quarta-feira, 12 de junho de 2013

O que pensa um liberal?


“A liberdade não é um luxo dos tempos de bonança; é, sobretudo, o maior elemento de estabilidade das instituições." - Rui Barbosa

Gustavo Miquelin Fernandes



O presente texto não intenciona definir de modo acabado e completo o que é o pensamento liberal clássico (e nem poderia ter essa estúpida arrogância), apenas intenta introduzir o assunto, desconhecido que é pela maioria, de maneira palatável, direta, sem arrodeios ou linguagem empolada.

Objetiva falar a todos, com linguagem acessível, dado a ausência de escritos neste sentido, e, mais importante, sem ideologias.

Começo com uma boa definição do escritor Carlos Alberto Montaner:

“O liberalismo é um modo de entender a natureza humana e uma proposta destinada a possibilitar que todos alcancem o mais alto nível de prosperidade de acordo com seu potencial (em razão de seus valores, atividades e conhecimentos), com o maior grau de liberdade possível, em uma sociedade que reduza ao mínimo os inevitáveis conflitos sociais. Ao mesmo tempo, o liberalismo se apóia em dois aspectos vitais que dão forma a seu perfil: a tolerância e a confiança na força da razão. Os liberais têm certas idéias – ratificadas pela experiência – sobre como e por que alguns povos alcançam maior grau de eficiência e desenvolvimento, ou a melhor harmonia social, mas a essência desse modo de encarar a política e a economia repousa no fato de não planejar de antemão a trajetória da sociedade, mas em liberar as forças criativas dos grupos e dos indivíduos para que estes decidam espontaneamente o curso da história. Os liberais não têm um plano que determine o destino da sociedade, e até lhes parece perigoso que outros tenham tais planos e se arroguem o direito de decidir o caminho que todos devemos seguir.”

Seu conceito que reputo excelente tem a notável característica de não tratar o liberalismo como um programa, uma fórmula pronta, e sim um modo de compreender os indivíduos, respeitando sua complexidade, não o atrapalhando em seus atos livres, contribuindo assim para seu progresso material e espiritual (no sentido existencial, e não religioso).

Destarte, primeiramente, o liberalismo admite a complexidade do mundo, a existência de relações ainda desconhecidas, e que paira uma grande incerteza  sobre a vida humana, dúvida esta que necessita de estrito cuidado para não se atropelar os indivíduos, nem o curso da História.

Nesse ponto, a Praxeologia, ciência da ação humana tenta dar sua oportuna contribuição.

Para Ludwig von Mises:

“A ação é a vontade posta em funcionamento, transformada em força motriz; é procurar alcançar fins e objetivos; é a significativa resposta do ego aos estímulos e às condições do seu meio ambiente; é o ajustamento consciente ao estado do universo que lhe determina a vida.”

Pisamos em ovos nesse campo e, admitamos, a vida é complexa e de difícil apreensão.

Feita essa pequena digressão, vamos, en passant, estudar um pouco mais o pensamento liberal, em especial suas características essenciais.

Sua nota seminal é liberdade individual. As pessoas devem ser livres, decidirem e agirem como quiserem, sem interferência, quer de particulares, quer do Estado.

Ir, vir, permanecer, ficar, agir, omitir-se.

As pessoas devem agir com a mais ampla liberdade, sem as amarras de qualquer ente fictício controlador, dês que arquem com as conseqüências desses mesmos atos livres (princípio da responsabilidade).

Neste sentido, conceitos como liberdade e responsabilidade são considerados irmãos siameses – umbilicalmente inter-relacionados.

Os indivíduos livres, como é natural que seja, representam a unidade mínima da existência, protagonista da ação hominal da vida de maneira geral e dessa forma devem ser considerados pelo Estado e por qualquer outro particular. O respeito pelo ser  começa por esse formal reconhecimento.

Em contraposição ao individualismo, grassa a doutrina do coletivismo, onde tive oportunidade de escrever em artigo anterior:

“Essa doutrina que faz desprezo à individualidade (o eu) para homenagear um ser imaginário (o nós) é de uma inépcia superior, sem razão de ser. Não se sustenta à mínima especulação filosófica.”

Esta liberdade deve ser a mais amplamente reconhecida, abarcando a de pensar, de crer em qualquer elemento, seja físico ou abstrato (místico, religioso, pagão), de falar, de manifestar-se, se relacionar comercial ou economicamente, liberdade de imprensa, etc. Nem Estado, nem outros indivíduos podem a isso se opor, sendo sempre o cidadão o único responsável por seus atos, sem desculpismos ou outras formas de escusa que o isente das conseqüências de uma lei geral e prévia.

Representa o autocontrole da própria vida, sem ingerências ilegítimas ou arbitrárias. É preciso dar ao individuo o controle do que é exclusivamente seu, seu corpo, veículo de suas potencialidades e seu meio de ação. Inclusive deve ser dado ao ser humano a oportunidade de errar.

E não é apenas a liberdade condicionada, limitada, aquela que o Governo bondosa e gentilmente nos cede; é a liberdade real, total e efetiva.

Isso não significa que não haja Estado presente, atuando. Existe, é oEstado de Direito, onde há apenas o império de lei, devidamente processada segundo trâmites do Parlamento e da Constituição, que sejam normas legítimas, embasadas democraticamente, não instituam nenhuma sorte de regalias ou privilégios, e que sejam totalmente isonômicas, tendo o mesmo calibre para todos os administrados e ninguém possa se abster ou escapar a seu controle. Esta lei deve ser prévia para que todos a conheça e possam obedecê-la.

O Estado, na visão liberal, é também, com não poderia deixar de ser, sujeito fielmente ao controle legal.

Essas leis, embora provenham de um Estado limitado (conforme adiante será explicado) não é inexoravelmente limitada; ela, por ter todos os atributos acima descritos, é robusta o suficiente para fazer seu império, mantendo, assim, a paz entre a comunidade, proporcionando o progresso.

E todo esse arsenal de liberdade posto à disposição do indivíduo somente tem um fim, e que em última análise represente seu progresso e felicidade.

Outro ponto importante do liberalismo é que a comunidade não precisa necessariamente de um ente administrador de suas vidas, haja vista que elas são dotadas de um grau de organização espontânea e podem, ainda que imperfeitamente, se regularem. Um Estado regulador neste processo com certeza redundaria em distorções as mais severas e catastróficas.

Existente o Estado, deve ele servir as pessoas, auxiá-las e não o revés, sugando-lhe recursos, dinheiro e toda a abundante iniciativa individual.

Presente ainda o Estado, este sim deve ser regulado pelos indivíduos, que o fiscalizarão impiedosamente, haja vista que este tende sempre a crescer desordenadamente. Aqui pode ser encontrada uma base teórica muito forte que justifique a teoria democrática, o poder pelo povo.

Entra aqui o conceito de minarquia, pregando a doutrina minarquista o Estado essencial, promotor de suas funções típicas ou básicas, estruturalmente enxuto e eficiente. É o Estado necessário, tolerável.

Neste sentido, o Estado deve proteger o indivíduo e sua liberdade, através das leis e suas instituições, para que os cidadãos se desenvolvem em suas plenitudes, visando seu bem-estar; assim agindo, espalham o progresso.

Impensável o Estado agindo como empresário, dono de empresas, organizador de espetáculos públicos, grandes obras, etc.

O autêntico liberal, por exemplo, sempre vai defender abertamente aprivatização.

Em que pese, haver certa discordância, EU creio que o Estado deve ser envolver especificamente em questões de segurança pública, administração de Justiça, defesa nacional e certas funções cartoriais.

Estado pequeno, mas não anêmico ou simplesmente uma peça decorativa; deve ele agir prontamente para fiel execução de lei e repelir ameaças estrangeiras, à guisa de exemplo.

Assim, ainda presente a necessidade da existência do Estado, o liberal tende a olhá-lo com severa desconfiança. E com toda razão, pois o Estado, este ente fictício, dotado de força coatora é composto de pessoas, de cidadãos portadores de todos os vícios intrínsecos aos seres; pessoas erram, são autoritárias e o Poder corrompe. E também sempre partindo da ideia que o Governo tende a aumentar sua proporção indefinidamente.

Assim, todo liberal não aposta no bem geral pelo Estado, e o olha com a mais profunda desconfiança, assim como a todos os políticos e burocratas.

Um outro aspecto de subida importância diz com as relações econômicas. Trata-se do livre mercado, conceito que traz a ideia de livre concorrência, ampla liberdade de contratar, submissão do mercado à lei da oferta e da procura e a recusa de qualquer artifício de planificação ou controle estatal, seja de preços ou salários ou outras variáveis.

Indivíduos, assumindo riscos, fazendo escolhas racionais (homo economicus), através de trade-offs, agindo visando seu bem-estar, gostos e necessidades contribuem mais com o progresso geral que de qualquer outra forma.

Pessoas agindo nesse ambiente livre, imbuídos da busca de satisfação de suas necessidades, gerariam progresso para todos, sem distinção. A sociedade assim promove o desenvolvimento generalizado, em razão de sua eficiência sempre recompensada.

Cai por terra que os conceitos liberais perpetuam ou maximizam desigualdades, haja vista que todos pegam “carona” no aludido progresso.

                A simpatia a estreita ligação com o autêntico capitalismo (e não outros tipos freaks que se vê por aí) é intensa e deve ser expressamente reconhecida.

Não menos importante, é a defesa incondicional da propriedade privada, necessária para construir todo esse progresso descrito acima.

A todos a lei deve proteger, resguardar, fixar providências, para jungir o indivíduo proprietário ao seu bem respectivo, fazendo todos, coativa e juridicamente respeitar-lhe essa inalienável condição. É uma exteriorização daquele primeiro item analisado, a liberdade que resvala para a aquisição de algo, condição sine qua non para interagir no também já analisado livre mercado.

São conceitos que se fecham e que são interdependentes. Ambos devem ser protegidos pelos indivíduos e pelo Estado de ataques, daqueles e também deste.

Como o liberalismo é um modo de entender o mundo complexo e suas complexas relações humanas, entende ele que a promoção do bem estar dos povos, necessita do reconhecimento expresso de coisas que somente aos indivíduos pertençam, a começar pelo corpo. Colocando essas coisas a salvo do arbítrio do Estado, que sempre demanda mais recursos, a liberdade tem seu nascedouro.

As coisas são das pessoas e não as pessoas das coisas, o Estado serve ao indivíduo e não este serve ao Estado – essa seria a regra geral do pensamento ora em exame.

A propriedade é da pessoa e ela a usa como quiser, apenas se responsabilizando pelo seu emprego, observando também eventual direito alheio, num contexto legal previamente conhecido pelas partes.

Por fim, o liberal é pacifista, recusa o emprego de agressão, todo tipo de guerra, e sempre atenta para o progresso individual (atentando-se também que própria busca do progresso é opcional, podendo a pessoa recusá-la) e com isso outras pessoas são beneficiadas.

Não tem ligação com religião, nem atos de crença, respeitando todas; constituindo ato que está dentro da esfera de liberdade dos indivíduos.

Esse rol de características, longe de ser exaustivo, pode significar uma razoável introdução ao tema, evidentemente sem querer fazer um estudo mais profundo do que é o liberalismo, mas, resumindo todo esse pensamento em uma palavra, esta seria: liberdade.

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