaltada, em Caxias do Sul (RS), pegou um velho revólver calibre 32 e conseguiu matar o ladrão a tiros. Como a arma não tinha registro, ela foi indiciada e se tornou ré, apesar de ter somente tentado proteger sua vida e seu patrimônio. Trata-se de um episódio exemplar dessa “equalização moral” entre bandidos e vítimas.”
(…)
“O fato é que as campanhas de desarmamento não são a panaceia contra a violência, e a interpretação que se faz da legislação vigente trata o cidadão possuidor de armas como um delinquente. Isso só é possível num país em que as autoridades, para escamotear sua incompetência na área de segurança pública, atribuem a responsabilidade por parte da violência à própria vítima. Os bandidos agradecem.”
Em resumo, políticas públicas não devem ser ditadas no calor das emoções, simplesmente para apaziguar os ânimos mais exaltados, até porque boa parte das pessoas não conhece as estatísticas ou vislumbra os possíveis efeitos colaterais de certas políticas.  O clamor público, quase sempre irracional ou manipulado ideologicamente, nunca foi bom conselheiro.

Sobre o autor

João Luiz Mauad
Administrador de Empresas e Diretor do Instituto Liberal
João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas) e diretor do Instituto Liberal. Escreve para vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora e Gazeta do Povo.
Fonte: Instituto Liberal

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